Estudante de 10 anos acumula conquistas
Menino, que mora com a família em Juiz de Fora, foi um dos alunos mais jovens a conseguir medalha em Olimpíada Brasileira de Matemática e já participou de programa televisivo por causa de sua memória
Por trás da fala tímida e do olhar atento, o estudante Caio Martins Temponi do Valle guarda grande apreço pelo conhecimento. Ávido por novidades, aos 10 anos, o menino já ocupou lugar de destaque em competições que levam o saber como disputa. Com obstinação, foco e curiosidade, cresce acumulando desafios vencidos. Ao chegar em seu quarto, Caio aponta um mapa mundi, que sua mãe, Laurismara Martins Temponi, diz ser uma das paixões dele. Ao ser perguntado sobre qual destino gostaria de conhecer, ele não titubeou: “Quero conhecer Brunei, fui pesquisar sobre o país, por causa de um jogador de futebol do Manchester United que nasceu lá e fiquei fã”.
Caio se tornou um dos alunos mais jovens a conquistar a medalha de bronze na Olimpíada Brasileira de Matemática na edição 2018 e uma de suas metas é melhorar, ainda mais, o seu desempenho na competição, alcançando a medalha dourada. Ele afirmou que não fez nenhum esforço extra para conquistar a colocação nas Olimpíadas e que encara todas as provas que faz com a mesma seriedade. “Não vejo esses desafios como um mais difícil que o outro. Eu sempre me preparo para as provas da mesma forma, com a mesma dedicação.”
No ano passado, Caio fez a seleção para o Colégio Militar a pedido da mãe, para entrar no sexto ano, apesar de estar apenas com 10 anos de idade. Ele aceitou fazer o teste embora não tivesse intenção de ficar na instituição, por gostar muito do colégio Apogeu, onde estuda atualmente e recebe todo o suporte do qual precisa. O resultado foi o primeiro lugar do concurso, revertido em um gesto de carinho. “Depois de saber a nota, falei com a minha mãe, que, ao invés de 30 vagas, a classificação teria 31. Eu procurei pelo 31º colocado e fiz contato. Me apresentei e disse que a vaga era dele. Eu contei para ele no dia em que estava fazendo aniversário. Foi muito legal, ele ficou muito feliz.”
O conhecimento também levou Caio à televisão. Ele assistia a uma competição de canto entre crianças e falou para a mãe que participaria. Mas ela disse que não tinha como, porque ele não sabia cantar. Eles procuraram outro programa, no qual Caio pudesse participar, levando suas habilidades. A inscrição foi feita sem expectativas, mas o retorno foi rápido.
O garoto foi convidado para estar em um quadro infantil no programa do Silvio Santos, no início do ano passado. Ele estava ao lado de crianças que tocavam instrumentos faziam coreografias, no entanto, o desafio dele era dizer os nomes das capitais de países, que eram citados pelo apresentador e por outros convidados. As respostas todas estavam na ponta da língua de Caio, que dizia até mesmo o nome das capitais mais difíceis de pronunciar com exatidão, surpreendendo os participantes com sua firmeza e rapidez de raciocínio.
Rotina
A rotina de Caio é repleta de atividades. Além do tempo que passa na escola, ele ainda faz curso de inglês, no qual já está na fase dos exames de proficiência; se desenvolve pelo Método Kumon, desde pequeno e ainda pratica futebol e natação. Segundo o garoto, o mais importante é se manter centrado. “Acho que a palavra é paixão. Tem que ter paixão para aprender. Também é preciso se dedicar, ter foco, estar atento, mas se você tem paixão, aprende com alegria.” A mãe dele corrobora e diz que ele vai além. “Ele se esforça muito. Se tem prova, chega em casa e estuda muito. Se fica alguma dúvida, coloca o despertador para tocar às 5h porque ele entende que precisa esclarecer aquela questão. Quando eu acordo às 6h, ele me pede que faça perguntas sobre o assunto para ele, para verificar se ainda tem alguma dúvida para ser tirada. Ele corre muito atrás.” Além disso, também procura sempre por novos campos para aprender. Concluindo o curso de inglês, ele já está em busca de outro idioma. “Agora quero aprender francês, que é uma língua muito bonita.”
