Alta de casos de dengue lota unidades de saúde em JF
Tribuna ouviu usuários que reclamam do tempo de espera para consultas; casos da doença, associadas a outras enfermidades, como Covid-19 e viroses, têm piorado o cenário
Com 1.712 casos dengue confirmados em Juiz de Fora este ano, de acordo com o Painel de Monitoramento de Arboviroses da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG), a rede de saúde pública já sente os reflexos do aumento expressivo na busca por atendimentos. Nas unidades de saúde, diversos são os relatos de usuários sobre a demora para consultas em razão da lotação das salas de espera. As suspeitas de dengue, inclusive, somam-se a outras doenças como Covid-19, Influenza e viroses, que possuem sintomas iniciais semelhantes e também leva os pacientes a buscarem diagnóstico em hospitais e unidades de pronto atendimento.
Nesta terça-feira (5), os pacientes que buscaram a unidade de saúde Regional Leste, no Bairro Costa Carvalho, Região Sudeste, reclamavam sobre a demora para conseguir atendimento. A usuária Gabriela Novaes chegou ao local às 10h e, por volta das 15h, ainda não havia passado pela consulta, o que somava mais de cinco horas de espera. A paciente procurou atendimento porque, há cerca de cinco dias, está com dor de cabeça e, nessa segunda-feira (4), começou a apresentar também sintomas gripais, como dor no ouvido, na garganta e no corpo.
“Mais cedo, não tinha lugar nem para sentar lá dentro (da unidade), nem para tomar soro. Um monte de gente está tendo que ficar em pé, teve uma moça que até desmaiou”, conta. “Eu estou passando muito mal há cinco dias. Eu vou no posto, mas mandam eu descer para cá ou ir para o HPS, e aí fica essa enrolação para atender a gente aqui. Você olha lá pra dentro, tem cinco salas, mas só dois médicos atendendo. Como é que um estabelecimento público não tem médico direito para a sociedade?”, questiona.
Também na Regional Leste, Benício Vicente da Silva acompanhava a filha de 20 anos, que sentia dor no estômago, nas costas e no peito, com dificuldade para respirar. Eles chegaram ao local às 9h, realizaram a triagem às 10h30, mas até às 15h não tinham sido atendidos. “A menina está sem almoço, mas não pode sair, porque se sair, perde a consulta, então fica difícil”, diz. “Ela precisa consultar, mas não sei nem que horas vai sair daqui. Dizem que tem que esperar de cinco a seis horas para poder atender.”
Conforme Benício, essa não é a primeira vez que enfrenta problema na espera por atendimento no último mês. “Já é a terceira vez que eu venho aqui. Teve um dia que cheguei aqui às 9h, mas só saí às 23h.”
Horas de espera
No último dia 24, a UPA de São Pedro, na Cidade Alta, também teria registrado atrasos nos atendimentos. Uma mulher de 30 anos, que preferiu não ter o nome divulgado, acompanhou uma amiga, de 28, na busca por consulta no local. Elas aguardaram atendimento por cerca de três horas e meia. “Ela estava com sintomas de dor de garganta, muita dor no corpo, chegou a ter febre e foi classificada como a menos urgente. Só que tinham outras pessoas classificadas dessa forma assim também. Quando chegamos, de 30 a 40 pessoas estavam esperando atendimento”, conta.
No local, elas verificaram que havia muitas pessoas tomando soro e foram informadas que muitos casos eram por suspeita de dengue. “No caso dela não era isso, mas tinha muita gente lá assim. Inclusive, chegando crianças com suspeita de dengue ou de virose, porque é difícil você fazer a separação de qual doença é.”
Nesta terça-feira (5), o atendimento na UPA de São Pedro se demonstrava mais ágil, com alguns pacientes relatando que não precisaram aguardar por muito tempo para conseguir atendimento. Matheus de Castro Menezes chegou ao local por volta de 13h e relatou que, pela triagem, o processo foi rápido, porém, até cerca de 14h30, quando conversou com a reportagem, ainda aguardava a consulta. Ele buscou atendimento porque apresentava sintomas gripais, porém, nesta terça, começou a sentir também dores abdominais fortes.
“Estou vendo que tem gente que estava aqui antes de mim, mas que ainda não foi atendida. Já teve gente que desistiu e foi embora”, conta. “Eu mesmo pensei duas vezes antes de vir, achei que seria melhor eu me esforçar, mas não teve jeito mesmo porque a dor está muito forte.”
Apesar de estar aguardando atendimento na UPA de São Pedro, Mateus relatou à Tribuna outra experiência que teve recentemente no Pronto Atendimento Infantil (PAI), quando acompanhou a filha de cinco anos. Na última quinta-feira (29 de fevereiro), eles precisaram esperar cerca de seis horas para conseguir atendimento para a menina, que estava com gastroenterite.
“O atendimento lá estava muito lento”, diz. “Lá no PAI, os leitos de internação das crianças estavam lotados, não podia mais internar nenhuma criança por causa do surto da dengue, mas além da dengue, eu sei que tem influenza, tem Covid e tem os virais intestinais que também estão em surto.”
PJF destaca ampliação de atendimento em UBS
Em nota encaminhada à Tribuna, a Secretaria de Saúde (SS) da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) informou que ampliou o horário de atendimento em 38 Unidades Básicas de Saúde (UBS) do município, incluindo o atendimento aos sábados, de forma a aumentar o acesso do cidadão à rede de saúde.
“Lembramos que as unidades de Urgência e Emergência oferecem atendimento prioritário aos casos mais graves, conforme classificação de gravidade do Protocolo de Manchester, método de triagem usado mundialmente para classificar os riscos e definir quais são os pacientes que precisam de um atendimento prioritário”, explicou.
