‘As palavras são meu instrumento de estar neste mundo’, confidencia Gilze Bara

Por Marisa Loures

Gilze Bara
Conhecida pelo trabalho como jornalista, Gilze Bara estreia na escrita literária com “Instrumento”, livro de poemas, contos, crônicas, minicontos, minicrônicas e microcontos – Foto: Gleice Lisboa

A poetisa precisa da palavra para estar neste mundo. É o que está evidente nestes versos de “Instrumento” (Autoria, 190 páginas). “emanam de mim/ os anseios da arte/ me rondam/ me desejam/ me possuem/ e eu, seduzida,/ cedo-me à poesia”, dispara Gilze Bara, em seu livro de estreia na literatura. Com lançamento previsto para o dia 2 de novembro, a partir das 17h, na Autoria Casa de Cultura, a obra, composta por poemas, contos, crônicas, minicontos, minicrônicas e microcontos, chega para o leitor, contendo textos confessionais, mas também muita história inventada.

“‘Instrumento’ é um livro que demorou a minha vida inteira para sair, porque escrevo desde que eu aprendi a escrever, desde muito criança. Na minha vida toda, mostrei, para pouquíssimas pessoas, o que eu produzia, e, de uns anos para cá, alguma coisa mudou em mim. Fui tomada pelo desejo de tornar pública minha escrita literária, porque a profissional já é pública há muitos anos. Publiquei alguma coisa no meu Instagram e não me senti mal com isso”, conta a autora.

Conhecida pelo trabalho que faz no jornalismo, que se ancora na objetividade, agora, ela se abre diante do leitor, revelando uma Gilze que poucos conhecem. Lança mão de uma escrita subjetiva e sensível para refletir sobre a vida, o cotidiano, a arte, o amor, a maternidade, a dor, a morte da mãe, entre outros temas. Apresenta histórias produzidas hoje e em outros tempos. Segundo ela, revisitar textos de outras décadas não foi um problema. Ela se reconhece em cada palavra que escreveu e que foi levada para “Instrumento.” “Foi primordial o reconhecimento de mim mesma. Foi primordial a escrita, a forma como eu escrevi, e foi primordial o desejo de compartilhar.”

Marisa Loures – O segundo poema do livro chama-se “Sedução.” Você escreve assim: “emanam de mim/ os anseios da arte/ me rondam/ me desejam/ me possuem/ e eu, seduzida,/ cedo-me à poesia.” Nesses versos, você deixa bem claro o quanto se sente seduzida pela poesia. Por que escolheu este momento especificamente para deixar sua escrita literária vir a público?

Gilze Bara – Eu não sei, mas surgiu esse desejo em mim. Talvez tenha a ver com a pandemia. Nunca imaginei que viveria uma pandemia e foi uma época em que a morte estava presente na nossa vida o tempo todo. E, quando a morte é tão presente, sempre surge aquela dúvida: “e se eu morresse? O que eu não fiz, mas gostaria de ter feito?” Não tenho certeza disso, mas já pensei sobre isso. Talvez o desejo de realizar uma coisa que eu não realizei. Talvez seja maturidade também. No início, minha poesia era muito confessional. Ainda é, mas, hoje em dia, ela não é só confessional. Certa vez, ganhei um concurso aqui em Juiz de Fora, era da Manufato. Quando passei em frente à vitrine da Manufato e vi o cartão postal com a minha poesia, ao invés de ficar feliz, me senti exposta. Aí, nunca mais publiquei durante anos. Então, tinha a questão de ser confessional. Hoje, na altura dos meus 54 anos, não estou ligando mais para isso. Além disso, acho que, mais nova, tinha medo de que tudo que escrevia fosse ridículo. E hoje não tenho mais esse medo, porque escrevo para mim. Se posso compartilhar com as pessoas, tocá-las de alguma maneira, está ótimo. Acho que, também, a maturidade, que veio com a idade, pode ter influenciado nessa minha decisão de publicar.

– Nessa sua estreia na literatura, você entrega aos leitores um livro composto por poemas, contos, crônicas, minicontos, minicrônicas e microcontos. Em qual gênero você se sente mais à vontade? Prefere escrever em versos ou em prosa?

Atualmente, eu me sinto mais à vontade nos microcontos, que foi o último gênero que comecei a escrever. Comecei há um tempo e, hoje, tudo na minha vida vira microconto. Na vida real e na vida inventada. Não consigo falar se prefiro poesia à prosa. Talvez, atualmente, eu esteja mais à vontade na prosa, mas a poesia ocupa um espaço imenso na minha vida.

– Gilze, na apresentação do seu livro, você mapeia a evolução de sua escrita, começando pelos versos, até chegar aos microcontos. Tive a impressão de que você tem uma consciência clara sobre como e quando escolher cada gênero. Estou correta ao afirmar que você sabe exatamente em que gênero suas ideias se desenvolverão?

Não tenho a mínima ideia em qual gênero as ideias vão se desenvolver. Eu queria ter. Já pensei sobre isso, mas não sei. Quando vem a necessidade de escrever algo, vem o gênero. É totalmente intuitivo. Já tive caso de, às vezes, escrever num gênero e depois escrever em outro. Com a mesma ideia. Simplesmente acontece. É totalmente inconsciente.

