Livro de Fernando Morgado procura revelar quem é o mito Silvio Santos

Por Marisa Loures

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Fernando Morgado traz episódios inéditos da vida do dono do SBT em “Silvio Santos – A trajetória do mito” – (Foto Divulgação)

Bem ao estilo do dono do Baú da Felicidade fazer televisão, um belo dia, durante os intervalos da programação do SBT, o telespectador se deparou com o seguinte anúncio: “Vem aí a trajetória do mito”. Do lado de cá da telinha, só nos restava perguntar: “O que será que vem por aí?” Depois disso, foram várias inserções, durante várias semanas. Não demorou muito para Senor Abravanel, nome de batismo de Silvio, anunciar em seu programa o livro “Silvio Santos – A trajetória do mito” (Matrix, 208 páginas). O mais hilário disso tudo é que o autor, Fernando Morgado, não tinha autorização para a publicação da obra e não conhecia, pessoalmente, seu biografado, mas ganhou propaganda totalmente gratuita na TV. Resultado? Em dois meses de lançamento, o livro já está na quinta edição.

Nada disso impressiona quando se aprende a conviver com as excentricidades de Silvio Santos. “Chaves”, por exemplo, tornou-se coringa nas mãos dele. Entra e sai do ar, sem qualquer explicação, desde 1984, quando entrou para a grade do SBT. O que dizer da “Pantera cor-de-rosa”, usada pelo animador para segurar a audiência até a novela da Rede Globo acabar? A novela “Usurpadora”, só para clarear um pouco mais nossa memória, foi exibida sete vezes entre 1999 e 2016. E o mais incrível disso tudo é que tem audiência.

Também autor da biografia “Blota Jr.: a Elegância no Ar” (Matrix, 2015) e professor de História da Televisão Mundial e de Direção e Produção em Rádio, Morgado se dedica à história de Silvio Santos há 15 anos e é como um apaixonado por seu biografado que produziu esse novo livro. A obra é dividida em cinco partes – negócios, artista, dono de televisão, política e vida pessoal – e nos revela, entremeando textos do escritor e frases ditas por Silvio, bastidores inéditos da gravação dos programas políticos de Silvio, quando se candidatou a presidente da República, episódios polêmicos e até engraçados. O mais surpreendente é que, até quem não é fã declarado do apresentador, não consegue fechar o livro antes do fim, nem que seja para descobrir como é que se constrói esse mito.

“Silvio é, no final das contas, uma figura que desperta um fascínio, uma curiosidade e uma emoção que, realmente, nenhum outro ídolo brasileiro, nesse momento, desperta. Muito por tudo o que ele fez na vida, pela relação afetiva que ele construiu com os brasileiros, mas muito também pelo que ele não permite que seja conhecido do público. Algumas histórias íntimas e da vida profissional que muita gente não conhece, e acaba que, nessas lacunas que ele deixou, as pessoas vão construindo percepções, vão construindo esse mito. E é aí que entra o livro. O livro procura revelar, afinal, quem é esse mito”, conta Morgado.

 

Marisa Loures – “Silvio Santos – A trajetória de um mito” é um livro de um apaixonado pelo dono do SBT?

Fernando Morgado – Sim, mas isso não quer dizer que seja um livro chapa branca ou mesmo um livro encomendado, 100 % favorável ao Silvio. A paixão e o interesse pela vida do Silvio Santos me motivaram a escolher o assunto e me motivaram durante os 15 anos de pesquisa que desenvolvo a respeito dele e da televisão. Mas tudo foi conduzido dentro do maior rigor possível. O livro traz uma série de temas até polêmicos que, inclusive, o próprio Silvio não gosta de tratar, mas que são abordados no livro tanto através da minha pesquisa tanto através das aspas do próprio Silvio que fui recolhendo e que ele disse ao longo de 60 anos, pelo menos.

– Pode citar alguns desses temas de que o Silvio Santos não gosta de tratar e que estão no livro?