Compromisso com a brincadeira
Apesar do comprometimento com os estudos e com o aprendizado, Caio não deixa a brincadeira de lado. “Ele adora jogar bola, quando está em casa, quer brincar com o baralho, joga buraco, entre outros jogos. Como qualquer outra criança, gosta de aprontar. O videogame fica restrito a uma hora, aos finais de semana. Temos muito cuidado com essas ferramentas tecnológicas. O uso da internet também é limitado e acompanhado, embora ele use muito a internet para fazer pesquisas sobre os temas de interesse dele”, explica Laurismara. Além das brincadeiras dentro de casa e em outros espaços, Caio tem o costume de jogar xadrez.
A descoberta das altas capacidades
Caio, desde muito pequeno, dava sinais de desenvolvimento acima da média. De acordo com a mãe, o menino começou a andar com 8 meses. Com 1 ano e pouco de vida, já tentava ler. Antes mesmo de entrar no período de alfabetização da escola, com cerca de 5 anos, já escrevia, sabia fazer as quatro operações matemáticas, somar, subtrair, multiplicar e dividir, e, além disso, sabia fazer frações, o que foi aprendendo com o pai. “De início, foi tudo muito complicado. A própria escola me procurava, pedindo para que parasse de adiantar conteúdos para ele. Mas eu não dava nenhum conteúdo extra. Com aquela idade, ele já procurava o que queria saber sozinho nos livros. Nos colocamos diante de um impasse, porque, quando os professores apresentavam alguma informação, ele já sabia. Só que nós não podíamos atrasar o conhecimento dele.” Foi nesse momento que os pais, que viviam em Três Rios (RJ), se mudaram para Juiz de Fora, em busca de recursos. Antes mesmo de sair da cidade, Caio já tinha sido submetido a um teste, que indicava a condição de avançar na série que estava. Depois, em uma consulta com uma neuropsicóloga, no Rio de Janeiro, ele recebeu o diagnóstico de altas habilidades.
Alerta para comportamento alterado
De acordo com a diretora do Centro de Atendimento Educacional Especializado (CAEE- Centro) da Secretaria de Educação/ Prefeitura de Juiz de Fora, Aline Rinco Dutra Salgado, doutoranda em Ciências e Biotecnologia (UFF) e também em Ensino de Biociências e Saúde (Fiocruz), que pesquisa altas habilidades ou superdotação, a família é a primeira instituição a perceber que há características e comportamentos diferenciados, já nos primeiros anos de vida. Nesta fase, pode-se perceber um desenvolvimento precoce como por exemplo, caminhar ou falar mais cedo que seus pares de idade ou falar mais de um idioma. “As altas habilidade ou superdotação podem ocorrer não só na área acadêmica, mas também em áreas como, liderança, artística, psicomotora ou criatividade e, na escola, essa criança poderá se destacar de seus pares de mesma faixa etária, pois ela aprende mais rapidamente, com as temáticas de seu interesse além de apresentar um vocabulário diferenciado”, explica. Quando a escola não apresenta um currículo que contemple os interesses dessa criança, ela começa a se sentir desestimulada. “Por isso, é fundamental que crianças e adolescentes sejam identificados, para que possam sair dessa invisibilidade ainda percebida nos espaços escolares.
Tal situação faz com que esses alunos e suas famílias sofram muito, pois não têm atendidos na escola suas necessidades educacionais. Alunos com essas características têm o desejo de falar, de pesquisar, de ser ouvido e os profissionais precisam estar preparados para lidar com essa demanda. Quanto mais dialogarmos sobre essa questão, mais conseguiremos compreender as reais possibilidades desse trabalho.” Aline ainda reforça que o aluno com altas habilidades ou superdotação, pertencem a uma das três categorias do público-alvo da Educação Especial e, assim como os demais, têm suas especificidades e direitos, que precisam ser respeitados e garantidos.
Escola
Aline explica que, quando os pais têm ciência de que seu filho tem altas habilidades ou superdotação, devem dialogar com a escola, para que seus direitos não sejam negligenciados. “Se o professor não se sente seguro para atuar junto a esse aluno, ele precisa buscar capacitação. Hoje temos cursos que pautam a identificação desses alunos.Um outro aspecto é com relação aos alunos que se encontram em um nível do desenvolvimento escolar acima do que está matriculado, quando for o caso, eles têm o direito à aceleração do ensino, conforme dispõe a LDB. Por meio de avaliações realizadas na escola, poderão ser inseridos no nível escolar mais adequado ao desenvolvimento deles.”
