Poesia em Flor: uma coleção de mini books que une arte e literatura

Por Marisa Loures

Mini books
Coleção Poesia em Flor reúne dez mini books, de dez escritores em atividade na cena juiz-forana, e as capas ganharam pinturas feitas pelos artistas da Galeria Hiato – Foto Divulgação

A Primavera chegou e, com ela, o público-leitor ganha, da Gryphon Edições, a coleção “Poesia em flor”, que reúne dez mini books, de dez escritores em atividade na cena juiz-forana. Cada autor escolheu uma flor e inspirou-se nela para produzir sua obra – edelvais, amor-perfeito, lírio, cravo, girassol, tulipa, papoula, orquídea, madressilva e flor de lótus -, e as capas das publicações ganharam pinturas feitas, com exclusividade, pelos artistas da Galeria Hiato, com supervisão de arte de Petrillo.

Alice Gervason assina “Edelvais a flor do amor” (64 páginas); Cecy Barbosa Campos, “Amores imperfeitos” (56 páginas); Luiz Almeida, “O cravo peregrino” (56 páginas); Marcelo Espindola, “A partir da poesia” (64 páginas); Maria Aparecida Rezende Lacerda, “Tulipas” (64 páginas); Maria Elizabeth Sacchetto, “Colhendo lírios” (56 páginas); Maria Helena Sleutjes, “Flores e luas” (48 páginas); Marisa Pontes, “Florescência” (56 páginas); Marisa Timponi, “Essência de madressilva” (56 páginas); e Rosângela Rossi, “Flor de lótus”, (64 páginas).

“Eu recebo muita informação do exterior. Aí procuro me atualizar na área editorial. Percebi que a gente tinha uma insegurança dos autores em termos do amanhã, se publica ou não. ‘Como vou fazer? Como vou distribuir? Isso vai ser muito caro?’. O que a gente tentou foi entrar, neste momento, um momento muito difícil, com uma publicação mais econômica, mas, ao mesmo tempo, muito caprichada. A gente investiu muito na questão da qualidade”, comenta Maria Helena Sleutjes, também idealizadora e coordenadora editorial da coleção. Ela conta que o projeto foi realizado com muito cuidado, sem pressa, pois a ideia era saborear cada detalhe. “A participação do Petrillo e dos alunos da Hiato valorizou muito o nosso trabalho. Queríamos uma capa diferenciada. Temos um trabalho que se esmera bastante na questão da diagramação e da revisão, e a arte veio se somar à literatura”, comemora Maria Helena.

O lançamento de “Poesia em flor” está programado para a próxima sexta-feira (2), às 19h30, através da Plataforma Zoom, com direito à apresentação do músico Thiago Miranda. Para a edição de hoje, a coluna Sala de Leitura traz uma entrevista com três dos escritores que integram o projeto: Luiz Almeida, também autor dos livros “O mar no vidro” (2015) e “Itinerário do acaso” (ainda inédito); Marcelo Espindola, proprietário e diretor do Espaço Excalibur e estreante no universo da poesia; e Marisa Pontes, autora de poemas e contos premiados e publicados e membro da Academia Juiz-forana de Letras e da Academia Granberyense de Letras, Artes e Ciências.

 

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Luiz Almeida assina o livro “O cravo peregrino” – Foto Arquivo Pessoal

Marisa Loures – A proposta era que cada autor escolhesse uma flor de sua preferência. Por que o cravo? Quais emoções essa flor provoca em você?

Luiz Almeida – O cravo evoca, por um lado, a flor que representa, nas mitologias grega e romana, Zeus e Júpiter, deuses supremos, de cujo poder somos herdeiros mortais. Sob um segundo aspecto, me recorda os astros da Hollywood dos anos dourados, especialmente nos filmes “noir”, atores — heróis ou vilões — que traziam sempre, na lapela, um cravo branco, símbolo de poder e riqueza. No título do livro, a flor como peregrina ambiciona transmitir algo de encantamento e magia aos leitores.

