Novos modelos de gestão e tecnologia para combater a crise
Realizado em JF pela primeira vez, Minascon trouxe a proposta de discutir com os representantes de toda a cadeia produtiva da construção civil a reinvenção da indústria
Começou na última terça-feira (25) e segue até esta quinta-feira (27), em Juiz de Fora, a 15ª edição do Encontro Unificado da Cadeia Produtiva da Indústria da Construção Civil (Minascon), o maior evento direcionado ao setor realizado em Minas Gerais. Pela primeira vez na cidade, depois de 13 anos consecutivos sendo sediado em Belo Horizonte e uma vez em Uberlândia, o Minascon trouxe a proposta de discutir com os representantes de toda a cadeia produtiva da construção, incluindo os estudantes que ainda irão ingressar no mercado, a era das novas tecnologias e a reinvenção da indústria.
A palestra magna de abertura teve como tema “A indústria 4.0 e o futuro da construção”. A apresentação foi proferida pelo engenheiro civil e mestre em engenharia de estruturas, Luiz Henrique Ceotto. Diretor da empresa de consultoria em produtividade Tecnoeng Consultoria Empresarial, ele é considerado uma das mentes mais brilhantes do mercado. Na área acadêmica, acumula experiências como professor da Universidade Federal de São Carlos e da Faculdade Politécnica da Universidade de São Paulo.
Em entrevista concedida à Tribuna, na última segunda-feira (24), antes da visita a Juiz de Fora, Luiz Henrique adiantou um pouco da conversa que teria com o público no Minascon. Para ele, este tipo de evento é o primeiro passo para que a construção civil do país possa voltar a crescer.
Na avaliação do especialista, o maior entrave para o crescimento do setor é a mentalidade das lideranças empresariais, que precisam absorver novos modelos de gestão, que priorizem a tecnologia como instrumento para melhoria da produtividade. “O nosso maior desafio não é econômico, mas sim cultural”, afirma. “A crise pode ser um momento para evoluir. Não é por causa dela que não estamos saindo do lugar, mas por falta de gestão.”
ENTREVISTA: LUIZ HENRIQUE CEOTTO/PROFESSOR E ENGENHEIRO CIVIL
“A construção civil está parada na indústria 1.0”
Tribuna: Na sua palestra, o senhor irá comparar o setor da construção civil com outras atividades econômicas. O que você percebe ao fazer esta avaliação?
Luiz Henrique: Vemos que a construção civil mantém práticas muito artesanais. Enquanto outros setores evoluíram muito nos últimos anos, principalmente com o uso da tecnologia, como é o caso da agricultura, nós continuamos a empilhar tijolos. Nossos processos não foram modificados, atualizados. Nós falamos em indústria 4.0, mas a maior parte das empresas da construção civil está parada na indústria 1.0.
– Como podemos caracterizar estes dois termos, a indústria 4.0 e a indústria 1.0?
– Quando falamos em indústria 4.0 nos referimos ao uso da inteligência artificial em toda cadeia produtiva, de forma a agilizar processos e aumentar a produtividade. Quando digo que a construção civil está parada na indústria 1.0 é porque ela apenas se utiliza de componentes industrializados, mas numa visão sistêmica, ainda se mantém a mesma dos últimos cem anos. Os processos são muito artesanais, as práticas são de baixíssima produtividade e há o uso intenso da mão de obra.
– Ao que você atribui esta estagnação?
– O setor deve arriscar mais, deixar o medo de lado e dar um salto para o novo. O nosso maior desafio é cultural. Falta liderança no setor que possa organizá-lo para se preparar para estas mudanças tecnológicas. A construção civil tem uma participação muito importante na economia do país, mas apesar disso ainda é totalmente desorganizada.
– No Brasil, temos acesso à tecnologia necessária para transformar o setor em indústria 4.0?
– Temos 99% desta tecnologia disponível aqui, mas não usamos. Erroneamente, pensamos que nosso país não possui tecnologia de ponta na construção e não está inserido no contexto da inovação ou indústria 4.0. O problema é justamente oposto, temos acesso a essas tecnologias, mas não estamos culturalmente preparados para usufruir.
– Como deve ser feita esta preparação?
– É preciso pensar em agregar valor na cadeia produtiva, pensar em parcerias. Precisamos de lideranças que construam uma proposta comum, que mostrem caminhos e que saibam negociar. Ainda confundimos liderança com pessoa famosa, e os líderes acabam sendo pessoas que são donas de empresas e olham sempre para o próprio umbigo. Precisamos absorver novas ideias, por isso, a necessidade de lideranças que promovam esta discussão com toda cadeia, reconheçam os novos padrões e desejem segui-los. Não é preciso inventar a roda, apenas olhar para tantos exemplos lá fora que deram certo. O problema é que temos muitas empresas que estão na indústria 1.0 e querem passar para a indústria 4.0 sem se prepararem.
– Em quanto tempo você acredita que a construção civil pode chegar a este patamar da indústria 4.0?
– Não é nada impossível. Se vencermos este desafio cultural, isto pode acontecer em 20 anos.
– Eventos como o Minascon podem contribuir para este processo?
– Não tenho dúvidas de que sim. Este tipo de evento é o primeiro passo para promover a mudança cultural, pois é uma oportunidade das pessoas verem outras percepções. Também pode ser uma oportunidade para entusiasmar lideranças. Mas é muito importante que este processo tenha continuidade após o evento.
– Nós vivemos uma crise econômica que afetou bastante a construção civil. Quais são suas expectativas para os próximos anos?
– Sou otimista. Tenho bastante esperança que o setor irá passar por um processo de transformação, pois não há alternativa, hoje ele está beirando a inviabilidade. As construtoras privadas, de modo geral, trabalham com rentabilidade baixíssima e riscos altíssimos. Por isso a importância da gestão, do uso da tecnologia como aliada para melhorar processos e aumentar a produtividade. Há oito anos, estávamos num momento econômico muito bom no país e, mesmo assim, a construção civil amargou um prejuízo gigantesco. Isto porque o tempo passou e nós continuamos empilhando tijolos. O nosso maior desafio não é econômico, mas sim cultural. A crise pode ser um momento para evoluir. Não é por causa dela que não estamos saindo do lugar, mas por falta de gestão.
“O setor deve arriscar mais, deixar o medo de lado e dar um salto para o novo. O nosso maior desafio é cultural”