No Brasil, conforme Aline, há altos índices de adolescentes com depressão, porque, durante todo o período de escolarização, eles não foram identificados, e isso gera uma frustração muito grande, pois não se sentem motivados. “A identificação não pode virar um rótulo. Ela precisa ser realizada com critério e responsabilidade, para garantir aos alunos estratégias educacionais diferenciadas, por meio de uma proposta pedagógica que contemple e potencialize suas áreas de interesse.” Por isso, segundo Aline, a conduta dos pais de Caio, ao levarem a situação para a escola, já no início, contribuiu para que ele chegasse a uma proposta de ensino que desse conta de suas necessidades de aprendizado.
Políticas para atender ao público
As crianças, como reforça Aline Rinco, não se tornam superdotadas, elas nascem com esse potencial. As altas habilidades ou superdotação, de acordo com a diretora, foram instituídas no Brasil em 1930, com a temática trazida pela psicóloga Helena Antipoff, e, desde então, as leis brasileiras sobre educação levam em conta esse aspecto. No entanto, mesmo com leis, o assunto ainda é pouco discutido. Para Aline, por estar envolvido em muitos mitos pelo senso comum, o tema não é visto com a seriedade que deveria. “As instituições deixam de prestar atenção a esses alunos, por acreditarem que ‘não há entre os alunos matriculados ou que já sabem tudo’ e se voltam para os alunos quem apresentam maiores dificuldades. No entanto, alunos com altas habilidades podem até apresentar bom desempenho escolar, mas não desenvolvem todo seu potencial e nem se sentem felizes, por isso, é fundamental que os profissionais da área educacional tenham conhecimento sobre essa temática.”
Aline levou o tema para a Câmara Municipal e teve o apoio do vereador Antônio Aguiar para que o assunto se tornasse a Lei 13.627, em 2017. Essa Lei obriga o município a desenvolver políticas públicas para atender a este público. A partir da aprovação desse instrumento, foi possível pensar parcerias, como a que existe entre a Secretaria de Educação de Juiz de Fora com a UFF e UFJF. “Há uma parceria com a Escola de Inclusão da UFF e com a Faculdade de Psicologia da UFJF, por meio da qual elaboramos cursos voltados para os profissionais da rede municipal. Nesse ano, há intenção de promover curso de especialização em altas habilidades ou superdotação em parceria com a UFJF.”
Atualmente, há sete crianças em processo de identificação de altas habilidades ou superdotação em atendimento no CAEE Centro. Esse processo leva como base a possibilidade em diversas áreas. Concomitantemente, uma comissão instituída na Secretaria de Educação estuda as legislações em vigência, para organizar as diretrizes municipais. A intenção é orientar os docentes na atuação em sala de aula, em conjunto com a turma toda, por meio da suplementação de ensino pelo enriquecimento curricular, no horário de aula, e no contraturno na sala de recursos multifuncionais por meio do AEE. Conforme as habilidades são identificadas, parcerias com outras instituições poderão ser efetivadas, para o desenvolvimento e promoção da pesquisa, das artes e dos esportes, de acordo com os talentos de cada estudante.
O vereador e médico Antônio Aguiar reforça que é preciso avançar mais para atender a esse grupo de maneira mais eficiente, sensibilizando não só os profissionais da educação, mas da saúde. “Altas habilidades ou superdotação ainda é um tema fora do domínio de muitas pessoas. Tanto que as crianças, muitas vezes, recebem diagnósticos equivocados, como déficit de atenção e hiperatividade. Mas as alterações comportamentais que elas apresentam são de uma capacidade acima do normal.” Ainda conforme o vereador, a escola é fundamental para essas crianças. “Valorizamos muito as informações que vêm das escolas. São ricas e contundentes. O perfil de visualização dos docentes na identificação de problemas que podem comprometer a capacidade de desenvolvimento dessas crianças é grande. Com um trabalho direcionado, podemos melhorar esse atendimento.” O vereador relembra que Juiz de Fora é a primeira cidade do estado a ter uma lei nesta área, respaldando a Lei Brasileira de Inclusão e a LDB.