Desatenção arriscada


Por Rena Brum

08/10/2014 às 09h43

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Pedestres de todas as idades se arriscam com celular nas travessias

Um homem de 59 anos foi atingido pelo trem na passagem de nível do Bairro Democrata, região Nordeste, no início da tarde de ontem. Segundo informações da MRS Logística, concessionária que administra a linha férrea, a vítima estaria falando ao celular e não percebeu a aproximação da composição. No momento do acidente, a passagem contava com um agente, que teria feito tentativas de sinalização e advertências verbais. O maquinista também teria utilizado a buzina várias vezes, mas as ações não foram suficientes para impedir o acidente. No dia 25 de setembro, um jovem de 20 anos também já havia sofrido escoriações no rosto e amputação de três dedos da mão direita após ser atropelado por outra composição na linha férrea, na região do Poço Rico, na Zona Sudeste. Ele não ouviu o aviso sonoro, pois estava com fones de ouvido. O uso de smartphones por pedestres e motoristas é cada vez mais comum no Brasil e no mundo, tornando-se um agravante dos acidentes de trânsito.

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Condutora confere mensagem nos celular em plena Getúlio Vargas

Além da linha férrea, os flagrantes de desatenção em virtude do uso dos celulares são cada vez mais comuns nas ruas. A Tribuna esteve em travessias da área central, onde encontrou dezenas de pessoas falando ao telefone, respondendo SMS ou conferindo mensagens no WhatsApp, mesmo estando ao volante.

Durante a observação, muitos pedestres atravessaram avenidas e ruas com semáforo aberto, acompanhando e confiando no fluxo de pessoas. “Não tem jeito. Virou hábito. Andamos na rua olhando ou falando ao celular. Sei que existem riscos, mas dá para ver que um carro está se aproximando. O problema são as motos, que são mais rápidas”, comentou o promotor de vendas Fabrício Gonzaga, 30, indagado quando atravessava a Avenida Itamar Franco entretido ao celular.

Uma jornalista relatou outro fato recente no São Mateus. “No último domingo, meu marido quase atropelou um jovem que atravessou fora da faixa, na frente do carro, mexendo no celular. Isso está comum. Os mais jovens introduziram essa tecnologia em todas as ações. E, quando o carro para em cima, evitando um atropelamento, eles ainda olham e continuam atravessando e usando o celular como se nada tivesse acontecido. ”

Presidente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), o médico Roberto Douglas Moreira confirma a tendência. “Os smartphones trouxeram grandes avanços, mas não deveriam ser utilizados no momento em que todos os sentidos, principalmente audição e visão, deveriam estar funcionando. Infelizmente em qualquer travessia ou cruzamento vemos inúmeras pessoas com celulares em mãos, conversando ou com fones de ouvido. O que está acontecendo é que não fomos educados para lidar no cotidiano com esses mecanismos. Ninguém acredita que vai ser atropelado porque está falando ou conferindo uma mensagem no celular. As pessoas se acham onipotentes, por isso estamos aprendendo com as tragédias, assim como aconteceu com o álcool”, alerta o médico. “Vamos ter que trabalhar para ampliar essa percepção de risco, mudar o comportamento, sobretudo dos mais jovens.”

Campanhas
Chefe da Fiscalização da Settra, Paulo Perón Júnior defende a educação como a alternativa mais viável. “O pedestre é o ator do trânsito mais frágil, e a desatenção por conta dos celulares potencializa o risco de acidentes, não só de atropelamentos, mas de quedas nas calçadas e outros incidentes. A adoção de uma medida mais drástica de fiscalização acaba não sendo viável. O que podemos e temos feito são campanhas educativas focadas no pedestre. Demos início a elas na Semana Nacional do Trânsito e vamos estender os trabalhos de conscientização por mais 11 meses.”

