UFV lança tecnologia pioneira para otimizar manejo de pragas e reduzir uso de inseticidas

Desenvolvida em parceria com produtores, ferramenta classifica a compatibilidade de mais de 60 agroquímicos com um importante predador natural, o que diminui custos e danos ambientais 


Por Nayara Zanetti

12/07/2025 às 06h00

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Tabela ajuda a otimizar o controle de pragas nas lavouras. (Divulgação/UFV)

Uma nova tecnologia desenvolvida pela Universidade Federal de Viçosa campus Rio Paranaíba (CRP-UFV) promete revolucionar o manejo de pragas na agricultura brasileira. Lançada no último dia 23, a solução permite otimizar o uso conjunto de controles biológico e químico, resultando na redução do uso de inseticidas, dos custos para os produtores e dos impactos ambientais associados ao uso incorreto de agroquímicos. 

O evento de apresentação reuniu produtores, estudantes, cooperativas e empresas do agronegócio, que puderam conhecer em primeira mão a ferramenta: uma tabela de compatibilidade que levou oito anos para ser desenvolvida. O trabalho foi realizado em parceria com a Associação Mineira de Produtores de Algodão (Amipa).

A inovação nasceu de uma necessidade real do campo. Produtores de café e algodão procuraram a universidade em busca de uma solução para um dilema comum: como aplicar defensivos químicos sem prejudicar a população do Chrysoperla externa, um inseto predador fundamental para o controle biológico de pragas.

“Os agricultores já utilizam ambos os métodos, mas ainda não existia uma forma eficiente de compatibilizar as duas técnicas”, explica o professor Flávio Fernandes, coordenador do Grupo de Pesquisa em Manejo Integrado de Pragas no Laboratório de Entomologia do CRP-UFV.

Segundo os pesquisadores, embora cerca de dez empresas no Brasil já comercializem o agente biológico com registro no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), os agricultores enfrentavam uma grande incerteza. Era difícil saber se o predador não estava controlando as pragas de forma eficaz ou se estava sendo eliminado pela ação dos próprios produtos aplicados na lavoura.

Após pesquisas aprofundadas e validação em mais de 20 áreas produtivas, a equipe da UFV encontrou a resposta. “Nós conseguimos detectar quais produtos são nocivos para o agente biológico e aprendemos a utilizar estas informações no campo, de forma compatível”, detalha o professor.

A tabela desenvolvida pela universidade permite ao produtor conciliar o uso do inseto com mais de 60 produtos químicos, incluindo inseticidas, fungicidas, adubos foliares e microrganismos entomopatogênicos. A ferramenta classifica cada produto, indicando quais são prejudiciais ao macrorganismo e quais podem ser utilizados de forma segura, garantindo que o controle químico e o biológico trabalhem em harmonia.

Para o professor Flávio Fernandes, a adoção da tabela é um passo crucial para o futuro da agricultura sustentável. “A adoção da tabela é um fato necessário para o manejo das pragas e o posicionamento dos agentes biológicos, podendo fazer parte de programas de certificação do Governo para reduzir o uso de inseticidas nas lavouras”, ressalta. 

Ciência a serviço do campo

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Produtores e pesquisadores durante a apresentação da tabela no campus Rio Paranaíba. (Divulgação/UFV)

Para entender o impacto prático e a necessidade que deu origem à nova tecnologia, Daniel Bruxel, produtor rural e presidente da Associação Mineira de Produtores de Algodão (Amipa), parceira da UFV no desenvolvimento da tabela, explica que o controle de pragas é uma batalha constante. “As pragas do algodão, como o bicudo, trips, ácaro e a mosca branca, estão presentes todo ano. O bicudo, por exemplo, é uma praga que não podemos descuidar de maneira nenhuma, pois tem um potencial de redução de 70% a 80% da lavoura se não for bem controlado”, detalha. 

Foi justamente dessa necessidade que surgiu a colaboração. A Amipa já possuía uma biofábrica para produzir agentes de controle biológico, como o Trichogramma e o Crisopídeo, mas faltava a peça-chave para garantir sua eficácia. “Precisávamos entender a seletividade dos grupos químicos dos produtos. Essa parceria com a UFV nos trouxe essa tabela, que hoje é muito respeitada. Todo produto novo é testado e válido para saber se pode ser aplicado ou não, e isso ajuda muito no manejo do dia a dia para perpetuarmos ao máximo as espécies benéficas na lavoura”, afirma Bruxel. 

Os benefícios da adoção da tecnologia, segundo ele, são muitos. Ao saber quais produtos são seguros para os inimigos naturais, o produtor garante um controle mais efetivo e, consequentemente, reduz custos ao deixar de aplicar um defensivo químico. Mas o impacto vai além. “Os benefícios ambientais são enormes”, ressalta o presidente da Amipa. Ele explica que, ao utilizar drones para a liberação dos macroorganismos, elimina-se a necessidade de tratores, o que significa menos consumo de diesel, nenhuma compactação do solo e menor emissão de CO₂. “Além disso, reduzimos o uso de embalagens plásticas de agroquímicos e a logística para seu descarte”, complementa.

Essa abordagem levanta a questão sobre o valor do produto final. Para Bruxel, o mercado deveria valorizar esse esforço: “Eu acredito que o produto deveria ter um preço diferenciado sim”, afirma. Ele pondera, no entanto, que a maior vantagem já é percebida dentro da porteira, mesmo sem essa bonificação. “Mesmo sem um prêmio no preço, já é interessante adotar essas práticas. A sustentabilidade no nosso setor não é algo da boca para fora; é uma necessidade que muitas vezes resulta em melhor ganho econômico e maior eficiência”, explica. A lógica, para ele, é clara: “O produtor gasta menos, produz mais, tem um resultado melhor e ainda beneficia o meio ambiente. É um tripé que se sustenta.” 

Com a validação de quem está no campo, a tabela de compatibilidade da UFV se firma não apenas como uma inovação científica, mas como uma ferramenta estratégica, alinhando produtividade, rentabilidade e responsabilidade ambiental.

Como acessar

A tabela de compatibilidade está disponível para consulta por meio deste link. Interessados em obter mais informações sobre a tecnologia podem entrar em contato com o professor Flávio Fernandes pelo e-mail: [email protected]

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