“O cravo peregrino” traz para o leitor seis narrativas. Lembrei-me de uma entrevista em que Sergio Faraco declarou que “quando escrevia ficção não ambicionava nada, nem escrever um bom conto e tampouco um conto que o leitor não desgostasse”. O que você ambiciona com seus textos? O que espera despertar no leitor com os seis textos que compõem esse novo livro?

Luiz Almeida – Fico feliz ao ler o nome do escritor gaúcho Sergio Faraco, pois sou um admirador apaixonado por sua escrita, um dos contistas brasileiros de quem mais me sinto próximo. Penso que o escritor é autor de um livro, “a priori”, fechado, inerte e silencioso. Quem virá abrir o mundo ficcional, dar-lhe vida e voz, é o leitor. Somos todos, escritores, meros artífices de uma possibilidade, que se converterá em chama viva aos olhos dos que vierem, muitas vezes de longe, aventurar-se nas linhas que traçamos, nos caminhos que desenhamos, nos horizontes que imaginamos.

O texto “O recém-nascido” é muito tocante. Poderia nos contar a história que está por trás dele?

Luiz Almeida – Esse conto representa uma síntese da longa história de vida de um homem que tive a felicidade de conhecer. Como não raro acontece, ele, recém-nascido, perdeu o pai. Mas essa fatalidade resultou, no caso dele, numa trajetória de vida verdadeiramente singular. Sua mãe não o queria órfão, órfão de pai, um menino desamparado e desafortunado pela cruel impossibilidade de ter um ideal, um protetor, em quem se inspirar e com quem se proteger. Assim, a mãe engendra um ambiente emocional que faz do menino um espelho do pai, que virá incorporar as virtudes paternas, que será um filho-pai, forte, alegre, trabalhador. Há, digamos, um cristal mágico a partir do qual ela põe em marcha a edificação dessa obra humana, qual sejam as últimas palavras do pai quando se despediu da mãe com o filho: “Logo estaremos todos juntos de novo!”. Ela repete, para a criança, desde sempre, essas palavras-promessa como um mantra, um mandamento que esmaece a trágica perda, convertendo-a numa aposta de união familiar. Ela o incentiva a acreditar, a ter fé num pai, ainda que ausente e irresgatável. Assim, ela cria o filho à imagem do pai. Como se ela nem precisasse se esforçar muito para essa realização: o menino descortina seu ideal, investe seus dons emocionais nessa trajetória de reanimar, reviver a vida do pai perdido. Segue, com determinação e entusiasmo, a modesta profissão paterna. A chuva, o sol, o frio, o calor, nada o abate, como, ele imagina, aconteceria com o pai-herói. Ao final, num plano transcendental, estarão os três juntos novamente, e a vida foi, apenas, a travessia para a outra margem que haveria de os reunir para sempre.

Foto Marcelo Espindola
Marcelo Espindola estreia com “A partir da poesia” – Foto Arquivo Pessoal

Por que escolheu o girassol? Quais emoções essa flor provoca em você?

Marcelo Espindola – A minha foi escolhida ao acaso. Eu havia acabado de publicar o poema “Girassol”, escrito para meu filho mais velho, Rodrigo. Estão ainda no livro poemas dedicados a meus outros dois filhos, Enzo (“Dezessete”) e Marcela (“M”). Quando Maria Helena Sleutjes (editora da coleção) me falou da proposta dos títulos, foi natural me lembrar do Girassol.

“Mea culpa” chamou minha atenção. Leio-o como uma imensa ironia. Do primeiro ao último verso. E também como um desabafo do poeta. Ele nasceu a partir das angústias sentidas nesse momento em que vivemos? Você já disse que o livro traz um pouco da sua alma. Gostaria que compartilhasse o processo de criação desse texto.

Marcelo Espindola – A minha visão da poesia é de que ela deve também ser reflexiva. E “Mea culpa” é dos poemas que mais gosto no livro. Ele tem essa ironia com o momento único que ainda estamos vivendo, em que a intervenção pública na vida privada passou a ser defendida e até cobrada. As pessoas, em nome de um medo maior, passaram a abrir mão, sem questionamentos, de seus direitos mais básicos como cidadãos.

