Abro o e-mail e começo a ler uma das crônicas enviadas a mim pela jornalista Mônica Calderano. Minha intenção era preparar a entrevista para o Sala de Leitura como sempre faço. Contudo, chorei copiosamente diante de um texto em que ela começa a descrever um desenho, traçado pelo filho, em ocasião do Dia das Mães. “Essa aí da foto sou eu. Se você reparar bem, vai ver que é a minha cara. Eu estou com uma camiseta azul com passarinhos desenhados, a mesma que usei quase toda semana no último verão. E um short novo, vermelho, que eu nem sabia que tinha. Do meu lado está o sofá preto onde me sento, ainda que de passagem, todos os dias, e nossa coleção de carrinhos hot wheels, com os quais aprendi a brincar diariamente. Eu sei dar cambalhotas nos carrinhos e também aprendi em qual vaga cada um deve ficar, no estacionamento mágico da caixa de papelão.”
Como mãe, posso afirmar que mimos como esse nos são dados quase que, diariamente, por nossos pequenos. Nossa gaveta fica repleta deles, e todos têm um significado especial. Para Mônica, não era mais um, entre os inúmeros que, certamente, ela tinha guardado. Era o desenho. Sua crônica confirma que ela, sem sombra de dúvidas, é a mãe mais feliz do mundo, assim como “centenas de milhares de mães mais felizes do mundo.” Usando suas próprias palavras, “a gente aperta, e sempre cabe mais uma.”
“A minha felicidade indiscutível não tem nada a ver com essa data que se aproxima, embora um monte de gente tente nos enquadrar na propaganda de margarina – ou seria do shopping center? A minha felicidade se faz todo dia, desde 2011, porque a mim foi dada uma oportunidade absolutamente indescritível. Eu posso me reconstruir”, escreve Mônica, em texto leve, simples e repleto de oralidade. Ingredientes que, tenho certeza, fizeram com que suas histórias ganhassem o Brasil, primeiro, na internet, e, agora, através do livro “A equilibrosa – histórias de uma mãe em construção”(Giostri, 100 páginas). A página do site Equilibrosa no Facebook tem hoje 28 mil seguidores.
No livro, a jornalista, que se dedicou por muitos anos à área de economia, mas que sempre teve com ela um evidente talento literário, divide com os leitores os desafios e as alegrias da maternidade. Conforme ela conta no nosso bate-papo, ela não traz uma fórmula para vencer os medos da maternidade, mas se coloca na posição de amiga, como alguém que quer, somente, trocar figurinhas. Ela mostra que é difícil ser uma supermãe, quando temos que dar conta de filhos, afazeres domésticos e profissão, mas que é possível vencer, equilibrando-se diariamente. “A equilibrosa – histórias de uma mãe em construção” contém 45 crônicas e já está à venda nos sites das grandes redes do Brasil.
Marisa Loures – De certa forma, ao dividir com os leitores seus desafios com a maternidade, você se expõe muito. Quando e como nasceu a ideia de compartilhar essas histórias?
Mônica Calderano – Minha decisão veio num momento de mudança da minha vida pessoal e profissional. Eu tinha tido meu segundo filho, esse assunto já fazia muito parte do meu dia a dia desde que tive o primeiro em 2011. Eu me apaixonei pela maternidade intensamente, e esse era meu assunto favorito desde então. Já tinha me ocorrido escrever sobre isso, às vezes, os textos me vinham à cabeça, mas, em razão de outras ocupações profissionais, não dei muita ideia e toquei o barco. Porém, em 2015, quando meu segundo filho nasceu, o cenário já era diferente e achei que era hora de começar a escrever. Ainda assim, com essas inseguranças, dos limites mesmo, da exposição, que é algo que me preocupa, achei que devia experimentar, ver o que acontecia, porque era uma coisa muito minha, muito real, muito genuína, que vinha de verdade de mim.
– O site está no ar há dois anos, e os textos tiveram excelente receptividade. Isso era esperado?
– Para minha surpresa, o sucesso foi imediato, a aceitação foi muito grande. Percebi muito rápido que tem muita gente querendo ler sobre esse assunto. Da mesma maneira que, para mim, é importante debater esse assunto para muitas outras pessoas também. Fui ganhando espaço, fui percebendo que aquele era um caminho interessante. As crônicas começaram a vir com mais frequência à minha cabeça, começou a ser um movimento muito natural e aqui estamos.
– Agora você parte para um livro. Como surgiu essa oportunidade?
– Em meados do ano passado, comecei a perceber que eu tinha já um volume interessante de textos e estava me sentindo encorajada por esse retorno que existe na internet desde o início. Achei que eu tinha ali alguma coisa que poderia me gerar um livro interessante. Aí organizei dessa forma e comecei a correr atrás de editoras, e, muito rapidamente também, para minha surpresa, consegui um retorno positivo. A Giostri está publicando o livro que já está chegando às lojas de todo o país. O livro tem boa parte do material que produzi nestes dois anos. Não é tudo. Estão ali os textos que geraram mais empatia, os que geraram retorno maior, ou textos de que gosto muito. Tem ali uma mistura de coisas do que achei que interessaria mais ao leitor.
– Já tinha flertado com a crônica antes?
– Tinha flertado muito de longe. Nunca escrevi crônica para valer. Eu tinha essa vontade, sou leitora de crônica, é o tipo de texto que mais me envolve, mas nunca tinha sentado para fazer, embora eu, às vezes, achasse que meu pensamento era meio cronista. Às vezes, me vinham frases, faltava organizar.
– Como jornalista, você trabalhou muitos anos na área de economia. Como foi a transição para um texto mais literário?