Infração
Além dos pedestres, o hábito do uso de celular é rotineiro entre os condutores, mesmo sendo proibido por lei. A Tribuna flagrou não apenas motoristas falando ao celular, mas também checando mensagens em pleno trânsito. Além de colocar sua vida em risco, o infrator expõe terceiros ao perigo. Segundo a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), o condutor que envia torpedos enquanto dirige aumenta em 23 vezes as chances de sofrer ou provocar uma colisão. Ainda conforme a entidade, a distração com celular é a quarta principal causa de acidentes de trânsito no Brasil e no mundo e, em Juiz de Fora, é a segunda infração mais cometida pelos motoristas, de acordo com estatísticas da Settra. Foram 5.805 somente no ano passado, uma média de 15 motoristas flagrados por dia cometendo a irregularidade.

Mandar SMS ao volante é
o mesmo que dirigir às cegas

O motorista que conduz um veículo a 60 km/h e decide olhar o aparelho celular ou digitar uma mensagem perde, no mínimo, entre quatro e cinco segundos de sua atenção, principalmente da visão frontal, afirma o presidente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Roberto Douglas Moreira. “Sem contar que o cérebro é transportado para outro lugar. Quando você conversa com alguém ou manda uma mensagem, seus pensamentos e sua atenção não estão na via. A visão que todo condutor precisa para dirigir se perde. É o que chamamos de cegueira. Você está olhando, mas não enxergando. É como se o veículo andasse literalmente às cegas. Na velocidade de 60km/h, por exemplo, o motorista percorre sem qualquer tipo de atenção mais de cem metros. Meio metro que se ande sem atenção já é um perigo para o condutor e para o pedestre”, alerta o especialista.

Decisão recente do Tribunal Regional Federal, em Brasília, considerou crime doloso, ou seja, intencional, o caso de um administrador de empresas que foi acusado de ter atropelado e matado uma policial rodoviária federal enquanto falava ao celular. O juiz entendeu que o réu assumiu o risco de produzir o resultado (morte da policial), mesmo estando dentro dos limites de velocidade. Com essa sentença, agora os motoristas que provocarem um acidente por estar ao celular enquanto dirigem poderão ser julgados por um júri popular e estarão sujeitos a penas mais severas do que se condenados por um crime culposo, quando não é intencional.

Pesquisa
Pesquisa da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, mostra que um em cada três pedestres se distrai na hora de atravessar a rua porque está com seu celular, inclusive em interseções movimentadas e perigosas. Os pesquisadores passaram três meses analisando o comportamento de pedestres em 20 cruzamentos na cidade de Seattle, nos Estados Unidos. Ao todo, 1.102 pessoas de 25 a 44 anos foram observadas, sendo que a maioria (80%) estava sozinha quando atravessou a rua. Apenas um em cada quatro pedestres seguiu todas as medidas de segurança na hora de atravessar – ou seja, obedecer aos semáforos, atravessar na faixa de pedestres e olhar para os dois lados.

Para evitar as tragédias, os pesquisadores norte-americanos já sugerem que, assim como acontece com o álcool ao volante, sejam consideradas medidas que controlem o uso dos aparelhos móveis para pedestres. Nos EUA, depois de embriaguez, a distração ao usar o celular aparece como uma das principais causas de atropelamento.

Com relação aos condutores, o estudo mostrou que o risco da distração ainda é ampliado considerando os motoristas inexperientes. Com o uso de acelerômetros, câmeras e dispositivos GPS, bem como outros sensores, os pesquisadores estudaram os hábitos ao volante de 42 jovens de 16 e 17 anos recém-habilitados nos EUA e 167 pessoas com mais experiência na direção. Os dispositivos registraram incidentes relacionados ao uso de celular, à tentativa de pegar objetos, ao envio de mensagens via SMS e ao ajuste do rádio e de controles do carro, além do ato de comer e beber dirigindo. Entre os jovens, o uso de SMS quadruplicou o risco. Digitar um número de telefone foi considerado o ato mais perigoso, situação que ampliou em oito vezes a chance de um acidente.

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