Esse livro é sua primeira incursão pelo universo da poesia. Em “Lugar incomum”, você descreve como é o poema que queria escrever. Em outro texto, escreve sobre o ofício de poeta. E percebo a influência da música em seus textos. Jorge Lenzi, Marisa Timponi, Maria Helena Sleutjes e Thiago Miranda apontaram essa musicalidade também. O que é ser poeta? E como você vê essa relação entre a poesia e a música?

Marcelo Espindola – As minhas referências musicais, em particular MPB e Bossa Nova, estão muito presentes no que escrevo. Eu sempre imagino meus poemas cantados ou, como escrevi no prefácio do livro, “Gosto de pensar que eles contêm música”. Meu encantamento com a palavra vem, portanto, dos grandes poetas da língua portuguesa, mas, fundamentalmente, dos grandes letristas, particularmente de meu grande ídolo Chico Buarque. Para mim, o maior construtor de imagens poéticas da língua pátria.

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Marisa Pontes é autora de “Florescência” – Foto Arquivo Pessoal

Por que você escolheu a orquídea? Quais emoções essa flor provoca em você?

Marisa Pontes – Como falo no prólogo do livro, a orquídea esteve presente nos mais importantes momentos de nossa vida. Nas chegadas e nas partidas. Quando meu netinho Eric faleceu, aos dois anos e cinco meses, depois de 4 meses numa UTI em São Paulo, qual foi a flor que seus amiguinhos levaram para homenageá-lo? Uma linda orquídea branca. No advento da Júlia, o vovô, emocionado, recepcionou-a com orquídeas. E, na sala da minha filha Gretel, havia um vaso bem viçoso, mas que há tempos não floria. No dia em que Antônio nasceu, quando eu e Joyce, a outra avó, chegamos a casa vindas da maternidade, deparamo-nos com a orquídea em botão.Assim, essa flor suscita saudade, alegria e amor!

Um dos seus textos recebe o título de “Motivos poéticos”. E aí fiquei pensando nos temas que entraram para este livro, “Florescência”. Você faz versos metalinguísticos, declara-se para seus netos, mostra sua revolta pelo estupro de uma criança de 12 anos, fala sobre a agonia desses tempos de escuridão e também fala de resistência, entre outros assuntos. O que mais tem inspirado você? O que mais tem provocado em você a vontade de escrever?

Marisa Pontes – Nesses tempos de confinamento, escrevo como se os sonhos fossem possíveis. Meus poemas, sintaxe enigmática, dão-me pistas do caminho, do eu lírico adormecido, das vastidões infindas. E o que mais tem provocado a vontade de escrever são meus contrários que se alternam e o desejo infinito de brincar com a vida!

Em “Minha poesia”, você diz que sua poesia vem do que “(des) conheço,/ dos alcantilados versos que fraudam o/ tempo […]” O que a poetisa faz quando os versos não vêm?

Marisa Pontes – Cevo o trigo, desnudo as raízes, atropelo as horas e toco as margens dos sonhos. É como escrevo em “Hiato”: “O tempo vivido no lado mais invisível,/no reverso das imagens cotidianas,/na progressão do silêncio…/As horas percorridas em mim mesma,/no cálculo da voz,/na altura dos muros…/A distância medida em dias/na curva dos astros,/nas marcas do calendário…/O ferrolho da porta inerte preso/à quietude dos minutos,/à ferrugem do tato…/Os panoramas retilíneos despidos/na ilusão do fato,/nos sonhos impossíveis…/A escrita muda dispõe a travessia/nas paredes de dentro,/nas palavras que tive às mãos…”

Quadros
As pinturas que ocupam as capas das publicações ficarão expostas, na Galeria Hiato, de 2 a 20 de outubro – Foto Divulgação

Coleção Poesia em Flor

Editora: Gryphon Edições

Autores: Alice Gervason, Cecy Barbosa Campos, Luiz Almeida, Marcelo Espindola, Maria Aparecida Rezende Lacerda, Maria Elizabeth Sacchetto, Maria Helena Sleutjes, Marisa Pontes, Marisa Timponi e Rosângela Rossi.

Lançamento:

2 de outubro, às 19h30, através da Plataforma Zoom. Com leitura de poemas e apresentação do músico Thiago Miranda.

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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