Revisão de grafia resgata memória da Roza Cabinda
Roza, que foi escrava de Halfeld, foi a primeira negra que utilizou a Justiça para obter sua liberdade no município – e lutou muito por ela
Alguns desavisados passam pelo cruzamento das ruas Moacyr Amado dos Santos e Professor Lander, no Bairro Vitorino Braga, Zona Leste, sem saber que ali, na verdade, é o Largo Roza Cabinda, e não fazem nem ideia de quem seja a mulher, cujo nome foi usado para batizar o local. Ela é personalidade juiz-forana que também dá seu nome a uma medalha, criada no município em 2018, idealizada por coletivos feministas locais, para ser outorgada apenas a mulheres por seus feitos na sociedade.
Roza Cabinda foi a primeira negra que utilizou a Justiça para obter sua liberdade no município. Ela foi escrava do comendador Henrique Guilherme Fernando Halfeld e lutou incessantemente por sua liberdade. Com base na Lei do “Ventre Livre”, a escrava decidiu obter a alforria mediante a oferta de indenização. Hoje, decorridos 146 anos, a memória de Roza Cabinda objetiva também a estimular o debate sobre a história daqueles lutadores autênticos e, muitas vezes, anônimos para a historiografia oficial.
O Roza de Roza Cabinda, em razão da falta de informação, chegou a ser grafado “S” em muitas publicações e até mesmo na medalha e na placa instalada no largo do Vitorino Braga que homenageiam a escrava. Mas esse erro está começando a ser revisto. A própria Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) já passou a adotar o Roza com “Z”. Segundo a Administração, durante o processo de busca de informações para a realização de homenagens por parte da PJF, historiadores que pesquisam a história de vida da personagem histórica encontraram documentos em que a grafia do nome é Z.
Essa revisão do nome de Roza Cabinda também faz parte desse processo de reconhecer e celebrar a importância da luta de Roza na memória de Juiz de Fora. Segundo o livro “Aspectos cotidianos da escravidão em Juiz de Fora”, de Elione Guimarães e Valéria Guimarães, Roza foi escrava pessoal de Dona Carlota Halfeld, esposa de Henrique Halfeld, que não por acaso nomeia uma medalha que, historicamente, é outorgada massivamente a mais homens que mulheres.
O inventário de Carlota autorizava que Roza comprasse sua liberdade, porém o viúvo não aceitou a proposta da escrava, dizendo-lhe que ela valia mais do que a quantia que a negra oferecia, mesmo já sendo mais velha. Ela tinha 44 anos à época. Assim, Roza recorreu aos aparatos judiciários e conseguiu adquirir sua alforria pela quantia que propôs a Halfeld, 300 mil réis.

Memória respeitada
Recentemente, Roza Cabinda teve seu nome envolvido em uma polêmica. Por ocasião da entrega da comenda Henrique Halfeld, que, este ano, tinha Roza entre os homenageados, entidades vieram a público solicitar que a Prefeitura de Juiz de Fora fizesse uma revisão em relação à homenagem, como forma de respeitar a memória de Roza Cabinda. Uma carta pública foi destinada à PJF contra a decisão de submeter à memória de Roza a comenda por Mérito Comendador Henrique Guilherme Fernando Halfeld. O texto alegava que conceder à Roza uma comenda que leva o nome de seu algoz, seu escravizador, significava submeter sua memória a uma nova violência.
Um dia após a entrega da comenda, na última terça-feira (3), a Prefeitura publicou, no Atos do Governo, um decreto da prefeita Margarida Salomão instituindo o Fórum de Debates Roza Cabinda. A iniciativa tem o objetivo de promover pesquisas, estudos e debates, com o objetivo de aprofundar o conhecimento do passado de Juiz de Fora, de suas dívidas históricas e de seus compromissos com um futuro de igualdades e de oportunidades.
A indicação do nome de Roza Cabina à comenda está suspensa até a conclusão dos trabalhos do Fórum, que terá 180 dias – a contar da publicação – para produzir um relatório. Ele também será responsável pela elaboração de uma série de ações de enfrentamento ao racismo. O Fórum será composto por cinco representantes do poder público e cinco representantes da sociedade civil.