Juiz-forana relata reação dos franceses após incêndio na Catedral de Notre-Dame
Em viagem à França, professora esteve no monumento histórico no último sábado; visitação estava limitada em razão das obras
“Estão todos desolados. Profundamente traumatizados com a tragédia. Mas aliviados por não haver registro de vítimas fatais”, diz a juiz-forana Vera Monteiro de Castro Amaral sobre a reação dos franceses ao incêndio, nesta segunda-feira (15), da catedral de Notre-Dame, localizada em Île de la Cité, Paris. Professora aposentada de jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Vera está, há sete dias, em turismo, em Paris. Ela deixará a capital nesta terça rumo a Marseille, Sul da França. Patrimônio Mundial da Humanidade desde 1991, a catedral foi tomada pelas chamas por volta de 13h50, conforme horário de Brasília — 18h50 locais. Apesar do desmoronamento de torre principal, estrutura foi salva da destruição total pelo Corpo de Bombeiros.
Incendie de la Cathédrale Notre-Dame de Paris
Instaurer un périmètre de sécurité, évacuer les riverains, combattre sans relâche les flammes… Les forces de #secours et de #sécurité sont mobilisées depuis plus de 3 heures et utilisent tous les moyens à leur disposition pour lutter contre l’#incendie #NotreDame #Paris
Publicado por Ministère de l’Intérieur em Segunda-feira, 15 de abril de 2019
Conforme o Corpo de Bombeiros da França, o fogo pode estar relacionado com as obras de renovação então em andamento no edifício. A torre de Notre-Dame passa por processo de restauração estimado em US$ 6,8 milhões (R$ 26,8 milhões); seria feita uma renovação na “agulha” de 250 toneladas de chumbo localizada no topo da principal torre. O incêndio teria começado no sótão, na base, de onde foram vistas saindo chamas e fumaça preta. Quando os primeiros registros do fogo foram feitos, conforme Vera, ela já estava no hotel.
Sua visita à catedral, no último sábado (13), pouco durou.
“Sempre que estamos em Paris, fazemos questão de passar por lá. No sábado, a visitação era intensa, como em todos os dias. As obras de reforma impediam o acesso a algumas áreas. Estivemos lá por pouco tempo”
Notre-Dame recebe, em média, anualmente, 13 milhões de turistas, o que faz do ponto turístico o monumento histórico europeu mais visitado.
O acesso aos pavimentos superiores da catedral, conforme Vera, estava limitado em razão das obras. “A visita de sábado foi restringida a percorrer a nave central”, explica. “Como já havíamos feito essa visita outras vezes, nos contentamos a admirar os belíssimos vitrais e a observar detalhes que nos passaram desapercebidos nas outras vezes.”
Em depoimento durante o incêndio, o porta-voz da catedral de Notre-Dame, André Finot. “Não vai sobrar nada da estrutura [do teto], que data do século 19 de um lado e do 13 de outro.” Fontes oficiais disseram que o incêndio atingiu toda a armação de carvalho que sustenta o telhado da catedral. Dezesseis estátuas de bronze foram retiradas, na última sexta, para restauração.
‘Tragédias simbólicas’
O início da construção da Catedral de Notre-Dame data do século XII, em 1.163. As obras, entretanto, foram finalizadas somente em 1.345. É o edifício um dos principais pontos turísticos de Paris. Ficou famoso por ser o cenário do clássico romance Notre-Dame de Paris, de Victor Hugo. Em comunicado, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) disse estar ao “lado da França para restaurar e salvaguardar este patrimônio inestimável”. Além da importância histórica e simbólica de Notre-Dame, Vera destaca a rara beleza do monumento. “Não havia como não se quedar embevecida ante seus vitrais, suas colunas, seus altares, suas esculturas, sua arquitetura, suas torres, etc. Em uma das minhas visitas anteriores, conversando com o sineiro, ele nos demonstrou as sutilezas de sons possíveis.”