Tem algumas curiosidades que, até quando encontrei o Silvio, pela primeira e única vez, no programa dele, há algumas semanas, ele mesmo comentou: “Caramba, vejo algumas frases aqui que nem eu me lembrava que tinha falado.” Então, é um livro curioso até para o próprio Silvio. Há algumas coisas que são realmente marcantes e inéditas, especialmente, no comecinho da carreira dele, no rádio, no Rio de Janeiro, quando ele ainda era locutor comercial de uma rádio que nem existe mais, a Continental. Ele tinha que ler um anúncio, e um colega tinha que ler outra parte do texto. Daí o colega trocou as bolas, em vez de ler “uma oferta de caneca de alumínio”, leu “cueca de alumínio”. O Silvio não se aguentou, começou a rir e teve que sair do estúdio para tentar esconder a risada. Resultado, a rádio saiu do ar, e essa passagem pela Continental não durou muito. Há outras histórias também divertidas do começo da carreira, a primeira crítica que ele recebeu de um jornal e, é claro, as passagens mais polêmicas, especialmente, quando ele tentou ser candidato a prefeito e a governador de São Paulo e a presidente da república, entre final dos anos 80 e início dos anos 90. Através do livro é possível descobrir, por exemplo, qual o pensamento que o Silvio tinha em relação à economia, política em geral, dívida externa, inflação, enfim, uma série de questões que a gente nem imagina que ele já tratou em público.

Mesmo sendo um pesquisador da vida do dono do SBT há vários anos, ao produzir o livro, ainda se surpreendeu com algum episódio descoberto?

Sim, não só com os episódios, mas com a própria postura e a visão do Silvio ao longo do tempo, porque, através das falas dele, é possível ver ora algumas contradições, ora algumas evoluções sobre determinados assuntos. Um que eu destacaria, por exemplo, que me surpreendeu, quando é visto no conjunto, é a forma como ele enxerga a programação do SBT, que ele fundou em 1981. No começo, ele pensava que, como ele tinha a própria empresa que ia patrocinar tudo, que é o Baú da Felicidade, ele dizia que ia fazer uma televisão que não dependesse do ibope para montar algo competitivo. Porém, com o passar do tempo, você vê que não. O Silvio vai para outro pensamento: “Aqui, o que vai ao ar, tem que dar ibope, dar audiência, tem que dar ponto, senão não fica”. Depois, ele muda de ideia de novo e diz que a televisão tem que servir à comunidade, tem que ter outras prioridades. É interessante a gente acompanhar como o pensamento do Silvio foi num contexto de cada época. Aí, trago meus próprios textos e nãos, somente, as aspas do Silvio. Fica um panorama muito rico e, realmente, muito surpreendente de como ele foi encarando a vida ao longo desses 86 anos.

Até uso uma expressão, digo que o brasileiro tem uma “boa vontade seletiva” com o Silvio. O telespectador gosta de hábito, gosta de saber que um programa vai entrar no ar naquela hora, e o SBT tem outras qualidades, mas não tem o hábito como especialidade. Mesmo assim, as pessoas gostam porque o brasileiro enxerga, no SBT e no Silvio, um pouco de si e um pouco do jeito de ser brasileiro, aquela coisa irreverente.”

– Ao falar sobre as contradições do animador, você diz que ele acabou criando um estilo Silvio Santos de fazer televisão e que as pessoas não ficam mais com raiva dele. Por que isso acontece?

Até uso uma expressão, digo que o brasileiro tem uma “boa vontade seletiva” com o Silvio. O telespectador gosta de hábito, gosta de saber que um programa vai entrar no ar naquela hora, e o SBT tem outras qualidades, mas não tem o hábito como especialidade. Mesmo assim, as pessoas gostam porque o brasileiro enxerga, no SBT e no Silvio, um pouco de si e um pouco do jeito de ser brasileiro, aquela coisa irreverente. Até na posição do SBT de segunda colocada, brigando com a líder com as armas que tem. Fica aquela briga Davi/Golias, e o SBT fica ali tentando atingir a Globo, que parecia ser inatingível, fazendo coisas surpreendentes, mudando horário, colocando “Pantera cor-de-rosa” sem parar até que a novela da Globo acabasse. E ele acabava conseguindo. Então, isso desperta não só um interesse e certa boa vontade do público com o SBT, mas também torcida, o que é muito interessante, porque é algo raro de ser ver no mundo. Uma Tv aberta que tem até fã clube. Isso é fruto da personalidade do Silvio, com certeza.

