Viver no Uruguai: alto custo de vida não afasta brasileiros do país vizinho
Sensação de segurança e bom funcionamento de setores como saúde e transporte público são fatores que atraem imigrantes
A qualidade de vida no Uruguai, país mais caro da América do Sul, é uma das razões que motivaram a enfermeira Gabriela Garcia a se mudar de Goiânia para a capital Montevidéu, no início deste ano. Sensação de segurança e bom funcionamento de setores como saúde e transporte público são vantagens apontadas pela brasileira.
O Uruguai tem 3,4 milhões de habitantes, cerca de 28% da população da cidade de São Paulo. Segundo dados do Ministério de Relações Exteriores, o vizinho sul-americano tem 59 mil brasileiros residentes no país, ficando atrás apenas de Argentina, Paraguai e Guiana Francesa.
Entre os pontos positivos, o Uruguai tem um dos maiores IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da região e uma condição de vida que se diferencia do restante da América Latina. Mas, com PIB pequeno e pouca diversidade produtiva, é uma nação cara, diz o economista João Victor Souza, professor de Economia da Universidade Federal do Piauí.
No país vizinho, o salário mínimo é de 21.107 pesos uruguaios, o equivalente a R$ 2.791,51, quase o dobro do valor no Brasil (atualmente R$ 1.412). A jornada de trabalho é de 8 horas diárias e até 44 horas semanais, enquanto no setor industrial o limite é de 40 horas semanais.
A decisão de Gabriela veio alguns anos após o intercâmbio de um ano em Montevidéu, em 2017. Segundo a profissional, a partir dali o desejo de morar no país começou a fazer parte dos seus planos.
Foi somente no ano passado, enquanto tentava equilibrar a rotina em dois empregos, que resolveu tirar os planos do papel. Ela atuava em uma clínica de cirurgia plástica e em uma academia como professora de dança (atividade secundária). “O trabalho e a saúde financeira em Goiânia não estavam indo bem.”
Em fevereiro deste ano, mudou-se de vez. Desde então, busca revalidar os estudos em enfermagem no país para atuar na área e iniciou o curso de medicina na Universidad de La República (Udelar).
Em sua opinião, saúde pública, transporte, segurança, hospitalidade e valorização da profissão de enfermagem são os principais motivos que a fazem planejar uma vida a longo prazo no Uruguai. Já o alto custo de vida, o clima frio na maior parte do ano e a distância de familiares são pontos negativos.
Gabriela calcula que alimentação, aluguel e medicamento sejam os itens mais caros entre os gastos mensais. Em relação à moradia, paga em torno de R$ 4 mil por uma casa de dois quartos que divide com uma colega uruguaia.
Alto custo
Segundo o economista João Victor Souza, a alta dos aluguéis deve-se à escassez de oferta e à indexação do preço de imóveis ao dólar, especialmente os localizados na cidade litorânea de Punta Del Este, que atraem turistas endinheirados do mundo todo
O alto custo de vida motivou a estudante universitária brasileira Fernanda Silva a planejar uma mudança do Uruguai para o Canadá.
Ao lado do marido uruguaio Martín Moresco e da filha do casal, Amélie Tamar, ela mora em uma quitinete que custa mais de R$ 3 mil em um bairro de classe média da capital.
Ela foi para o país em 2013, para um intercâmbio estudantil, e ficou por lá. A brasileira ficou encantada por três razões: a sensação de segurança, o acesso à educação e o estilo de vida mais tranquilo que a cidade oferecia. Fernanda teve quatro empregos diferentes (cassino online, empresa de seguros, aplicativo de entrega e agência de viagens) nos primeiros anos.
A maioria desses empregos era por meio de contratos temporários de três meses na área de call center para clientes brasileiros, pois Fernanda ainda não dominava o idioma espanhol nos primeiros anos. Ela afirma que a falta de domínio da língua é um empecilho para conseguir empregos com maior estabilidade. “Se não falar espanhol é muito difícil ser chamado para uma entrevista.”
No Brasil, ela cursava ciências biológicas na Universidade Federal de Alfenas (MG). Atualmente, tenta finalizar a graduação, agora na Universidad de La República (Udelar).
O emprego mais recente da brasileira foi na área de administração da universidade. A principal renda familiar é proveniente do marido, que atua na área de engenharia elétrica.
Segundo Fernanda, embora ele ganhe relativamente bem, em torno de R$ 16 mil, os impostos e gastos básicos (aluguel, alimentação e escola da filha) encolhem o poder de compra. “É quase impossível fazer uma reserva porque é tudo muito caro”, lamenta
‘Sorte’
O professor de espanhol Eduardo Oliveira concorda que o domínio do idioma é essencial para galgar empregos com maior remuneração salarial e benefícios.
Ele diz que a sorte estava a seu favor quando decidiu migrar para o Uruguai. Chegou sem qualquer reserva financeira, mas três dias depois conseguiu uma entrevista em uma agência de marketing na qual passou quatro anos na função de tradução e correção de textos.
A escolha de sair do Brasil envolveu alguns fatores. Um deles foi a rotina exaustiva quando trabalhava em várias escolas de Fortaleza, além da violência. “Então, decidi buscar um lugar mais tranquilo.”
Há quatro anos, Oliveira trabalha em uma empresa de tecnologia como técnico de TI. O modelo é de home office, com direito a 20 dias úteis de férias por ano e um bônus salarial durante esse período.
Assim como Gabriela e Fernanda, ele também reclama do valor de alguns itens básicos. Segundo o economista da Universidade Federal do Piauí, a oferta de serviços públicos (segurança, saúde e educação) é um dos fatores que explicam o alto custo de vida.