– Acho que foi muito natural para mim, porque era algo que eu estava com muita vontade de fazer. Acho que a transição, talvez mais complexa, tenha sido a primeira lá atrás, quando tive que adequar meu texto, que era mais literário, ao jornalismo. Fiz como consequência do ofício, com muito prazer, mas com mais dificuldade.
– Seus textos são muito leves, repletos de oralidade. Como eles nascem?
– Quase sempre vem muito naturalmente, e eu tento exatamente falar o que me vem à cabeça, como se eu estivesse falando com você. O que eu escrevo é o que eu penso, acho que, por isso, sai dessa forma.
– O que pretende com o livro?A ideia é trocar figurinhas com outras mães, servir de exemplo?
– Tenho muita resistência à ideia do exemplo, porque acho que tenho tanta dificuldade quanto todas as mães que estão me ouvindo e que poderão, um dia, pegar o livro para ler. Estou muito longe de achar que sei dizer o que tem que fazer, e o livro não é isso. Lamento desiludir.
– O livro não traz uma fórmula para ser bem sucedida na maternidade…
– Não tem, até porque não acredito que exista de fato. Não conheço essa fórmula, e não é isso que me move, definitivamente. Além de ser minha forma de expressão, preciso dizer isso, antes de mais nada. Vejo muito essa possibilidade de troca. É o que tenho na internet. Esse retorno é delicioso por isso, porque escrevo uma história e, pouco tempo depois, me escreve uma pessoa que não sei quem é, de um canto do Brasil, para me dizer que um filho dela também passa por isso. “Nossa, parece que você está descrevendo meu filho”. Alguém diz: “Nossa, me emocionei aqui, porque parece que você está contando minha história”. Então, acho que isso é o mais legal, essa possibilidade de troca de experiências e de se sentir acompanhada.
– Suas crônicas nos passam a ideia de que você lida com muita tranquilidade com os desafios da maternidade. Em “Por que vale a pena insistir”, você conta que os meninos estavam na sala, o mais velho parado, olhando para a televisão. Você, mesmo cansada, decidiu fazer um passeio com os dois. Inicialmente, emburrado, o maior não queria brincar com o pequeno, mas depois de 30 minutos se entregou à brincadeira. Esse episódio é uma prova de que vale a pena respirar fundo e seguir em frente?
– A maternidade é isso o tempo inteiro. Vivo isso demais. Esse texto chamou a atenção de muita gente. Acho que é só por isso, porque eu, você, qualquer mãe, sabe o que é isso. A gente tem que insistir e não tem uma fórmula certa. Nesse texto, especificamente, não escrevi ali, mas poderia ter começado assim: “estava surtando”. Era um dia exaustivo, eu já tinha tentado muita coisa, os meninos estavam naquele ambiente em que você vê que a criança estava nervosa, e você também está por “N” razões. Tinha tudo para largar para lá. A gente tem motivos para largar para lá todos os dias na educação dos nossos filhos, mas o legal, o importante, é a gente seguir em frente. Acho que os melhores resultados vêm quando a gente consegue vencer aquela onda de desistência.
– Outra crônica traz um episódio no qual o mais velho joga um brinquedo na televisão, enquanto você dá comida para o mais novo. Depois, ele diz que quer alguém que cuide dele. Essa crônica é um alerta de que, às vezes, a birra é um sinal de que o filho quer mais a atenção dos pais?
– Esse contexto é assim. Eu tinha tido meu segundo filho há pouquíssimo tempo. A gente ainda estava em total fase de adaptação, e é muito normal que a gente volte as atenções para o bebê recém-nascido. Isso é natural. Mas o filho mais velho sente demais e, nesse dia, ele me mostrou com todas as letras, com todos os símbolos que ele poderia usar, que ele estava no limite dele e precisava da minha atenção. Essa história é legal porque nos mostra a necessidade do equilíbrio. Não à toa que estou falando o tempo todo de equilíbrio, porque a gente tem que dar atenção de um lado e do outro.
– A partir desse momento, algo mudou nessa relação? O mais velho aceitou o mais novo?
– Nesse ponto, especificamente, sim, mas estou nessa de me equilibrar todos os dias, como estamos todos. Estamos numa outra fase agora. Preciso escrever uma crônica sobre irmãos que brigam o tempo inteiro.
– Seu filho mais velho é todo independente, e o mais novo é mais agarradinho. Na crônica “O mundo é seu, amor”, você não esconde que sentia uma certa felicidade ao ver que o menor era carrapatinho”, mas que prometia que faria de tudo para que isso mudasse. Mudou?
– Acho que consegui. Ele está mais solto. Estou dizendo que consegui, mas tenho muita convicção de que isso é a história dele. Essa crônica foi escrita em 2015, ele tinha meses quando a escrevi.
– A partir da história de uma amiga que estava na quarta tentativa de desmamar o filho, você comenta que a gente precisa fazer com que as crianças aprendam a lidar com as dores, com os espinhos…
– Isso é uma das coisas que eu mais acredito. É um dos maiores esforços que faço como mãe, que é realmente compreender que existe a história dele, do meu filho, e existe a minha história. A minha história inclui cuidar dele, mas não inclui resolver todos os problemas para ele e evitar que ele viva, sinta determinadas coisas. Acho que, se a gente evita isso na infância, a gente só cria problema para o futuro. Qual é a forma que existe de você se preparar para o mundo se não for vivendo o que o mundo vai te trazer? Então, a chateação, a frustração, tudo isso faz parte, e, de fato, é algo que não só escrevo, mas vivo. Tento o tempo todo dar aos meus filhos a oportunidade de viver o que é deles, de crescer e de se desenvolver no que eles precisam de fato, e que eu não posso fazer com eles.
“A equilibrosa – Histórias de uma mãe em construção”
Autora: Mônica Calderano
Editora: Giostri (100 páginas)