Mulheres em JF perdem mais postos de trabalho na pandemia

Com aumento dos trabalhos domésticos, informalidade cresce. Cenário pode impactar avanço da mulher no mercado


Por Carolina Leonel

14/03/2021 às 07h00

selo do dia da mulher“Ser dispensada do trabalho nesse momento de pandemia é ainda mais complicado. Todo mundo está sensibilizado, com medo e ainda perder emprego gera uma incerteza muito grande. Eu tenho um filha de 1 ano e 7 meses e ficar sem trabalhar não era uma opção para mim”, afirma a professora Kamilla Coelho Oliveira, 30, sobre como se sentiu ao ser demitida no ano passado. Com a suspensão das aulas presenciais e incerteza sobre uma possível volta das atividades, Kamilla conta que o colégio em que atuava dispensou a maioria dos professores.

A professora é uma das 2.225 mulheres em Juiz de Fora que perderam o emprego formal entre março e dezembro de 2020. O número equivale a quase 52% das vagas extintas na cidade no período, de acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) divulgados pelo Ministério da Economia.

Como mãe solo, Kendra Aparecida Silva Freitas, 23, foi obrigada a deixar o emprego na padaria em que trabalhava como balconista para cuidar dos dois filhos de 7 e 2 anos, e da irmã caçula de 5. “Não tinha com quem deixar as crianças”, diz a jovem, que reveza com a mãe os cuidados domésticos e também ajuda na aprendizagem dos filhos, ao mesmo tempo em que busca renda com a venda de sorvetes, açaí e picolés.

As histórias de Kamilla e Kendra se repetem pelo país em meio à crise sanitária e econômica. Como mulheres e mães, ao mesmo tempo em que também perderam seus empregos, acumularam mais funções dentro de casa. Na segunda matéria da série “Na linha de frente”, a Tribuna aborda como a pandemia tem impactado o avanço da mulher no mercado de trabalho.

Impacto

Dia da mulher Kamilla Coelho Oliveira Arquivo Pessoal
Kamilla Coelho Oliveira, 30, é professora e perdeu o emprego com o fim das aulas presenciais (Foto: Arquivo Pessoal)

Para a economista e professora da Faculdade de Economia da UFJF, Flávia Chein, ainda não há informações suficientes para se identificar qual foi o real aumento de desigualdade entre homens e mulheres em termos de empregabilidade. “Os dados são conjunturais, não sabemos qual vai ser de fato a herança da pandemia, se a forma da inserção da mulher no mercado de trabalho vai se alterar. Isso só saberemos em talvez dois ou três anos, mas obviamente que esse impacto acaba sendo maior para a mulher, pelo próprio papel que ela desempenha dentro de casa”, analisa.

A professora sinaliza sobre os diferentes tipos de desligamentos, que impactam de formas diferentes a vida da mulher. “Há desligamentos por conta das próprias atribuições domésticas e da maternidade. Ainda que parte das mulheres não sejam mães solo, por exemplo, o tempo que a mulher gasta com afazeres domésticos é muito superior ao tempo que homens gastam. E com a pandemia, elas ficaram ainda mais sobrecarregadas. Também há aquelas que possuem nível de escolaridade mais baixo e tinham empregos associados aos cuidados domésticos, sendo dispensadas. Nesse momento, essas variações acabam se revelando de forma distinta”, diz

Do ponto de vista de outras ocupações, a economista lembra que percentual de participação feminina é grande também no comércio varejista e setor de alimentação. “Foram setores muito impactados pelos momentos de abertura e fechamento da economia em função das condições sanitárias. Então, com certeza, nesse momento conjuntural, o peso tem sido maior para a mulher, e reflete muito a forma como a mulher se insere no mercado de trabalho.”

