Mulher é acusada de vender planos de saúde e ficar com o dinheiro das vítimas
Tribuna ouviu relatos de vítimas da golpista. Casos registrados serão investigados pela Polícia Civil
Diversas pessoas em Juiz de Fora acusam uma mulher de aplicar golpes envolvendo planos de saúde na cidade. A acusada se apresenta como corretora e oferece convênios da Unimed para os clientes. Após ganhar a confiança das vítimas, ela estaria deixando de realizar os pagamentos das mensalidades e se apropriando do dinheiro. A reportagem da Tribuna colheu uma série de relatos de pessoas que procuraram o jornal se dizendo vítimas da estelionatária, com prejuízos que chegam a ultrapassar os R$ 60 mil.
A reportagem também teve acesso a cinco Registros de Eventos de Defesa Social (Reds) realizados junto à Polícia Militar, entre os meses de janeiro e fevereiro deste ano, nos quais a mesma mulher é apontada pelas vítimas como autora de crimes de estelionato envolvendo planos de saúde. A Polícia Civil de Juiz de Fora já tem procedimentos instaurados para apuração dos casos, e a Unimed afirma que colabora com as investigações.
Nos relatos colhidos pela reportagem, a suposta estelionatária iniciou o contato com as possíveis vítimas entre os dois últimos anos. Se apresentando como corretora de planos de saúde, a mulher ofereceria convênios a um custo acessível, por vezes a pessoas que precisavam realizar alguma cirurgia ou que tinham necessidade maior devido a algum problema de saúde. A princípio, os planos eram, de fato, iniciados, e os clientes chegavam a utilizar os serviços de saúde.
Entretanto, após alguns meses, as vítimas passavam a receber cartas da Unimed informando inadimplência das mensalidades. “A gente falava com ela que estava atrasado, porque chegavam cartas, e ela dizia que estava tudo certo. Em janeiro deste ano embolou tudo, ela parou de pagar completamente”, conta Kelly Karly, técnica de enfermagem, 42 anos, que, junto com a irmã, afirma ter sido vítima da estelionatária.
Kelly diz ter sido orientada por um amigo a fazer negócios com a mulher. No caso dela, a suspeita teria oferecido um pacote promocional que solicitava o pagamento adiantado de seis meses. Porém, após o contrato assinado, as cobranças passaram a chegar. A técnica de enfermagem informa ter tido prejuízo de R$ 4 mil. Já a irmã dela perdeu R$ 11 mil.
Ao longo dos últimos meses, a vítima teria mantido contato constante com a suposta corretora, que afirmava que realizaria os pagamentos. Entretanto, desde quinta-feira (3), as mensagens deixaram de ser respondidas pela suspeita. “Eu estava tentando negociar com ela numa boa para ver se ela pagava os atrasados. Como a gente estava conversando amigavelmente, eu imaginei que ela fosse pagar esses atrasados”, relata.
“As mensalidades de janeiro e de fevereiro não foram pagas. Eu tive que quitar as parcelas porque vou fazer uma cirurgia e precisava de fazer o pagamento para migrar de plano e ‘puxar’ a carência,” afirma Kelly. Ela acrescenta que paz parte de um grupo nas redes sociais com 35 mulheres que também foram vítimas da suposta corretora.
Dinâmica semelhante
O processo de abordagem à suposta vítima e de desvio do dinheiro teria acontecido de maneira parecida com o também técnico de enfermagem Luciano de Assis, de 39 anos, mais uma vítima do golpe. No caso dele, o primeiro contato aconteceu há cerca de dois anos, quando foram fechados os planos para ele e sua esposa. Posteriormente, Luciano também fez a inscrição para os dois filhos. “Nós usávamos o plano, mas, em janeiro, quando fomos usar, estava constando que eu não pagava as mensalidades há cinco meses”, diz.
Para Luciano, a mulher ainda teria dito que era representante de outras duas empresas. “Ela fica alguns meses sem pagar e depois pede pagamento adiantado para mudar o plano. Você deposita o valor que ela pede, e o dinheiro não é repassado para o plano”, diz o técnico em enfermagem, que avalia ter tido um prejuízo de R$ 4 mil.
