
Acabei de saber de um crime que tem inspiração internacional, mas “com cara de Brasil”, e a história é misteriosa. O caso aconteceu em um parque público carioca, localizado aos pés do Corcovado e onde um imponente casarão foi construído no início do século XX. Lugar composto por lago, piscina, palmeiras imperiais, jardins à moda europeia e chafariz. Trata-se do Parque Lage, que sempre carregou uma atmosfera muito própria, o que inspira a imaginação de muitos, e que agora (ninguém esperava por isso) também é cenário dessa trama policial arquitetada pela escritora brasiliense, radicada no Rio de Janeiro, Luciana De Gnone.
“Assassinato no Parque Lage” é um livro, mas não um livro comum. Ele foi “feito para jogar” e marca a estreia da série de jogos literários de mistérios da Mapa Crime, um selo da Mapa Lab. Desde o dia 13 de junho, o lançamento está ocorrendo em uma Kombi que a editora levou para a Bienal do Livro do Rio de Janeiro. “A ideia era tirar o leitor do papel passivo e colocá-lo dentro da história, como um verdadeiro detetive. Acho que esse tipo de narrativa interativa tem tudo para atrair novos públicos, principalmente os jovens”, acredita Luciana.
Por falar em Bienal, como membro da Associação Brasileira dos Escritores de Romance Policial, Suspense e Terror e autora de romances recheados de suspense psicológico, Luciana foi a responsável por mediar uma mesa de literatura policial composta pelo brasileiro Raphael Montes e a britânica Cara Hunter. Ela também atuou como mediadora da “Mistério ao vivo: uma experiência com o autor da série Murdle”, ao lado de G.T. Karber, fenômeno internacional do gênero policial.
Hoje, no último dia do evento literário, trago uma entrevista que fiz com ela na última segunda-feira. Passamos por “Assassinato no Parque Lage”, Bienal e uma nova obra que está sendo gestada. Agora, ela está escrevendo um romance baseado na história real de Gislayne de Deus, a escrivã que deu voz de prisão ao assassino de seu pai 25 anos depois do crime.
Marisa Loures – O Parque Lage é mais do que o cenário da trama: ele é um símbolo do Rio de Janeiro e carrega uma atmosfera própria. Por que esse lugar foi escolhido como palco do crime?
Luciana De Gnone – Quando a editora chegou com a proposta, o Parque Lage se materializou de imediato na minha mente. Na minha cabeça, tinha que ser lá. Não havia opção para a trama de estreia. O lugar é lindo, cheio de história e com uma atmosfera que já carrega um certo mistério. A escola de artes, a piscina, o casarão. Tudo ajuda a criar o clima certo para uma boa história de investigação.
– Muitos leitores ainda não conhecem os chamados case files, que inspiraram o formato do jogo. De que maneira você adaptou essa referência internacional para o público brasileiro, equilibrando realismo e ludicidade?
– Sim, fomos inspirados pelos famosos “case files” de fora, mas adaptamos tudo para o nosso jeito: nomes, lugares, linguagem, principalmente as técnicas da polícia. É um crime com cara de Brasil. Minha principal tarefa era manter a verossimilhança. Coincidentemente, estava trabalhando na adaptação do caso real da escrivã Gislayne de Deus, e tinha todos os documentos do inquérito policial dela sobre minha mesa. Isso facilitou a pesquisa e a busca pelo realismo.
– E o lançamento acontece em um espaço alternativo e criativo, a Kombi da Mapa Lab, na Bienal. Como tem sido a recepção do público e o contato direto com os leitores durante as sessões?
– Está sendo uma delícia! Ver o público mexendo nas pastas, analisando documentos e se interessando pelo material é a sensação de dever cumprido. A Kombi é a cereja do bolo, trazendo um clima nostálgico e descontraído interessante que atrai o público.
– Por falar em Bienal, participar de um evento como esse, mediando nomes como Raphael Montes, Cara Hunter e G.T. Karber certamente é um marco. Que tipo de preparação ou escuta você leva para esses encontros, e como eles se relacionam com sua trajetória no gênero policial?
– É uma responsabilidade enorme e, ao mesmo tempo, um privilégio dividir o palco com autores que admiro tanto. Antes de cada conversa, precisei estudar e conhecer bem as obras e trajetórias de cada um deles. Pensei em perguntas que não fiquem só na superfície, mas que provoquem reflexões e tragam algo novo para o público também. Esses encontros se conectam muito com minha trajetória como escritora. Eu sou uma curiosa por natureza, então, escutar e entender como cada autor constrói suas narrativas, cria tensão e desenvolve personagens é muito precioso. Valorizo muito quando essas trocas são honestas, generosas e inspiradoras como tenho certeza de que esses dois momentos serão.

– Como você já disse, você está trabalhando em um novo romance baseado na história real da escrivã Gislayne de Deus. Qual foi a motivação para transformar essa história em ficção? E como você enxerga a força das narrativas inspiradas em fatos dentro do gênero policial?
– Quando bati o olho na matéria do jornal em setembro do ano passado, sabia do poder da história. Naquele momento, Gislayne materializou as minhas protagonistas. Ela é uma mulher determinada, que, mesmo com todos os desafios, seguiu seu propósito. As narrativas baseadas em fatos são tendência e, inegavelmente, desejadas pelo público. Tenho certeza de que a história da Gislayne será um sucesso.
– E o que mais te tocou nesse caso?
– Além de ser uma história de resiliência, existe uma trajetória investigativa incansável. Mesmo antes de se tornar policial, Gislayne já se comportava como uma, e é exatamente isso que quero retratar na ficção. Além, é claro, de provocar uma reflexão sobre a morosidade da justiça.
– Trabalhar com uma história real, especialmente tão recente e impactante, exige outros cuidados narrativos. Que tipo de abordagem você pretende adotar para manter o respeito à memória da vítima e, ao mesmo tempo, construir uma boa trama policial?
– Quando a gente escreve inspirado em casos reais, tem que ter respeito acima de tudo. E isso eu fiz questão de provar para ela antes mesmo de assinar o contrato de cessão de direitos. Não irei explorar o sofrimento da perda do pai, mas a determinação em fazer com que a justiça fosse feita.
– E seus romances são protagonizados por mulheres que enfrentam dilemas éticos, violência de gênero e um sistema por vezes falho. Por que é importante, para você, colocar essas personagens no centro de enredos de crime e investigação?
– Porque a gente precisa de mais histórias assim. Por muito tempo, as mulheres cumpriram papel de vítimas ou, no máximo, assistentes de detetives extraordinários. Nas minhas obras, faço questão de que sejam o centro das narrativas.
– Suas personagens femininas são fortes, mas também ambíguas. Que tipo de representação feminina você busca oferecer ao leitor?
– Mulheres reais. Somos muito complexas. Acertamos, erramos, sentimos, temos dúvidas. Acho importante mostrar que determinação não significa perfeição. São personagens reais, com luz e sombra, como todas nós.