De onde nascem os pais: paternidades diversas têm afeto como guia das relações

Neste Dia dos Pais, a Tribuna conta a história de quatro homens que exercem a paternidade com novas configurações de família


Por Elisabetta Mazocoli

10/08/2025 às 06h00- Atualizada 10/08/2025 às 07h03

No Brasil, o Dia dos Pais é sempre celebrado no segundo domingo de agosto. O que pode parecer uma comemoração que não se alterou ao longo dos anos, no entanto, foi mudando bastante com as novas configurações de família e as formas diversas de exercer a paternidade — acompanhando transformações na sociedade, na noção de masculinidade e até na responsabilidade afetiva dentro da sociedade.

Enquanto milhões de crianças seguem sem registros oficiais de seu genitor nas certidões de nascimento, há aqueles que assumem a criação e recebem o título de pai por carinho. Há quem nunca tenha passado essa data com os filhos e quem mova mundos para garantir que essas pessoas nunca se sintam com alguém faltando na mesa. Ser pai, como lembra o escritor chileno Alejandro Zambra, não é ensinado, mas pode se tornar um instinto tão feroz quanto qualquer outro: “É uma superstição tão sensata, a mais sensata de todas: parar de respirar para que o filho respire”.

Neste dia dos pais, a Tribuna conta a história de 4 homens que exercem a paternidade de maneiras diversas, mas buscando o afeto como guia das relações.

Salvar e ser salvo

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Daniel e Francisco, pai e filho (Foto: Arquivo pessoal)

A paternidade veio para o advogado Daniel Marchi, de 45 anos, depois de muita conversa e planejamento com sua esposa, Fabiana Filipino. Francisco foi desejado pelos dois e recebido com muita alegria. Em 2019, na véspera do aniversário da criança, no entanto, um acontecimento trágico fez com que ele precisasse rever seus planos: Fabiana morreu atingida por um disparo no Centro de Juiz de Fora. “Precisei me reinventar e ficar de pé para poder cuidar dele, atender as necessidades dele”, conta o pai.  Daniel, então, se mudou para o Rio de Janeiro com o filho, para estar perto de sua rede de apoio. Logo depois da morte de sua esposa, os dois também enfrentaram juntos a pandemia de Covid-19, em um momento em que conviviam 24h juntos. “Apesar da vivência do luto, foi um momento em que eu curti muito ele. A necessidade de estar ligado com ele 24h por dia me salvou, me deu a força que eu precisava para continuar”, relembra. 

A ligação entre os dois foi o que fortaleceu Daniel e se constituiu como a força que, mesmo diante do que aconteceu, o ajudou a reencontrar sentido para a sua existência. “Por mais que a gente passe por dificuldades na vida, acho que tudo vale a pena para ver um filho feliz. Várias vezes eu esmoreci e fiquei muito triste, mas o que me levava adiante é a ligação que eu tenho com o Francisco e o meu senso de responsabilidade com ele. Apesar do que me aconteceu, não troco minha ligação com ele por nada”, continua. Para ele, que é pai solo, o mais importante foi perceber como estar disposto a atender as demandas do filho e estar presente quando ele precisasse. E juntos eles seguem: “Hoje, antes de saber da sua ligação, perguntei: ‘Meu filho, você tá feliz? E ele respondeu ‘tô muito feliz, pai, principalmente porque estou jogando muito futebol na escola’. Isso vale”. 

Dar o que não teve

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Nathan, os dois filhos (Arthur e Thales) e Thailla (Foto: Arquivo pessoal)

“Começamos em uma amizade, sempre brincando e dando atenção. Mas não sabia que ele me daria esse título e que ele me consideraria dessa forma”, conta o leiturista Nathan de Oliveira Rosa, de 33 anos. A relação dele com Arthur e Thales começou a partir do seu namoro com Thailla, mãe dos dois. Quem foi mostrando isso para ele foi o próprio Arthur, que hoje tem 8 anos, e que passou a encará-lo assim e a cobrá-lo da mesma maneira. Ele então assumiu para si o que nunca teve antes. “O que eu procuro é estar mais presente, conversar, brincar. É o que eu sempre quis do meu pai, mas nunca tive”, diz.

