Cresce número de denúncias contra importunação sexual
Um ano após endurecimento da tipificação penal, Delegacia de Atendimento às Mulheres vê encorajamento das vítimas; mas ainda falta tipificação criminal no registro das ocorrências da PM
Um homem de 27 anos foi preso em flagrante por importunação sexual depois de exibir seu órgão genital para uma adolescente, 14 anos, dentro de um coletivo. O caso ocorreu no fim da tarde de segunda-feira (7), quando o ônibus passava pelo Bairro Manoel Honório, Zona Leste de Juiz de Fora. A prisão foi possível depois de a vítima pedir socorro e ser ajudada pelo motorista e o cobrador. Casos como esse, registrado esta semana, não podem ser considerados isolados e, prova disso, é o aumento no número de inquéritos em investigação na Polícia Civil desde a aprovação da lei que tornou crime a importunação sexual, há um ano. Desde que entrou em vigor, em 24 de setembro de 2018, a Delegacia Especializada de Atendimento às Mulheres investigou 28 casos semelhantes, sendo grande parte tendo como cenário o transporte coletivo, conforme a titular da especializada, Ângela Fellet.
Segundo ela, o endurecimento das consequências na tipificação penal, que agora prevê prisão de 1 a 5 anos, ajudou para que as subnotificações caíssem e que as vítimas se sentissem encorajadas a denunciar. Paralelo a isso, ações pontuais, como a fixação de cartazes de orientação nos ônibus, além da promoção de políticas públicas que ajudam a orientar a acolher as vítimas, são consideradas aliadas.
Segundo informações da Polícia Militar, o caso da adolescente de 14 anos ocorreu no ônibus que fazia a linha 204 (Santa Paula/ Centro) no fim da tarde de segunda-feira, por volta das 17h. A vítima disse aos militares que entrou no coletivo e se sentou em um dos bancos dos fundos, ao lado de um casal. Segundo ela, o suspeito ficava olhando-a constantemente. Quando o casal desembarcou, pouco depois das 17h20, o homem, que também estava sentado, teria aberto o zíper. A menina desviou o olhar e começou a gritar por socorro. Motorista e cobrador foram até ela, a auxiliaram e acionaram a PM em seguida. O homem foi preso em flagrante pelos policiais. Ele disse aos militares que expôs seu órgão acidentalmente, por ter se esquecido de fechar o zíper, e foi levado para a delegacia para prestar esclarecimentos.
De todos os casos investigados pela delegada Ângela Fellet até o momento, a maioria deles tem como vítimas mulheres e ocorreu dentro dos coletivos. Segundo ela, foram sete inquéritos instaurados entre setembro e dezembro do ano passado e outros 21 de janeiro a setembro deste ano. “O que diminuíram foram as subnotificações, não aumentaram os casos. Além da punição maior, as vítimas estão tendo mais conhecimento de como proceder, até mesmo por meio das políticas públicas. Nos coletivos da cidade, por exemplo, foram fixados cartazes com orientações para as vítimas, e isso tudo ajuda a aumentar a coragem de denunciar”, ponderou.
Autores desconhecidos
Conforme a delegada, muitos dos inquéritos que apuram importunações sexuais ainda estão em andamento, já que a autoria não está definida. O problema ocorre porque muitos dos autores são desconhecidos. Se a denúncia não é feita na hora, como no caso ocorrido na segunda-feira, o autor pode acabar escapando e não sendo identificado. “A primeira coisa a ser feita é dar o alerta sobre a situação e pedir ajuda. Em seguida, deve-se acionar a Polícia Militar para tentar que o autor seja preso em flagrante. Na maioria dos casos, o agressor é alguém desconhecido, que não foi preso em flagrante. Por isso, é mais difícil identificá-lo”, comentou. No caso de a denúncia não ser feita na hora, a delegada orienta que a vítima se atente às características físicas e comportamentais do suspeito. Se o crime ocorrer dentro de um ônibus, a vítima pode solicitar as imagens do circuito de câmeras para ajudar na identificação do autor.
O que diz a legislação
Definido pela Lei 13.718/18, o crime de importunação sexual é caracterizado pela prática libidinosa contra alguém sem seu consentimento, como tocar as partes íntimas da outra pessoa, esfregar a genitália, se masturbar e ejacular em uma pessoa com o objetivo de “satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. O infrator pode ser punido com prisão de um a cinco anos.
A importunação sexual é considerada crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa, seja do mesmo gênero ou não. Neste caso, cabe à vara criminal comum a competência para processar e julgar os casos, salvo os episódios de violência doméstica e familiar contra mulher, prevista na Lei Maria da Penha. Antes da norma, a conduta era considerada apenas uma contravenção penal, punida com multa.