Questionada sobre possíveis medidas em relação ao aumento da procura de atendimento por conta da dengue, a pasta informou que “o estado epidemiológico em Juiz de Fora não exige a criação de ações como a instalação de pontos de hidratação”. Porém, a Administração municipal informou que tem trabalhado, para caso seja necessário, haja a instalação de Centros de Hidratação em determinados pontos do município.
Rede particular também registra aumento de casos
Na rede particular, o atendimento a pacientes com dengue tem crescido significativamente. No Hospital Monte Sinai, as notificações de casos positivos para a doença vêm aumentando desde novembro de 2023, quando foram cinco confirmações. Em fevereiro de 2024, a unidade contabilizou 113 casos positivos para a doença e, apenas nos cinco primeiros dias de março, já são 60 confirmações. Em fevereiro, oito pacientes com dengue precisaram ser internados. Nesta terça-feira (5), o hospital contava com três pessoas internadas.
Os casos de Covid-19 e de Influenza também têm demonstrado aumento. Em janeiro, o Monte Sinai registrou 11 casos de infecção por coronavírus e dois de Influenza. Já em fevereiro, foram 22 casos de Covid-19 e 20 de Influenza.
À Tribuna, o Hospital Unimed Dr. Hugo Borges informou que, assim como as demais unidades de saúde da cidade, também registrou aumento expressivo de demanda no Pronto Atendimento, especialmente de casos relacionados à dengue. Em fevereiro, 11% dos atendimentos realizados no local foram de pacientes com sintomas da dengue. A Covid-19, entretanto, não tem demonstrado impacto significativo, representando 1,91% dos pacientes no mês passado.
Conforme a Unimed, para as duas doenças, os casos leves seguem sendo a maioria, desta forma, não houve maiores repercussões nas internações. Em fevereiro, 4,66% do total de internações no hospital foram de dengue, enquanto 0,68%, de Covid-19.
O Hospital Albert Sabin também registrou aumento notável nos atendimentos de casos de dengue. De acordo com a unidade de saúde, foram seis casos em novembro e 31 em dezembro de 2023. Em 2024, o número cresceu de forma expressiva, indo para 117 atendimentos em janeiro e 271 em fevereiro.
Em relação à Covid-19, o hospital informou que, neste ano, houve apenas uma internação, que resultou em óbito. Neste caso, o paciente veio de outra cidade e já chegou à unidade de saúde com resultado positivo.
O Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus não conta com atendimento de porta (exceto gestantes e pelo PAI), porém, registrou internações por quadros positivos para dengue. Somando adultos e crianças atendidas pelo PAI, a Maternidade teve dois casos de internações em dezembro e janeiro, e nove casos em fevereiro.
Doenças associadas dificultam manejo de pacientes, explica especialista
De acordo com o médico infectologista Marcos Moura, qualquer doença que aumente a demanda das unidades de saúde pode, por si só, trazer complicações para o sistema. Quando associadas, tal qual a dengue e outras que têm se manifestado recentemente, como a Covid-19 e Influenza, podem dificultar o manejo dos pacientes por conta de uma maior possibilidade de agravamento dos quadros, especialmente em pessoas com comorbidades e saúde debilitada.
“A dengue, por si só, tem uma demanda operacional clínica mais simples, mas a Covid-19 precisa de oxigênio. Então, o paciente que vem agravar pelo processo infeccioso febril, pode evoluir para um caso grave, e isso pode piorar a dinâmica e assistência de saúde.”
No caso da Covid-19, após grandes eventos de aglomerações, como festas de final de ano e Carnaval, espera-se um aumento de casos, porém, o principal motivo para transmissão é a baixa taxa de imunização, seja por conta de pessoas que não tomaram nenhuma dose ou mesmo quem não completou o esquema vacinal.
“Precisamos entender que a doença ainda circula e, para quem nunca foi contaminado ou quem não está vacinado, ela pode ter um desfecho grave. É óbvio que sabemos que as vacinas foram extremamente efetivas e, mesmo depois desse tempo, percebemos claramente que o número de casos graves tem diminuído muito em quantidade. Mas ainda temos pessoas com comorbidades que podem ter uma evolução desfavorável da doença, inclusive com casos graves e mortes”, explica Moura.
Busca por diagnóstico
Além da dengue e da Covid-19, o especialista lembra que é comum outras viroses circularem neste período do ano, inclusive a Influenza, cuja campanha de vacinação ainda não se iniciou. Por apresentarem sintomas iniciais similares, como dor no corpo, febre, mal-estar e, em alguns casos, distúrbios gastrointestinais, a busca pelo atendimento médico se torna necessária para melhor encaminhamento dos casos.
“O mais importante é entendermos que, diante de qualquer alteração fisiológica, principalmente de febre, deve ter uma avaliação médica, e, em todas as doenças, o acompanhamento é fundamental porque, depois de um período, elas podem entrar em fase de gravidade”, reforça o infectologista.
Diante do aumento de demanda que as doenças podem causar, Moura explica que a triagem e o diagnóstico dos pacientes contribui para um melhor direcionamento dos atendimentos. “Muitas vezes, uma estratégia que funciona é fazer centros ou pólos de atendimento rápido, dentro das próprias emergências, para a pessoa ser acolhida rapidamente, porque está tendo sobrecarrego no atendimento tanto no público quanto no privado. Então, deveríamos já começar a pensar em fazer um atendimento especial para esses pacientes, uma vez que, numa emergência, a demanda de pacientes de Covid-19, dengue e Influenza pode diminuir o atendimento ou retardar o atendimento de outras doenças que são mais graves.”