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Silvio Santos esclarece o mistério sobre “A trajetória do mito” – Foto de Lourival Ribeiro – SBT (Divulgação)

– Em um determinado dia, a secretária do Silvio Santos ligou para a editora, dizendo que ele queria comprar o livro, e seu editor mandou um exemplar de presente para ele. E se, naquele momento, o Silvio Santos quisesse impedir as vendas?

Ele só ficou sabendo que o livro existia quando ele já estava nas livrarias. Eu nunca tinha conversado com o Silvio na vida, inclusive, durante o processo de produção, não tive contato nenhum nem com ele, nem com a família Abravanel, nem com nenhum diretor do SBT ou do grupo Silvio Santos. Fiz o livro sob o mais absoluto sigilo, sem falar com ninguém, me valendo da minha pesquisa e da decisão do supremo com relação às biografias não autorizadas. O Silvio ficou sabendo do livro pela Folha de S. Paulo. A secretária dele ligou para o editor, e a história foi, rigorosamente, esta, dizendo que o Silvio tinha ficado sabendo do livro e gostaria de comprar um exemplar. Eu disse: “A gente dá quantos exemplares ele quiser”. Antes mesmo de ter terminado de ler, ele já deu ordem para divulgar no SBT, e isso, realmente, foi algo inédito não só pelo fato de ser, talvez, a primeira biografia não autorizada de vulto feita no Brasil depois da do Roberto Carlos, mas, mais do que isso, uma biografia não autorizada, que o biografado leu depois de publicada, gostou e colocou publicidade de graça na rede toda, ao longo de várias semanas. Nesta semana (17 a 21 de julho), está indo ao ar minha entrevista no programa do Danilo Gentili, e isso tudo acontecendo depois e com esforço e interesse do próprio Silvio. Isso realmente me honra muito, e eu faço sempre questão de frisar que, graças a tudo isso, sou eternamente grato ao Silvio Santos pela generosidade com que ele tratou esse trabalho. Graças a essa divulgação, o livro, em dois meses, está com cinco edições lançadas.

“Eu faço sempre questão de frisar que, graças a tudo isso, sou eternamente grato ao Silvio Santos pela generosidade com que ele tratou esse trabalho. Graças a essa divulgação, o livro, em dois meses, está com cinco edições lançadas.”

– Você diz no livro que o Silvio Santos foi um dos primeiros brasileiros a perceber que a classe C era um bom negócio. Será que esse é o segredo do sucesso?

É um dos segredos sim. E, mais do que descobrir qual é o público, ele se interessou e se interessa em saber o que esse público consome, mas também em saber os sentimentos que esse público tem, do que é que esse público gosta, inclusive do ponto de vista emocional e do ponto de vista afetivo. Por exemplo, compreender o sonho que o brasileiro médio tem da casa própria e fazer disso todo um plano, como era o carnê do baú, ou o sonho de mudar de vida em dinheiro, e aí entra o título de capitalização, ou mesmo, mais recentemente em beleza, com cosméticos, é muito interessante. E tudo construído a partir não só de uma visão do público-alvo, mas do talento de comunicador do Silvio, o que é único no Brasil. É um tipo de empresário que é difícil de copiar. A gente pode tê-lo como exemplo, mas copiar o modelo dele é muito difícil.