– E você tem uma clareza a respeito de qual gênero está produzindo?

 – Eu não penso em qual gênero que é. Só vem. Na verdade, quando fui organizar o livro, é que fui parar para pensar o que era o quê. Por exemplo, acho que minicontos e minicrônicas dialogam demais. Até se confundem. Então, tive que parar para pensar nessa parte mais objetiva. Fiz isso durante a organização do livro. Meus critérios foram muito básicos. Quando estou contando uma história, real ou inventada, pus como conto. E, quando estou dando minhas impressões de algo, pus como crônica. Acho que, talvez, se alguém da literatura for analisar, vai discordar de mim. Mas, tudo bem, fiz o que eu acho. Estou numa fase da minha vida em que eu não estou preocupada com o que é. O desejo de publicar meu livro me tomou de repente e eu quis publicar o livro do meu jeito. Não procurei uma editora que avaliasse meu livro dentro de um processo seletivo de recebimento de originais. Eu não queria isso. Procurei uma editora que, lógico que avaliou o livro, mas que fez a avaliação de maneira diferente, porque estou nesse momento da minha vida que eu quero fazer, fazer do meu jeito. E está tudo bem. Não estou preocupada com venda, não estou preocupada com críticas. Claro que não vou fingir que não quero saber. Claro que quero que as pessoas gostem, se identifiquem, fiquem tocadas. Mas é isto, quero proporcionar algo legal. E é lógico que, se elas me derem um retorno legal, vou amar. Acho que é mais no sentido de compartilhar com as pessoas o meu instrumento de estar neste mundo. As palavras são meu instrumento de estar neste mundo, elas têm o poder de traduzir o que sinto.

– E o que definiu a maneira como o livro foi organizado?

Quando resolvi que, realmente, iria publicar, fiz a divisão dos textos. Pensei na ordem que eu gostaria de ler. Então, coloquei as poesias primeiro, até porque elas vieram no início da minha vida; depois, coloquei os minicontos e as crônicas. Fiz um parêntese para minicontos e minicrônicas de CTI, que foi a forma que encontrei para viver o luto pela morte da minha mãe. Deixei os contos por último porque são maiores. Pensei que, às vezes, as pessoas que não gostam de ler muito não vão se incomodar tanto se eles estiverem no fim. E vim com a avalanche de microcontos antes dos contos. E as poesias eu dividi um pouquinho de acordo com alguns temas também.

– Segundo você, em “Instrumento”, tem uma Gilze que poucas pessoas conhecem. Quem é a Gilze que está se apresentando para os leitores?

É uma Gilze extremamente sensível, porque, na minha vida, sempre tive essa dualidade muito grande: a objetividade e a subjetividade. A “dureza” e a sensibilidade. E a Gilze que a maioria absoluta das pessoas conhece é a Gilze objetiva. E quem trouxe essa objetividade talvez seja o jornalismo e a sala de aula, apesar de, na sala de aula, a sensibilidade ser importantíssima. Mas a gente tem objetivos de ensino, aprendizagem, educação. Então, a Gilze profissional e, mesmo pessoal, no dia a dia, nas coisas que precisam ser feitas, sempre foi muito objetiva. Mas essa parte da sensibilidade, da pessoa que sente muito e que tem necessidade de escrever o que sente, poucas pessoas conhecem. Inclusive um lado, às vezes, até bem-humorado. E aí gostaria de falar da capa do meu livro. Eu pensei a capa do livro. Não executei, porque não sou designer. Mas o meu livro tem uma divisão muito marcante, na capa, contracapa e orelha, entre o preto e o branco, que são a sombra e a luz. A Gilze que está na luz esse tempo todo, pessoalmente e profissionalmente, com objetividade e fazendo o que deveria ser feito. E a Gilze que está na  sombra, que é a Gilze que estava ali o tempo todo também, mas que poucas pessoas conhecem. Mas o nome do livro tem uma sombra que é muito colorida. Não é porque é sombra que tem que ser ruim. Essa sombra é isto: é o que estava aí dentro de mim e que agora estou mostrando.

– Por falar nisso, em alguns poemas, você explora as dualidades e complexidades do ser. Você escreve “sou muitas/ sou várias/ sou todas”. Depois, em “Miscigenação”, declara que uns cem povos te habitam, “guerreiam e fazem paz.” Depois afirma que não sabe quem é você. Algumas vezes, é a “vírgula que pauseia”, outras, é a “interrogação que instiga.” Esse ser múltiplo reflete sua experiência pessoal, mas também é fruto de uma construção literária?

Eu acho que é fruto de mim mesma e de várias coisas que penso, vejo, faço e não faço. Talvez seja uma construção literária. Eu sou bem assim, e é muito engraçado que as pessoas que convivem comigo, mas que não me conhecem mais a fundo, não imaginam que eu seja assim. E isso ocorre porque a Gilze que se mostra objetivamente não é tantas assim. Ela é múltiplas funções, múltiplas paixões, mas e dentro? Do lado de dentro, as pessoas não conhecem.

Lançamento de “Instrumento”

Dia 02 de novembro, a partir das 17h, na Autoria Casa de Cultura. 

Com pocket show do 2a18 (Elisa Bara e JP Schapper)

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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