Qual é a idade mínima para o uso de redes sociais? Países debatem a questão
Questionamento tem levado países a implementarem leis sobre o assunto. No Brasil, PL está em tramitação
O uso das redes sociais por crianças tem sido tema de discussões, estudos e leis em diferentes países. Este mês, o governo da Indonésia anunciou a elaboração de uma regulamentação para limitar o uso das plataformas por menores. O anúncio foi feito pela ministra de Comunicação e Assuntos Digitais, Meutya Hafid, que não informou qual será a idade mínima para acesso no país.
Austrália, Noruega, França, Alemanha, Bélgica e Itália já implementaram leis que estabelecem a idade mínima para o uso de redes sociais, variando entre 13 e 16 anos. No Brasil, tramita no Legislativo, o projeto de lei (PL) 2.628/2022 que também aborda o assunto. Entre as diversas regulamentações propostas, o texto estabelece uma idade mínima de 12 anos para a criação de contas em redes sociais. Em novembro do ano passado, a matéria foi encaminhada para análise na Comissão de Comunicação e Direito Digital (CCDD).
Segundo a TIC Kids Online Brasil 2024, pesquisa realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), 93% dos brasileiros de 9 a 17 anos estão presentes na internet. Desses, 83% têm perfis em redes sociais, como WhatsApp, Instagram, TikTok e YouTube.
Outra informação do estudo detalha que 60% das crianças de 9 a 10 anos têm, pelo menos, um perfil em redes sociais. O percentual sobe para 70% entre aquelas com faixa etária de 11 a 12 anos. Os dados evidenciam que, embora algumas plataformas estabeleçam 13 anos como idade mínima para a criação de um perfil, a regra nem sempre é seguida.
O professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFJF (PPGCOM), líder do grupo de pesquisa Sinestelas e coordenador do projeto “Polijovem”, Jonathan Mata, analisa o fenômeno do burlamento de restrições nas plataformas digitais. “Talvez, apostar em procedimentos de verificação multifatores seja mais complexo do que a simples autodeclaração de idade, que pode ser facilmente burlada. Entretanto, todos nós sabemos do peso e, até mesmo, do efeito contrário que a palavra ‘proibição’ causa. Acredito que investir em diálogos sobre a questão no âmbito familiar, bem como em educação midiática e campanhas de conscientização seja um caminho mais efetivo para lidar com o cansaço algorítmico e outras consequências que a ‘vida em rede’ pode causar nos mais novos.”
Plataformas mais populares
As plataformas mais populares entre o público brasileiro de 9 a 17 anos são WhatsApp, YouTube, Instagram e TikTok, com a preferência variando conforme a idade, como mostra o estudo do Cetic.br. Apesar de 76% declararem usar redes sociais e aplicativos de mensagens como foco principal, também têm destaque o uso das plataformas para realizar trabalhos escolares (86%), ouvir música (86%), assistir filmes e séries (84%) e jogos online (78%).
O conteúdo consumido e o tempo de exposição às telas levantam preocupações. Para Mata, o debate deve começar pelo período de exposição. “Primeiramente, antes de conteúdos, precisamos falar sobre tempo de tela, para além da qualidade ou destinação etária do que é produzido e consumido. Não por acaso, o termo ‘brain rot’ (cérebro podre) foi eleito a palavra do ano de 2024 pela Oxford University Press. Ele traduz tanto o consumo, quanto um sentimento coletivo de exaustão pelo excesso de telas, ainda mais prejudicial para crianças e adolescentes cujo cérebro está em formação”.
A psicóloga e doutora em Psicologia Social, Adriana Woichinevski Viscardi, sugere estratégias para quem deseja diminuir o tempo de tela. “Estabelecer desafios progressivos de diminuição do tempo, usar ferramentas digitais que auxiliam a monitorar o tempo, desabilitar notificações, pedir a alguém para guardar o aparelho, tornar os apps usados de mais difícil acesso (tirar da tela inicial, desabilitar o acesso automático), planejar o uso do tempo diário para outras atividades (como esportes, assistir a um filme, ler um livro, caminhar, malhar, estudar), criar regras para atividades sem contato digital podem ser estratégias interessantes.”
Uso excessivo de redes sociais afeta a saúde mental
O uso excessivo das redes sociais está diretamente relacionado ao estado de saúde mental de milhões de brasileiros, conforme aponta o Panorama da Saúde Mental 2024. Realizado pelo Instituto Cactus, em parceria com a AtlasIntel, o estudo analisou os fatores que afetam o bem-estar psicológico da população. Os dados revelam que 45% dos casos de ansiedade entre jovens de 15 a 29 anos estão associados ao uso intensivo dessas plataformas. Além disso, jovens que passam mais de três horas por dia em redes sociais têm um risco 30% maior de desenvolverem depressão, em comparação com aqueles que fazem um uso moderado das ferramentas.
Para Viscardi, o autoconsumo de redes sociais é prejudicial e viciante. “Quanto maior o tempo na rede, mais se quer estar na rede, é o medo de perder algo – que ganhou até nome, FOMO (Fear of Missing Out) e causa estresse, ansiedade e vigilância constante. Há armadilhas neurais que tornam viciante a recompensa rápida que a rede proporciona, e um tédio com o resto.”
