Aliel Paione: “Procuro entrelaçar o sofrimento humano dos personagens com o sofrimento humano do povo brasileiro”

Por Marisa Loures

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O mineiro de Varginha Aliel Paione entrelaça os dramas de personagens da ficção a fatos históricos e políticos do Brasil no livro “Sol e sombras” – Foto Divulgação

“Sol e sombras” (Pandorga, 453 páginas), novo lançamento do mineiro de Varginha Aliel Paione, é o volume dois de uma trilogia iniciada com “Sol e sonhos em Copacabana” (Pandorga, 381 páginas). No novo romance, disponível em e-book na Amazon, os leitores não só acompanham os conflitos dos personagens (alguns já conhecidos), mas também passeiam por fatos marcantes da história  do Brasil, como a Revolução Federalista, a carreira política de Getúlio Vargas, a República Velha e a política do café com leite.

“Procuro entrelaçar o sofrimento humano pessoal dos personagens com o sofrimento humano do povo brasileiro, e o faço utilizando a pessoa de Getúlio Vargas, que foi quem deu dignidade ao trabalhador brasileiro. Toda a legislação trabalhista, salário mínimo, carteira assinada, jornada de oito horas, enfim, a CLT, foram criadas por Vargas, além da modernização econômica do Brasil, como, por exemplo, a criação de Volta Redonda. Por isso, ele era detestado pela elite brasileira, notadamente em seu segundo governo, quando cometeu suicídio para evitar um golpe”, afirma o autor, antecipando o que está previsto para “Sol e solidão”, título que encerra a trilogia.

“Vou abordar bastante a pessoa de Vargas, seu drama, sua tragédia e glória. Não imagino a história em outro contexto, pois ele está intimamente relacionado à realidade social brasileira. Eu pessoalmente penso que não conseguiria escrever algo dissociado do que vejo e sinto ao meu redor. Hoje se discute muito a história de polarização política. Ora, ser de esquerda no Brasil é consequência do que você vê ao seu redor. Quem provocou historicamente esta imensa desigualdade social? Digo isso sobre a perspectiva de nossa formação social, da formação de nosso povo. Nossas elites herdaram a prepotência escravagista que perdura até os dias atuais.”

Aliel Paione é engenheiro e mestre em Ciências e Técnicas Nucleares pela Universidade Federal de Minas Gerais. Foi professor da PUC Minas e trabalhou com salvaguardas nucleares na estatal Nuclebrás. Sempre esteve próximo dos números, mas é um apaixonado pelas palavras. A leitura é sua companheira desde a infância. Ela permitiu que ele conhecesse Dostoiévski, Tolstoi, Eça de Queirós, Marcel Proust, Balzac e Machado de Assis (seus preferidos) e, de tanto ler, resolveu escrever.

 Marisa Loures – “Sol e sombras” é o segundo volume de uma trilogia, iniciada com “Sol e sonhos em Copacabana”. Apresente o novo livro para os leitores. Como as histórias das duas obras se relacionam?

Aliel Paione – Neste livro, faço uma abordagem psicológica profunda das personagens: suas angústias, seus conflitos, suas ambiguidades, suas dúvidas, ambições, seus temores e principalmente seus amores. Existe também uma crítica sobre a história brasileira. Algumas personagens, já conhecidas no primeiro volume, vão se conectar com João Antunes, um dos personagens centrais do presente livro. E algumas situações expostas no primeiro livro serão também melhor entendidas. Porém, nada impede que o presente livro possa ser lido de maneira independente.

– Como esse novo livro foi gestado? Pelo fato de haver referência a vários momentos da história do Brasil, acredito que foi preciso fazer uma grande pesquisa histórica…

De fato existe a abordagem histórica, porém, como é um romance, os fatos históricos nele narrados já eram de meu conhecimento, pois conheço muito a história do Brasil. Portanto não houve uma pesquisa exaustiva, apenas a confirmação de algumas passagens.  O livro foi gestado basicamente pensando na continuação do primeiro volume. Eu já sabia como iria desenvolver o fio da narrativa. É interessante, todavia, perceber como algo que já está definido pode, muitas vezes, mudar repentinamente, notadamente sobre as emoções e comportamentos das personagens.

– Neste livro, antigos personagens estão de volta. Como é a sua relação com os personagens que cria?