Alternativa está na informalidade

Desempregadas e sem a perspectiva de um trabalho formal a curto prazo, tanto Kamilla quanto Kendra buscam saída na informalidade. “Ajuda, mas é muito incerto. Há meses em que vendemos bastante e conseguimos aumentar a renda, outros não. O que tem ajudado é o trabalho da minha mãe que atua como instrumentadora cirúrgica”, conta Kendra, ao comparar com as vendas de sorvetes e açaí que tem feito no Jardim Casablanca, bairro em que mora com a família. Hipertensa, ela também diz ter receio de um emprego que exponha a sua saúde e da família.

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Da esquerda para a direita: Kendra Aparecida Silva Freitas com o filho Theo no colo; Yarley (filho de Kendra);. Emanuelle (irmã de Kendra) e Aline (sua mãe) (Foto: Arquivo Pessoal)

Já Kamilla procurou se reinventar com vendas on-line. No início deste ano, a professora criou sua loja virtual Lunar Moda Íntima. “Eu precisava me reinventar no sentido de arrumar um trabalho que fosse compatível com a maternidade e com a rotina doméstica. E isso partiu de uma necessidade financeira e também pela necessidade de ter que trabalhar com algo meu, de assumir as minhas responsabilidades”, conta. Entendendo as dificuldades que as mulheres têm enfrentado, Kamilla começou a fazer divulgação de trabalhos femininos no perfil da sua loja no Instagram. Segundo ela, as interessas podem fazer contato pelo @intimalunar_.

Ônus

A economista Flávia observa que a busca pela informalidade tem sido uma saída para parte das mulheres que procuram conciliar as demandas domésticas. “Quando a mulher passa para a informalidade, ela deixa de ter uma série de garantias e direitos. E, em geral, as ocupações que ela vai assumir na informalidade geram rendimentos que não compensam a perda dos direitos que ela tem com a carteira de trabalho assinada. Então, o que a faz migrar é justamente a questão da flexibilidade de horário para poder cuidar dos afazeres domésticos, ao mesmo tempo que consegue manter uma renda. E não temos como deixar de perceber o ônus sobre a figura feminina, e isso pode aumentar muito a desigualdade quando a mulher se insere no mercado de trabalho, podendo até causar um viés de contratação.”

Independência financeira

Segundo a pesquisa “Sem parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia”, da organização Gênero e Número e da SempreViva Organização Feminista, realizada em abril e maio de 2020, 40% das mulheres entrevistadas afirmaram que a pandemia e a situação de isolamento social colocaram a sustentação da casa em risco. A maior parte das entrevistadas que tiveram essa percepção são mulheres negras (55%), que, no momento em que responderam à pesquisa, tinham como dificuldade principal o pagamento de contas básicas ou do aluguel. Ainda conforme a organização, as mulheres são a maioria entre as pessoas que realizam tarefas não remuneradas e estão fora da força de trabalho (64%), o que significa que não trabalham nem buscam emprego.

As consequências desse cenário na avaliação da socióloga Célia Arribas, além de alto impacto na saúde mental, também podem deixá-las mais vulneráveis à violência doméstica. “As agressões aumentaram, e isso tem a ver com as mulheres estarem mais tempo dentro de casa, com a instabilidade econômica, com moradia insegura e também por uma série de outras faltas e falhas estatais no sentido de ter apoio social, econômico, creche, auxilio emergencial. Tudo isso faz com que a casa vire uma panela de pressão. Os problemas já existiam, mas parece que agora estão mais potencializados” analisa.

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“Todos sabemos que o empoderamento feminino passa pela independência financeira, especialmente numa sociedade machista como a nossa. Uma das violências mais eficazes contra a mulher é a violência patrimonial, quando de alguma forma ela é dependente materialmente para seu próprio sustento e dos filhos, e se sujeita a condições de submissão em função de necessidades materiais. A dependência financeira é perigosa, porque legitima de alguma forma o poder do outro sobre ela, diminui sua autoestima e sua capacidade de decisão, tornando-a ainda mais vulnerável a outros tipos de violência”, alerta a psicóloga Adriana Woichinevski Viscardi sobre as possíveis consequências psicossociais desse cenário.

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