Além de ansiedade e depressão, há outros fatores que são considerados malefícios provocados pelas redes sociais. “Tem muitas coisas, mas vou destacar quatro. A primeira são os níveis de comparação social, geralmente com padrões irreais e inatingíveis, que causam muita frustração e diminuição da autoestima – e consequentes categorização das pessoas, hierarquização, preconceitos, discriminação, sentimentos de inadequação”, pontua. “A segunda é a erotização, romantização e sexualização precoces, sem entendimento do que, de fato, está envolvido, e sem maturidade para vivenciar as consequências reais. A terceira, muito nefasta, é o contato com conteúdos de pornografia, que cria uma visão completamente distorcida de atividades sexuais e podem gerar vício precoce nesse tipo de conteúdo, difícil de reverter”, explica. “E por último, mas não menos importante, o incentivo permanente ao consumo, com as inúmeras formas de se divulgar produtos, serviços e estilo de vida, que causam uma insatisfação constante com tudo que se tem”, analisa Viscardi.
Mudanças da Meta podem impactar a desinformação
A Meta, proprietária de plataformas como Facebook, Instagram e WhatsApp, anunciou, no início de janeiro, mudanças significativas em suas redes sociais. Nos Estados Unidos, o sistema de verificação de fatos realizado por terceiros será descontinuado no Facebook, Instagram e Threads. Para manter algum nível de controle sobre a disseminação de desinformações, a empresa pretende implementar o recurso “Notas da Comunidade”, semelhante ao que é feito pelo X (antigo Twitter).
Apesar dessa alteração, a Meta informou que continuará aplicando a verificação em publicações de alta gravidade, relacionadas a possíveis violações legais, como terrorismo, exploração sexual infantil, tráfico de drogas, fraudes e golpes.
O sistema de checagem, que, até então, abrangia mais de 26 idiomas, era uma ferramenta para o combate à desinformação, especialmente em conteúdos políticos. De acordo com a Meta, a mudança busca promover maior liberdade de expressão.
No Brasil, ainda não há uma data definida para a implementação dessa decisão. No entanto, o Ministério Público Federal (MPF) já pediu esclarecimentos à empresa sobre o possível encerramento da checagem de fatos no país.
Discurso de ódio
Outra mudança polêmica adotada pela Meta e que já está disponível no Brasil tem levantado debates: a empresa alterou suas políticas sobre discurso de ódio, permitindo insultos preconceituosos direcionados a mulheres, imigrantes e pessoas LGBTQIAPN+. Segundo a atualização, alegações de “doença mental” ou “anormalidade” baseadas em gênero ou orientação sexual são permitidas, desde que estejam relacionadas a discursos políticos ou religiosos sobre transgeneridade e homossexualidade, ou quando empregadas em termos comuns e não literais, como “esquisito”.
A situação se mostra ainda mais preocupante diante dos dados da pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024 que revelam que 29% dos jovens já relataram ter enfrentado situações ofensivas online, enquanto 42% presenciaram situações de discriminação digital.
Viscardi analisa que “embora quem ataque sinta-se mais protegido, principalmente pelo anonimato e a distância, para quem recebe a ofensa, a vivência é bem real e intensificada, uma vez que, normalmente, é feita de forma pública, diante do seu grupo social”. A psicóloga destaca que, especialmente quando é anônimo, há um medo constante de um novo ataque. “Esses ataques ferem a autoimagem, levando a sentimentos de inadequação e inferioridade, e podem causar efeitos muito nocivos para quem está iniciando no cenário social e coletivo de forma mais autônoma.”
Distorção de imagem
Em agosto do ano passado, a Meta anunciou a retirada dos filtros para Stories criados por terceiros. No entanto, ainda há alguns perfis que conseguem utilizá-los, e especialistas alertam para o impacto da ferramenta entre os jovens, sobretudo, os filtros de embelezamento que manipulam ou alteram a aparência do usuário, garantindo uma imagem com pele mais lisa, cílios longos e rostos mais finos.
O aplicativo TikTok anunciou a proibição de uso desses filtros para menores de 13 anos. Segundo a plataforma, a restrição tem como objetivo preservar a saúde mental desse público.
Um relatório feito pela Internet Matters constatou que “os filtros de embelezamento contribuíram para uma visão de mundo distorcida, na qual imagens perfeitas são normalizadas”.
“Espera-se que melhore a insatisfação com o corpo real, que não pode atingir os patamares inalcançáveis que os filtros proporcionam, e isto traga mais confiança e autenticidade. Isto é particularmente importante para adolescentes e jovens que buscam, de forma prioritária, a aceitação social”, avalia Viscardi.
Entretanto, a psicóloga ainda alerta: “mais adequado seria menores de 13 anos não usarem tal plataforma, que não é um ambiente seguro para crianças. Ela divulga conteúdo impróprio, desafios perigosos, sexualização precoce, violência, riscos à privacidade e acesso de predadores. Também tem um algoritmo mais viciante e pode causar sérios impactos à saúde mental e física”.
Qual é a idade correta para usar as redes sociais?
A resposta para a pergunta não é única, pois depende da maturidade emocional e do senso crítico de cada um. De acordo com a psicóloga, o uso dessas plataformas só deve ser considerado após os 12 anos, com acompanhamento constante dos pais ou responsáveis. “A gente poderia traduzir esta pergunta para: com qual idade minha criança ou adolescente tem maturidade emocional e capacidade crítica para lidar com os efeitos negativos de ter um perfil nas redes sociais, como cyberbullying, comparações sociais, contatos com desconhecidos, ataque à privacidade, fake news, tentativas de contato maliciosas?”, completa Viscardi.
*estagiária sob supervisão da editora Gracielle Nocelli
Tópicos: adolescentes / crianças / REDES SOCIAIS