A minha relação com as personagens são circunstancialmente de amor, ódio, de simpatia, enfim, são relações conflituosas que refletem, em verdade, o mundo subjetivo e interior do autor. É surpreendente como algum personagem possa, por exemplo, despertar simpatia quando anteriormente ele não o era, porém isso é que fascinante no processo criativo, pois tem-se a possibilidade e a liberdade de aprofundar seu mundo interior através das personagens, tanto sobre a perspectiva do autor como do leitor.

– O livro aborda, por meio do personagem Marcus, a importante temática LGBTQI+. Acredito que sua intenção seja engrossar o debate que ganha força e que busca mais aceitação e respeito aos homossexuais. De que maneira a ficção consegue atuar nesse sentido?

Sim. Eu penso que o ser humano deve ser discriminado ou rejeitado pelo seu caráter e não pela sua preferência amorosa ou pela cor de sua pele. As pessoas, quaisquer pessoas, desde que sejam dignas, são iguais, são irmãos. Conheço gays que são educadíssimos, inteligentes, pessoas boas e simpáticas e que são meus amigos e a quem respeito. E também conheço outras enquadradas nos estereótipos bem aceitos e que são horrorosas. Marcus, o personagem, é uma pessoa espiritualmente riquíssima, mas que sofre socialmente esse preconceito idiota. Oscar Wilde, um dos maiores escritores ingleses, autor do célebre livro “O retrato de Doriam Gray”, em plena era Vitoriana, foi condenado a dois anos de prisão porque se relacionou amorosamente com um jovem, filho de um conde. Um total absurdo. Devido a isso, teve sua vida arruinada e foi viver em Paris, onde morreu.

– Por que “Sol e sombras” deve ser lido?

Penso que escrevi um romance instigante sobre aspectos essenciais do ser humano, com uma narrativa agradável e envolvente.

– O Brasil vive um momento conturbado politicamente, e todos nós estamos psicologicamente abalados por isso e por causa dos efeitos da pandemia. Qual seria a função da literatura nestes tempos em que vivemos?

A partir desta pandemia, ou refletindo sobre ela, somente posteriormente poderemos escrever sobre o momento atual. É necessário digeri-lo e refletir sobre suas consequências. Mas, sem dúvida, como sempre, a literatura contribuirá para esclarecê-lo. De imediato, esta pandemia nos escancara a tragédia social brasileira, e talvez seja esse aspecto que prevalecerá nas análises futuras.

Capa do livro sol e sombras 2

“Sol e sombras”

Autor: Aliel Paione

Editora: Pandorga, 453 páginas

 

 

 

 

 

Trecho do livro “Sol e sombras”

Por Aliel Paione

“Antenor Antunes da Silveira chegou ao Rio Grande do Sul em 1895 como imigrante, acompanhado pela esposa Felinta Sa-velli e pela filha Cecília, recém-nascida. Eram naturais da ilha de São Jorge, conselho de Calheta, situada na região central do Arquipélago dos Açores. Naquela pequena ilha, longa e estreita, semelhante a um rabo de cachorro, Antenor habitava a extremidade leste, a Vila do Topo, onde sempre vivera. No arquipélago, os negócios não corriam bem para a família e jamais corresponderam às expectativas do casal. Em 1881, ano em que desposara Felinta, Antenor Antunes trabalhava na produção e comércio de chá; era proprietário de uma pequena empresa, a Companhia Chás Quatro Folhas. Seis anos após o casamento, desanimado com os negócios da bebida, ele retornou ao ramo da pesca, atividade tradicional da família na qual começara a trabalhar, ainda criança. Seu pai, Xavier Antunes, era o dono principal da Companhia Pesqueira Açoriana, a Tradição na Pesca ao Cachalote, conforme anunciava a velha tabuleta afixada à entrada do grande armazém, próximo ao cais da companhia. Com Xavier trabalhavam seus dois irmãos, tios de Antenor e sócios minoritários. Após retornar à Pesqueira, em pouco tempo Antenor Antunes já cogitava repetir a sua atitude anterior, época em que tinha dezoito anos e se retirara dos negócios da família, almejando autonomia. Porém, ele acreditava que dessa vez teria sucesso, e começou a imaginar outra atividade em que pudesse auferir mais e ser independente. Filho único, com a morte do pai, Antenor herdou a sua parte e resolveu vendê-la aos dois tios a fim de empregar o dinheiro em negócio próprio, todavia, em outras terras. Ele ava-liava que nos Açores as condições permaneceriam ruins.”

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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