Marcos Olender, professor do Departamento de História do Instituto de Ciências Humanas (ICH) da UFJF, relaciona o sentimento identitário do povo francês para com a Catedral de Notre-Dame ao período em que foi erguida. “Notre-Dame simboliza o momento de retomada de Paris na Idade Média, uma vez que se localiza em uma região de onde Paris se desenvolveu. Remonta à retomada do núcleo urbano que se dá na Europa passada a Idade Média, em meio ao movimento gótico”, explica. “Apesar de iniciada no século XII, a igreja foi concluída no século XIX. A Torre Lanterna do Cruzeiro, por exemplo, que foi abaixo, não foi construída na Idade Média. A importância simbólica de Notre-Dame se difunde no século XIX, inclusive pelo romance do Victor Hugo. Em sua introdução, salvo engano, há uma preocupação com a preservação da catedral.”
Para Vera, o incêndio de Notre-Dame a lembrou das chamas do Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro.
“Foi a primeira coisa que pensei. Inclusive, em uma das coberturas televisivas, fizeram uma retrospectiva de monumentos históricos destruídos por grandes incêndios, e eu estranhei não fazerem menção ao Museu Nacional. No entanto, ao que parece, o incêndio de Notre-Dame foi causado por obras de conservação do prédio e o do nosso museu, ao contrário, por falta de obras.”
Ambos são grandes tragédias simbólicas, de acordo com Olender. “São dois acontecimentos diferentes, mas sim [é possível traçar uma paralelo na relação identitária]. São lugares de preservação de memórias importantes para cada povo em sua abrangência. Não que a nossa [tragédia] seja pior, mas, como, a maior parte da coleção do museu foi afetada, a memória é irrecuperável.”
Fundo de reconstrução
Emmanuel Macron, presidente da França, seguiu, logo após os registros do incêndio, para o local para acompanhar os trabalhos dos bombeiros. Macron afirmou compartilhar da “dor de toda uma nação”. “Notre-Dame de Paris, presa das chamas, dor de toda uma nação. Pensamento para todos os católicos e todos os franceses. Como todos os nossos compatriotas, estou triste hoje, quando vemos esta parte de nós queimando”, escreveu, no Twitter, o chefe de Estado.
Macron cancelou o discurso que faria, nesta tarde, para anunciar medidas em busca de conter os protestos dos “coletes amarelos” – manifestantes contrários a seu governo que há meses tomam as ruas do país. Em pronunciamento após o controle das chamas, Macron disse que “reconstruiremos juntos esta catedral. É isso o que os franceses esperam. É o que nossa história merece”. O presidente da França anunciou a criação de um fundo nacional e além-fronteiras para buscar a reconstrução.
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— Emmanuel Macron (@EmmanuelMacron) 15 de abril de 2019
Lideranças políticas
Angela Merkel, chanceler da Alemanha, disse que a Notre-Dame é um “símbolo da França” e da cultura europeia. “Essas imagens horríveis doem. Nossos pensamentos estão com os amigos franceses”, disse, no Twitter, o porta-voz da chanceler, Steffen Seibert. Já o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pediu, ainda durante o incêndio, que as autoridades francesas “agissem com rapidez” para contê-lo. “Que horrível assistir ao amplo incêndio na Catedral de Notre-Dame, em Paris. Talvez aviões com tanques de água podem ser usados para apagar o fogo. Deve-se agir rapidamente”, escreveu, também no Twitter, o republicano no Twitter.
O presidente Jair Bolsonaro (PSL), por sua vez, afirmou que, “neste momento sombrio, as nossas orações estão com o povo francês”. “Em nome dos brasileiros, manifesto profundo pesar pelo terrível incêndio que assola um dos maiores símbolos da cultura e da espiritualidade cristã e ocidental, a catedral de Notre-Dame, em Paris.”
Em nome dos brasileiros, manifesto profundo pesar pelo terrível incêndio que assola um dos maiores símbolos da cultura e da espiritualidade cristã e ocidental, a catedral de Notre-Dame, em Paris. Neste momento sombrio, as nossas orações estão com o povo francês.
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) 15 de abril de 2019