– E é surpreendente ver como ele soube fazer um negócio puxar o outro…

O começo de tudo foi o carnê do Baú da Felicidade. Ele foi demandando uma série de investimentos e de estruturas para se manter de pé, que, só mesmo, aí usando um jargão da administração, verticalizando, juntando tudo num grupo só de empresas, só assim ele conseguiria garantir essa entrega. Por exemplo, vai sortear uma casa, mas precisava ter a casa construída, porque, na época, a lei obrigava, e ninguém entregava a casa na frequência e na quantidade que ele precisava, então ele monta uma construtora. Vai sortear carro, e ninguém atendia a demanda da forma que ele precisava, então compra uma concessionária. Realmente, uma coisa vai puxando a outra até chegar à televisão. O SBT nasceu da necessidade que o Silvio tinha de garantir a exibição dos seus programas. O Silvio não era contratado da TV Globo nem da TV tupi. Ele comprava horários no domingo e uma vez por semana e produzia numa empresa dele. Só que daí corria o risco de perder os contratos, e ele se viu obrigado a ter sua própria rede de TV. Tudo, realmente, foi feito em cadeia, uma bola de neve que formou um grupo que chegou a ter 15 mil empregados e cerca de 40 empresas.

– Seu livro é dividido em cinco partes: negócios, artista, dono de televisão, política e vida pessoal. Em qual dessas partes ele obteve mais êxito?

Êxito, ele obteve em, praticamente, todas. Só não obteve êxito na política. Não considero nem ruim, até foi bom, porque ele não ter se dedicado tanto à política, acabou ajudando-o a continuar se dedicando aos negócios e à televisão. Eu não diria “a parte que ele foi mais bem sucedido”, mas diria que ele tem duas partes que, ao longo da vida, dentro daquelas contradições ou evoluções, que ele vai colocando como favoritas: o empresário e o artista. Há momentos da vida em que ele prefere ser artista, ele até se define como artista, e tem momentos em que ele se define como empresário, ou mesmo como um eterno camelô. E ele tem muito prazer por essa atividade de venda, é um dom que ele tem. Hoje em dia, diria que o que mais se destaca é a parte artística. Na única vez em que estive com o Silvio, pude acompanhar toda a gravação do programa Silvio Santos, e aí lembrando que é um senhor com 86 anos de idade, com 200 mulheres em volta, gravando por quase 6 horas em pé. Ali tive a certeza absoluta de que tudo aquilo para ele é hobby, é uma grande diversão. Então, hoje em dia, me parece que ele se define muito mais como animador, e ali vem o prazer dele, como animador e homem de televisão. Talvez, esse seja, nos últimos anos, o grande fio condutor da vida dele, tudo girando em torno desse talento da comunicação que ele desenvolveu desde muito novo.

 

Frases do apresentador que estão no livro “Silvio Santos – A trajetória do mito”

“Dizem que o brasileiro é indolente. Por quê? Porque ele trabalha duro, mas não tem comida, casa, hospital, remédio e educação para os filhos. Então pra que trabalhar?”

SBT, 6 de março de 1988.

“Prefeito pode colocar um vice-prefeito à sua escolha, independente de partido, para dividir com ele a Prefeitura e ele, prefeito, ir para Miami quando desejar, deixando o vice na Prefeitura?”

A terceira de 12 perguntas que Silvio Santos fez ao PFL após ser convidado a candidatar-se a prefeito de São Paulo. SBT, 6 de março de 1988.

“Gosto do Collor. Ele me socorreu num momento em que os bancos, diante da minha situação, queriam cobrar juros exorbitantes. Quando eu fui falar com ele, eme deu uma de galã. Eu disse: ‘O senhor não precisa fazer essa pose toda, afinal, nós dois somos artistas”.

Veja, 17 de maio de 2000.

“Bom, eu vou ao cinema pra me divertir. Seu eu souber que é filme de arte, escolho um outro. Por exemplo, eu leio no jornal que um filme é muito bom, que é genial. Aí eu vejo o nome do crítico. Se ele foi um dos intelectualizados (e tá cheio deles), então eu não vou. Eu vou ver filme de movimento, de ação”.

A Crítica, 1969.

“Estética é conversa fiada da Globo, que não quer ter concorrência. Novela é tudo igual, todas partem da tragédia grega. O bom é o sucesso com investimentos que não comprometam a empresa financeiramente.”

O Estado de S. Paulo, 28 de outubro de 1991.

 

 

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“Silvio Santos – A trajetória do mito”

Autor: Fernando Morgado

Editora (Matrix, 208 páginas)

 

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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