Mineração em Minas Gerais ameaça morcegos frugívoros, aponta pesquisa da UFV
Espécies que correm risco são fundamentais para a regeneração de ambientes florestais degradados
Um estudo desenvolvido na Universidade Federal de Viçosa (UFV) apontou que as atividades de mineração em Minas Gerais ameaçam a saúde e a sobrevivência de morcegos frugívoros, que se alimentam de frutos, da Mata Atlântica. Os cientistas escolheram analisar o impacto dessa prática nos morcegos devido à importância desses animais para o ambiente em que vivem, muito por conta da ampla habilidade de buscar recursos alimentares e dispersar sementes de plantas pioneiras.
A pesquisa, publicada na revista científica “Journal of Hazardous Materials”, foi feita por pesquisadores do Departamento de Biologia Animal e coordenado pela professora Mariella Bontempo Duca de Freitas. A área observada foi de minério de ferro e alumínio, e o estudo descobriu efeitos adversos nos tecidos desses mamíferos, principalmente nas espécies Artibeus lituratus e Sturnira lilium. De acordo com a pesquisadora, as duas espécies estão entre as mais abundantes da Mata Atlântica, por isso a importância de estarem saudáveis, para garantir, entre outras funções, a recuperação de áreas florestais. “Essas estão entre as que mais contribuem com a regeneração florestal. Algumas plantas são visitadas exclusivamente por morcegos, e dependem desses animais para a dispersão das suas sementes”, comenta Mariella.
Tudo começou dez anos atrás, quando Marielle e outros pesquisadores começaram a avaliar o impacto de poluentes na fauna silvestre. A princípio foram testados nos morcegos pesticidas, inseticidas, herbicidas e fungicidas, usados nas atividades agrícolas convencionais. “Após dez anos, comprovamos que animais expostos a pesticidas, mesmo em baixa concentrações, como aquelas sugeridas pelo fabricante do agrotóxico, apresentaram danos oxidativos e histopatológicos no fígado, testículos e rins, e esses danos, e até alteração hormonal da secreção de testosterona, podem prejudicar a reprodução e até a sobrevivência desses animais.”
Após o resultado, uma orientanda de Marielle, do doutorado do Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal, Ana Luiza Destro, se dispôs a realizar os testes também do impacto de metais pesados e metaloides nos animais, “especialmente em função do envolvimento histórico do estado de Minas com a mineração e os recentes desastres ocorridos, que conhecidamente aumentaram a exposição de animais silvestres a esses contaminantes”. Até então, tais impactos eram totalmente desconhecidos para morcegos. “Muitos estudos têm sido publicados com peixes, em função da contaminação direta da água, mas todo o ambiente afetado foi exposto, e isso gera consequências para além do ambiente aquático. Além disso, os biomas Mata Atlântica e Cerrado encontram-se altamente ameaçados, especialmente por efeitos de fragmentação de habitat, e os serviços ecossistêmicos prestados por morcegos impactariam a conservação e regeneração desses biomas”, explica Marielle.
Descoberta revela potencial ameaça à biodiversidade da Mata Atlântica
A pesquisa levou em consideração regiões localizadas no Sudeste de Minas. As áreas de mineração de alumínio (bauxita) e a área de controle estão na Zona da Mata; já a de mineração de ferro fica mais na região metropolitana. No total são três áreas: uma de referência – fragmento florestal preservado próximo ao Parque Estadual da Serra do Brigadeiro -, uma de mineração de ferro e outra de alumínio. Os riscos estão associados aos danos à saúde dos animais, que podem representar diminuição das populações dessas espécies e também afetar os serviços que eles desempenham para preservar a floresta.
Na espécie Artibeus lituratus, foram explorados os efeitos do minério de ferro, e na Sturnira lilium, do minério de alumínio. Nos dois casos, os morcegos foram comparados com indivíduos de um fragmento preservado da Mata Atlântica. Os Artibeus lituratus, das áreas de exploração de minério de ferro, mostraram maior acúmulo de alumínio, cálcio, ferro e bário no fígado, além de cálcio e ferro nos músculos. Eles também apresentaram maior dano oxidativo no fígado e nos rins, associado a fibrose hepática e inflamação renal. Já os morcegos Sturnira lilium, das áreas de exploração de minério de alumínio, revelaram maior acúmulo de cálcio e bário no fígado, além de cálcio, zinco e bário nos músculos, e maior estresse oxidativo no cérebro, fibrose hepática e inflamação renal.
De acordo com os pesquisadores, a descoberta revela uma potencial ameaça à manutenção da biodiversidade da Mata Atlântica pelo fato de os morcegos frugívoros serem essenciais para a regeneração florestal.
Importância dos morcegos para o ecossistema
Os morcegos são fundamentais para a regeneração de ambientes florestais degradados, já que atuam como dispersores de sementes e polinizadores. Por serem insetívoros, eles colaboram para o controle da população de insetos, inclusive daqueles causadores de pragas agrícolas e vetores de doenças. Com isso, podem representar uma economia de milhões de reais a cada ano para os setores agrícola e de saúde pública.
Os pesquisadores acreditam que entender o impacto ambiental da mineração nas espécies-chave estudadas é de extrema importância para os esforços de conservação dessas espécies. Por isso, reforçam no artigo a necessidade de implementação de regulamentações mais rigorosas para controlar a poluição proveniente da mineração e a criação de áreas protegidas para preservar os habitats naturais dos morcegos. “Somente por meio de esforços coletivos e de uma ação coordenada poderá se garantir um futuro sustentável para as paisagens naturais e as diversas formas de vida que nelas habitam”, conforme informações divulgadas pela UFV.