Prejuízo de R$ 60 mil
A empresária Talita Franco Gonçalves, 37 anos, diz ter conhecido a suposta corretora enquanto levava a filha para a escola. No caso dela, foi firmado um plano de saúde empresarial para a empresa Ecológica Ar Condicionado. “Em 2021, no meio da pandemia, eu procurei por ela. Como eu tinha o contato dela, era uma pessoa conhecida, nós fizemos acordo”, conta. “Com a gente, ela diz que trabalha para uma corretora. Mas, quando faz o plano, ela se passa como dona da empresa e abre o plano de saúde”, explica.
O restante da operação é basicamente o mesmo das demais vítimas. Após iniciar o pagamento de maneira regular, ela supostamente oferece um plano promocional com a condição do adiantamento das parcelas. “Eu comecei a fazer esses depósitos, e ela me mandava todos os comprovantes de pagamento. Ela enviava comprovantes falsos”, acusa Talita. “Ela pressionava falando que conseguiu a promoção naquele dia e que, se não houvesse o pagamento no dia, não conseguiríamos o desconto.”
Na empresa comandada por Talita, 15 funcionários e as famílias desses trabalhadores utilizavam o plano de saúde. No total, a empresária calcula prejuízo entre R$ 50 mil e R$ 60 mil. “De dívida, eu estou devendo à Unimed R$ 40 mil e todos os planos estão cancelados. Ainda fiquei com as dívidas no cartão de crédito que fazia o pagamento (para a suspeita)”, diz. “Eu pressionei e ela pagou R$ 18 mil. Mas, desde janeiro, ela não devolve nada. Simplesmente sumiu”, conta Talita, que diz conhecer mais de 40 vítimas do golpe.
Entre as cinco ocorrências às quais a Tribuna teve acesso, todas semelhantes a já relatadas à polícia pelas pessoas ouvidas pela reportagem, chama a atenção o registro feito por uma servidora municipal, de 47 anos. Ela relata que, por meio de indicações de amigos, fez contato com a mulher que se identificava como representante de planos de saúde. Segundo a vítima, em dezembro do ano passado, ela se encontrou pessoalmente com a suspeita, no Centro de Juiz de Fora. Na ocasião, a mulher apresentou para a servidora os planos e as formas de pagamento.
A vítima fez a adesão a um plano sem coparticipação, com 12 meses de validade, entregando cópias de documentos e o acerto financeiro no valor de R$ 6 mil, via débito bancário, além do parcelamento de R$ 18.753,96 em 12 vezes.
Conforme a vítima, no dia da adesão ao plano, e após a realização dos pagamentos, ela não recebeu, por parte da suspeita, comprovante das transações financeiras realizadas, nem lhe foi entregue um contrato de adesão, sob alegação da mulher de que seriam enviados posteriormente por e-mail, o que não foi realizado.
Passado alguns dias sem a vítima ter recebido os recibos bancários e o contrato e após ser informada por outras pessoas sobre problemas com planos de saúde relacionados à suspeita, a servidora optou por desistir da adesão, solicitando à mulher a devolução do valor já pago e o cancelamento das parcelas.
Em resposta, a suspeita encaminhou à servidora protocolos bancários. Desconfiada, a funcionária pública decidiu consultar as instituições bancárias e descobriu que os tais protocolos eram inconsistentes no sistema. Procurada, a suposta corretora chegou a prometer que faria a devolução do valor pago à vista no prazo de dez dias, porém isso não aconteceu.
A servidora também relatou que, por meios próprios, pesquisou junto à Unimed sobre a suspeita e obteve como resposta a informação de que a mulher não fazia parte do quadro de funcionários da empresa.
Polícia Civil faz trabalho conjunto entre delegacias
A Polícia Civil de Juiz de Fora informou que, entre os registros sobre os casos envolvendo a suspeita, um procedimento de apuração foi instaurado na 1ª Delegacia de Polícia Civil. Destacou ainda que o setor de inteligência do 4º Departamento está ciente do fato, fazendo os levantamentos necessários para trabalho conjunto com as delegacias. “De qualquer forma, ressalta-se que, nesses casos, é necessária a representação da vítima para apuração dos fatos”, orientou a Polícia Civil.
Acolhimento de clientes
A respeito da situação, a Unimed Juiz de Fora informou que está acolhendo seus clientes, notificando formalmente os envolvidos e que colabora com as autoridades policiais, de forma ativa e diligente, para a devida apuração dos fatos e solução do caso.
A Tribuna tentou contato com a suspeita por ligação telefônica e mensagens de texto para que ela pudesse se posicionar a respeito dos fatos, mas não houve resposta.