Microplástico no corpo humano levanta alertas sobre impactos à saúde

Presença de partículas em órgãos como cérebro, pulmões e testículos preocupa cientistas e reforça necessidade de mais pesquisas


Por Marília Marasciulo, da Agência Einstein

06/08/2025 às 08h59

Partículas de plástico já foram identificadas no cérebro, artérias, placentas, cordões umbilicais, fígados, rins, pulmões, testículos e no sangue humano. A presença desses resíduos em órgãos vitais intensifica preocupações sobre possíveis impactos à saúde, ampliando a compreensão de que a poluição plástica deixou de ser um problema apenas ambiental para se tornar também uma questão de saúde pública.

Um estudo publicado em 2024 no New England Journal of Medicine detectou microplásticos em placas ateroscleróticas retiradas das artérias carótidas. Pacientes cujas placas continham plástico apresentaram risco maior de infarto, acidente vascular cerebral (AVC) ou morte em até 34 meses após a cirurgia, em comparação aos demais.

Outra pesquisa, publicada na Nature Medicine em fevereiro, encontrou partículas plásticas em cérebros, rins e fígados de cadáveres. O polietileno, material utilizado em sacolas e embalagens, foi o mais frequente entre os resíduos presentes nos tecidos cerebrais.

“A situação é crítica. Antes víamos plástico espalhado pelo ambiente, agora ele está também dentro de nós”, afirma Lis Leão, enfermeira e pesquisadora do Centro de Ensino e Pesquisa Albert Einstein. Ela é uma das editoras do livro Natureza, Clima e Saúde Pública (2024).

A Organização Mundial da Saúde (OMS) também manifesta preocupação. Embora admita que as evidências sobre os riscos ainda são limitadas, classifica os microplásticos como contaminantes emergentes e recomenda aprofundamento de estudos e ações para minimizar a exposição. Em 2022, a entidade alertou que a simples presença dessas partículas em órgãos humanos já é motivo de atenção.

Para a médica patologista Thais Mauad, professora da Universidade de São Paulo (USP), é provável que todos os indivíduos tenham algum nível de microplástico no organismo. “Quem vive em ambiente urbano e consome alimentos industrializados está ingerindo plástico”, afirma.

Mauad participou de estudo publicado em setembro de 2024 na Jama Network Open, que encontrou microplásticos no bulbo olfatório de pessoas que viveram por pelo menos cinco anos em São Paulo. Cada amostra de tecido apresentou entre uma e quatro partículas, com tamanhos variando entre 5,5 e 26,4 micrômetros.

Três principais formas de exposição

A exposição humana a micro e nanoplásticos ocorre principalmente por ingestão de alimentos e bebidas, inalação de partículas suspensas no ar e, possivelmente, absorção pela pele. A água e os alimentos, especialmente os de origem marinha ou embalados em plástico, são apontados como fontes de contaminação. Produtos cosméticos com microesferas também podem representar risco.

Essas partículas podem estar presentes no ar, provenientes do desgaste de pneus, emissões industriais e resíduos suspensos no solo. Segundo Mauad, uma vez no organismo, os plásticos podem atingir diferentes órgãos.

Um estudo da Universidade do Novo México, publicado na Toxicological Sciences, detectou microplásticos em todos os testículos analisados, com média de 328 microgramas por grama de tecido – quantidade superior à encontrada em placentas e em algumas áreas do cérebro.

Potencial tóxico dos microplásticos

Os tipos de plásticos identificados incluem polietileno, PVC, poliestireno, poliuretano e PET. Além de funcionarem como corpos estranhos, que podem causar inflamações e alterações celulares, essas partículas contêm aditivos com propriedades químicas tóxicas, como pigmentos, plastificantes e retardadores de chama.

“Mesmo com dados ainda preliminares, sabemos que os microplásticos podem provocar inflamações crônicas, desequilíbrios hormonais e efeitos tóxicos nos sistemas imunológico e nervoso”, aponta Leão. Esses compostos podem interferir em processos biológicos do organismo.

Pesquisas com animais e estudos laboratoriais já indicaram efeitos adversos. Artigos publicados nas revistas Particle and Fibre Toxicology e Environment International apontaram que os microplásticos podem impactar o metabolismo do fígado e aumentar a resistência à insulina. Outro estudo sugeriu presença dessas partículas no fluido folicular humano, levantando preocupações sobre o sistema reprodutivo.

Lis Leão destaca que há urgência na padronização de métodos para análise de tecidos humanos e no desenvolvimento de biomarcadores capazes de medir, ao longo do tempo, os efeitos da exposição.

Invisibilidade e normalização do risco

Apesar das evidências, a resposta da sociedade tem sido tímida. A naturalização do plástico no cotidiano, associado à praticidade e ao baixo custo, dificulta a percepção de ameaça. “Como está presente em tudo, as pessoas ainda não conseguem vê-lo como risco”, diz Leão.

A invisibilidade física das partículas também contribui para a falta de mobilização. Por definição, microplásticos têm menos de 5 milímetros, e nanoplásticos, menos de 1 micrômetro, o que impede sua visualização a olho nu.

No campo político, o avanço também é limitado. Durante a Conferência da ONU sobre os Oceanos, em junho de 2025, representantes de diversos países apontaram a poluição plástica como ameaça à saúde humana e à vida marinha. O Brasil, no entanto, não assinou o Tratado Global do Plástico, em negociação desde 2022, o que foi criticado por pesquisadores como Thais Mauad.

Além disso, os interesses econômicos dificultam avanços regulatórios. “Há uma grande pressão que atrapalha a conexão entre ciência, políticas públicas e percepção social”, avalia Leão.

Caminhos para mitigação

Diante da onipresença dos microplásticos no corpo humano, pesquisadores têm buscado alternativas para reduzir ou remover esses resíduos. Um estudo da Universidade Técnica de Dresden, na Alemanha, publicado na Brain Medicine, sugere que a aférese terapêutica – técnica de filtração do sangue usada em doenças autoimunes – pode ter potencial para remover partículas plásticas do organismo.

Os resíduos descartados pelo equipamento, analisados por espectroscopia, apresentaram semelhanças com compostos plásticos como poliamida e poliuretano.

Além de tratamentos experimentais, a redução do uso de plásticos descartáveis é vista como medida essencial. “A maior parte do plástico que encontramos na natureza vem de itens usados por poucos segundos, como garrafas de água”, afirma Mauad.

Para Lis Leão, a transformação precisa ir além das escolhas individuais. A educação ambiental, desde a infância, é fundamental para formar uma consciência crítica sobre o consumo e pressionar por mudanças estruturais. Ela também defende a ampliação da responsabilidade das empresas, com base no princípio da responsabilidade estendida do produtor, já adotado em setores como o de eletroeletrônicos.

O Brasil tem avançado nesse sentido com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, regulamentada pelo Decreto nº 11.413/2023. A norma criou os certificados CCRLR (Crédito de Logística Reversa) e CERE (Certificado de Estruturação e Reciclagem de Embalagens), que incentivam as empresas a investir em reciclagem e estruturação de sistemas de coleta.

Essas medidas buscam ampliar a transparência na gestão de resíduos e reduzir a carga sobre consumidores e governos. “Problemas complexos exigem ações coordenadas, com maior consciência sobre toda a cadeia de produção e consumo do plástico”, conclui Leão.

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