Como em toda relação de pai e filho, Nathan ensina para os dois da mesma forma que aprende com eles. Quando ele conheceu as crianças, ainda não tinha passado pelo processo de transição. “Eu aprendi a me respeitar mais como homem trans por causa da minha família, minha esposa e meus dois filhos. Eles passaram por essa transformação comigo e sabem sobre esse processo até talvez mais do que eu. Aprendi a me respeitar e a impor o que eu quero com eles. Para eles, não faz diferença”, diz. O afeto também nunca mudou dentro da família, só cresceu com o tempo. “Eles entendem perfeitamente o que é ser uma pessoa trans e como deve ser tratada uma pessoa trans. É uma experiência diferente, mas é muito boa”.

 

Se ver no outro

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Família reunida com Oswaldino e os quatro filhos (Andressa, Júlia, Gabriel e Miguel), esposa, neto e genro (Foto: Arquivo pessoal)

O médico psiquiatra Oswaldino Sott, de 59 anos, já tinha dois filhos biológicos quando começou o relacionamento com Silvia. Ela tinha uma filha, Júlia, que tinha perdido o pai muito nova, a quem ele inclusive conhecia e de quem gostava muito. Assumir a função de padrasto ou de pai — seja qual for o nome — para ele foi bastante natural entre os dois.  “A gente tem uma afinidade muito grande, construída desde os primeiros momentos. A Juju gostava de abrir a gaveta, colocar os brinquedos no chão e deixar para a gente brincar. Ela sempre foi uma menina muito doce e carinhosa”, lembra. A família, então, cresceu: ela também ganhou dois irmãos, Andressa e Gabriel, e, mais tarde, outro, o Miguel,  fruto do casamento entre a mãe e Oswaldino.

Para ele, a paternidade é participar de uma história: levar na escola, ver apresentações, ir em formaturas, teatros, compartilhar todos os momentos.  “Ter filho, para mim, é uma experiência indescritível. Cada pequeno momento que conseguimos viver juntos, cada filme que vimos, os livros, as febres, os passeios… Construímos uma aliança entre nós. O que define é o amor, o afeto com que conseguimos cuidar bem dele durante todo esse tempo”, diz. Tão forte é esse amor que é capaz de ficar totalmente igual ao dos filhos que nasceram com seu sangue — ele não faz distinção. Inclusive, conta que Júlia, como toda filha, “puxou” muita coisa dele: “Ela tem muita coisa parecida comigo. O cinema, por exemplo, eu tenho uma coleção enorme de filmes, e ela foi para essa área. Nós sempre víamos filmes juntos”, diz.

Cuidar da vida 

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Márcio, Flávio e Felipe em abraço (Foto: Arquivo pessoal)

Márcio Guerra conta que, antes do Felipe, achava que a paternidade dele era transferida para os animais de que sempre cuidou. Mas, quando estava com 60 anos, seu companheiro, Flávio, sugeriu que entrassem em um processo de adoção — o que, a princípio, o assustou. “O primeiro desafio foi ter a coragem, porque eu ficava preocupado em deixar a criança órfã. Na época, a psicóloga me incentivou: ‘Você vai ter uma vida muito longa porque ele mesmo vai motivar isso’. É verdade. Eu passei a fazer atividade física, a me cuidar muito mais, a gostar mais de mim para poder gostar mais dele ainda e aproveitar a vida que eu posso ter junto com ele e junto com o meu companheiro”, conta. 

Seu filho, que hoje tem 16 anos, já passou alguns Dia dos Pais com os dois. E Márcio e Flávio não se esquecem inclusive dos conselhos que receberam de seus próprios pais durante a vida, e acrescentam muitos outros que foram aprendendo ao longo dos anos. Eles entenderam algo muito importante no processo de adoção e criação do filho deles, que estava em uma faixa etária que costuma ser preterida em adoções, e que estende esse processo de cuidar da vida, que não tem fim: “Adoções tardias, de crianças que às vezes têm poucas oportunidades, é fundamental. Apostem no amor que uma criança mais adulta pode dar para a gente”. 

 

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