A influência da mídia na formação de jovens

Crimes, drogas, sexo, zumbis, vampiros: cenas comuns na programação da TV, nos cinemas e em jogos de videogame. Se, para adultos, são apenas entretenimento, para crianças e adolescentes, em processo de desenvolvimento intelectual e social, esses conteúdos podem assumir outro sentido e se tornar um problema, principalmente quando lhes faltam limites e orientação da família. Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos aponta possíveis relações entre a incidência da agressividade no início da fase adulta e a demasiada exposição a programas violentos durante a infância.
Psicólogos ressaltam que esses conteúdos não são sozinhos os responsáveis pelas condutas inadequadas dos jovens e pela formação da sua personalidade, mas que podem, sim, influenciar suas atitudes. Os especialistas reforçam, ainda, que cabe à família estabelecer limites, dialogar e ensinar aos mais novos a diferença entre ficção e realidade. Além da incorporação de comportamentos exibidos, distúrbios do sono, sexualização precoce, sedentarismo, mau desempenho escolar e diminuição da interação social estão entre as prováveis consequências do excesso de tempo gasto em frente a uma tela.
“O grande porém da mídia, nesse contexto, é o fato de a criança ou o adolescente ainda ser inexperiente para absorver de maneira crítica o que é transmitido. Eles não sabem avaliar o conteúdo e os efeitos das mensagens, muitas vezes reforçados pelos colegas. Por isso, os pais devem mediar essas atividades e conversar com os filhos sobre os estímulos emitidos”, explica a psicóloga e terapeuta cognitivo-comportamental infantil Nayara Benevenuto Peron.
Ainda de acordo com ela, a mídia não determina, mas pode influenciar os valores, os modos de agir, vestir, consumir e até no padrão de beleza vigente. “A imitação é uma capacidade inata da criança. Até os 3 anos, elas imitam os pais, os irmãos e os professores. Já os adolescentes que passam muito tempo viajando pelos meios de comunicação acabam sendo regidos por eles.”
Entretanto, a psicóloga reforça que tudo vai depender de como o jovem lida, ou aprendeu a lidar, com as informações e exemplos que observa. “A mídia não é a única fonte de formação deles. A escola, os pais e os ambientes que frequentam também fazem parte desse processo.”
Classificação indicativa
Embora o Ministério da Justiça estabeleça e informe as faixas etárias próprias para audiovisuais, como filmes, jogos eletrônicos e programas de televisão, muitos pais não se preocupam com as recomendações, discordam das diretrizes ou não têm como controlar o acesso dos filhos, deixando-os expostos a qualquer tipo de conteúdo. A pasta concorda com o direito de escolha da família, mas tem como meta assegurar que crianças e adolescentes tenham seu desenvolvimento psicossocial preservado.
A classificação leva em conta, sobretudo, cenas de sexo, drogas e violência. À medida que as situações vão ficando mais recorrentes e impactantes, eleva-se a gradação atribuída à obra. Também são considerados outros fatores, como, por exemplo, a valorização de um padrão físico ou o consumo de um produto como formas exclusivas para se alcançar a felicidade e a aceitação social (ver quadro).
Com apenas 5 anos, a filha de Érica Marques já questiona sobre o porquê de não poder assistir determinados programas. “Explico o motivo de não poder ver certos conteúdos. Mesmo que ela não tenha condição de entender as dimensões, nunca a deixo sem uma satisfação.”
A mãe conta ainda que não seleciona a programação para a filha apenas pela classificação. “Tenho restringido a novela ‘Chiquititas’, que é indicada para crianças. Minha filha ama e, por isso, rebate muito os ‘nãos’. Vejo ali as crianças falando com desrespeito, e alguns conflitos são resolvidos de forma que considero inadequada. Não é o exemplo que desejo que ela tenha.”
Limites e diálogo são indicados
A probabilidade de os filhos se tornarem pessoas violentas, vulgares ou suscetíveis às drogas – por influência das telas – ainda assombra muitos pais. A possível relação entre programação da TV e a formação da personalidade foi analisada por pesquisadores da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. Segundo o estudo, jovens expostos a conteúdos violentos têm mais chances de se tornarem adultos agressivos. Outros comportamentos observados nesse grupo foram a perda de sensibilidade à violência no mundo real, medo, ansiedade e sexualização precoce.
A pesquisa monitorou 557 pessoas ao longo de 14 anos, da infância ao início da vida adulta. Os que mais assistiram a programas violentos quando crianças, apresentaram maior nível de agressividade na maturidade.
A psicóloga infantil Nayara Peron orienta os pais que fiquem atentos aos programas que os filhos assistem, se são educativos ou não, se é um entretenimento saudável ou não, e como é o padrão comportamental deles depois que termina de assistir. Também devem impor limites de horário, de duração e respeitar a faixa etária recomendada pela classificação indicativa.
Além disso, defende que o diálogo constante pode prevenir ou inibir atitudes inadequadas ou nocivas. O próprio Ministério da Justiça recomenda, em seu “Guia prático da classificação indicativa”, que os responsáveis assistam e conversem com os jovens sobre as cenas e os comportamentos exibidos na TV.
“A prevenção é a melhor alternativa, junto com a escolha de programas saudáveis e próprios à faixa etária. Também podem ser acordados horários para utilizar a mídia e o tempo gasto com elas. A família tem que conversar sobre a diferença entre ficção e realidade e, sobretudo, entre a realidade que se passa na tela e a vida desse jovem. Ele vai perceber aos poucos que precisa filtrar as informações que lhe são impostas. Os pais são educadores diários na vida dos filhos e devem assumir esse papel, intervindo se necessário for. Poderão, ainda, conversar com os professores para que a escola também trabalhe com a temática”, aconselha Nayara.
No entanto, a profissional adverte que a exposição às cenas com situações impróprias para vida em sociedade, principalmente as violentas, deve ser analisada com critérios e atenção pelos pais de crianças ou adolescentes que sejam muito agitados, explosivos ou que tenham patologias pré-existentes.
Medo
O empresário Júlio Marinho diz que começou a selecionar os programas de televisão e jogos de videogame de acordo com as próprias reações do filho de 6 anos, que se assustava com cenas muito violentas, sangue, explosões e monstros. “Ele pedia para assistir, afirmava que estava gostando, mas percebi que ele ficava assustado e depois não dormia bem, chegava a fazer xixi na cama. Não vou deixá-lo exposto a esses conteúdos, sabendo que ele fica ansioso e com medo, só para falar que não proíbo. Na verdade, não é proibição, é saber que ele é muito novo e que, agora, não está preparado para ver de tudo.”
O medo, segundo a terapeuta, é normal até determinada fase do desenvolvimento, mas se a emoção for persistente, intensa ou traga prejuízos ao sono, escola ou humor da criança, os pais deverão procurar ajuda de um psicólogo para auxiliá-los a lidar com a situação.”
Ainda de acordo com Nayara, os pais não devem criticar a criança que tem medo e deixar claro que as histórias apresentadas nos games e na TV são imaginárias. “Os pais devem dar apoio e deixá-la segura. Podem tentar substituir esses pensamentos por outros, ou realizar uma atividade prazerosa.”
Atividades extras
Para tirar as crianças e adolescentes de frente das telas, Nayara Peron orienta que os pais criem atividades para os filhos, além da escola. “Eles precisam ser estimulados e inseridos em funções extras, como esporte, cursos ou até mesmo um hobby. Elas vão ensiná-los a conviver melhor com os colegas, valorizar as relações interpessoais, aprimorar a capacidade de lidar com a frustração, aceitar mais as regras e resolver conflitos.”