“Pelo fato de a importunação sexual ser uma contravenção penal, com pena muito baixa (somente multa), as mulheres desanimavam a seguir com a denúncia. Sabiam que não ia dar em nada para o autor. Agora o que se vê é um encorajamento das vítimas. Ela chega até a delegacia sabendo que o agressor vai responder por aquele ato”, comentou a delegada Ângela Fellet.
Conforme o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a lei também tornou crime a divulgação de cena de estupro, sexo, nudez ou pornografia sem permissão da vítima, por qualquer meio. A pena também pode ir de um a cinco anos de reclusão, podendo ser agravada se o agressor tiver relação afetiva com a vítima. A lei estabelece que, tanto quem produz o material divulgado, como qualquer pessoa que compartilhar o conteúdo, até mesmo em redes sociais, pode responder pelo crime.
Falta de tipificação criminal no registro das ocorrências
Mesmo com a mudança na legislação, o ritmo devagar de atualização dos sistemas que monitoram a nova modalidade criminal colabora para a imprecisão do cenário. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por exemplo, acrescentou a “importunação sexual” em sua base de dados em dezembro de 2018. Já o sistema de Registro de Eventos de Defesa Social (Reds) de Minas Gerais, que é de uso comum das forças de segurança pública estaduais, ainda não atualizou a nova modalidade criminal no registro de ocorrência. Dessa forma, ainda não é possível ter uma estatística que demonstre a realidade dos casos, que geralmente são registrados como “outros contra dignidade sexual”, ficando a importunação sexual em um segundo campo de identificação, que não entra na estatística.
Por conta disso, apesar de a Polícia Civil ter investigado mais casos de importunação sexual nos últimos meses, o número de registros feito pela PM, com a tipificação de “importunação ofensiva ao pudor”, que continua sendo uma contravenção penal, caiu pela metade este ano. Entre janeiro e agosto de 2018, segundo a PM, foram 47, contra 19 neste ano. A Assessoria de Comunicação Organizacional da 4ª Região da Polícia Militar esclareceu que por parte dos integrantes da corporação foram adotadas algumas medidas para o registro do crime.
“Visando alinhar conduta, devido às mudanças imposta por força de lei, foi incluído na Diretriz Integrada de Ações e Operações (Diao), uma nova codificação, cuja natureza contempla a ‘importunação sexual’. Contudo, tal codificação não está disponível para classificação desta natureza de ocorrência no Reds, não sendo possível, portanto, até a presente data, realizar a codificação de ocorrência com esta natureza. Os policiais militares foram orientados quando do registro de Reds que envolvam ‘importunação Sexual’ a fazer o lançamento utilizando a natureza ‘outras infrações contra a dignidade sexual e a família’, tendo, entretanto, que constar no campo “detalhamento outros” o texto informando que aquela ocorrência trata-se de “‘importunação sexual'”.
Políticas públicas ajudam a orientar e acolher vítimas
A delegada Ângela Fellet realizou, no fim do mês de julho, palestra na Secretaria de Transportes e Trânsito (Settra), onde participaram profissionais de empresas de ônibus e da pasta, que receberam orientações sobre como ajudar as vítimas e importunação sexual. A palestra fazia parte da campanha da Settra para alertar a população e combater a violência sexual no transporte coletivo de Juiz de Fora. Para isso, todos os ônibus receberam cartazes informativos. No material impresso, que ainda pode ser encontrado, estão orientações sobre o que deve ser feito no caso de ser vítima da ação criminosa. A campanha faz parte do projeto “Meu corpo não é coletivo – assédio e violência sexual no ônibus são crimes”, instituído pela lei municipal número 13.787/2018 que tem o intuito de divulgar informações e disseminar a prevenção contra o crime.
Canal de denúncia
Além dos cartazes nos ônibus, a lei prevê a disponibilização, por parte do Poder Executivo, de um canal de comunicação para recebimento das denúncias de assédio e violência sexual dentro dos ônibus. As denúncias feitas por anonimato seriam encaminhadas à Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher para investigação, identificação e responsabilização do autor, se fosse do interesse da vítima. A Settra esclareceu que o canal já existe e denúncias podem ser registradas pelo telefone 3690-8218. Porém, foi decidido que os números divulgados nos cartazes seriam das polícias Civil e Militar, uma vez que as imagens das câmeras dos coletivos só ficam armazenadas por dez dias. “Fazendo-se o contato direto com os órgãos se segurança, a investigação é mais rápida”, segundo avaliação da Settra.