“Histórias românticas em tempos virulentos”

Por Marisa Loures

Capa de amores confinados 2
“Amores confinados” traz contos que falam de amor, solidão e relacionamentos em tempos de pandemia – Foto Divulgação

Para escrever sobre “Amores confinados” (Bloco Narrativo, 152 páginas), recorro ao texto de apresentação, escrito pelas jornalistas Luciana Neiva e Marcela Esteves, organizadoras desse livro que chega com a proposta de trazer para os leitores “histórias românticas em tempos virulentos”. Faço isso porque a história que está por traz do nascimento desse projeto é por si só interessante e já aguça a curiosidade do leitor antes mesmo de ele se entregar à leitura dos contos que a dupla anuncia. “E surgiu a pandemia. Isoladas dentro de suas casas, duas amigas passam horas ao telefone, todos os dias. O assunto principal é o amor, a solidão, os relacionamentos, a falta deles ou a exaustão da vida a dois durante a quarentena. Então, elas cansam de conversar uma com a outra. E decidem dividir suas angústias com outros amigos”, contam as duas, que convidaram um grupo de jornalistas, roteiristas e artistas “para escrever um livro de contos sobre o amor em tempos de exílio forçado”.

A partir daí, outras 25 vozes juntaram-se a esse projeto, escrevendo contos, ou “contos-quase-crônicas”, como Arthur Dapieve escreve no prefácio: André Gabeh, Arnaldo Bloch, Aziz Filho, Bárbara Pereira, Daniel Belmonte, Daniela Kresch, Fernanda Mello Gentil, Gilberto Scofield Jr, Gustavo Annecchini, João Pimentel, José Guilherme Vereza, Laïs Mendes Pimentel, Estevão Ribeiro, Luís Pimentel, Marcelo Varzea, Maria Clara Mattos, Maria Elisa Coelho, Martha Mendonça, Nelito Fernandes, Renata Andrade, Rita Fernandes, Sidney Garambone, Silvio Essinger, Thais Pontes e Toninho Nascimento.

E, se o momento é de isolamento, o processo de criação da obra também reflete o que estamos vivendo. Cada um escreveu seu texto de sua casa, e um grupo de WhatsApp foi criado para que houvesse uma troca de ideias. “Amores confinados” ficou pronto em um mês e, certamente, segundo Luciana, tem muito a dizer para as gerações futuras. “Eu custei a assumir, porque me parecia um pouco arrogante, mas eu acho que o livro, de certa forma, tem um quê de documento jornalístico também, apesar de ser literatura, porque ele vai retratar um momento muito singular da humanidade. Acho que, daqui a algum tempo, muitos vão se perguntar: ‘como é que as pessoas faziam?’”, afirma ela.

A conversa de hoje é com Luciana Neiva, empresária e jornalista que escreve há 30 anos; e  Rita Fernandes, jornalista, roteirista e apaixonada por samba e por carnaval. Além disso, também são juiz-foranas.

Luciana Neiva 3
Organizadora e uma das autoras de “Amores confinados”, a jornalista juiz-forana Luciana Neiva escreveu três contos a partir de experiências pessoais – Foto acervo pessoal

Já que você falou na questão de “Amores confinados” ter um quê de registro documental, Arthur Dapieve escreveu no prefácio que esse livro traz contos-quase-crônicas

Luciana Neiva – Acho que muitos ficaram bem crônicas, até mais crônicas mesmo, mas, o tempo todo, acho que a gente quis um pouco isso. Não colocar em primeira pessoa. Mas é claro que, por exemplo, todos os meus contos são pessoais, são coisas que eu vivenciei de alguma forma. Acho que tem bastante de crônica sim, de registro documental, e tem esse valor de catarse mesmo, de colocar para fora coisas que estavam acontecendo e aliviar um pouquinho a angústia deste momento.

– De maneira geral, do que essas 27 vozes falam por meio desses contos?

Luciana – A Marcela fala muito isto: “o amor rende, né?”. Então, eu diria que falam de encontros, desencontros, solidões compulsivas. Tem conto que tem gente que começa a fazer encontros com a turma no telechope. Acho que é uma ideia de que a gente se adapta, sabe? E encontra uma maneira de ser feliz dentro dessa realidade. A mensagem é essa mesmo, o amor rende, o amor prevalece. Parece piegas falar, mas eu adoro Albert Camus, e o tempo todo eu fico lendo coisas sobre a filosofia dele, e ele fala muito dessa história do homem absurdo, que, ciente do destino, vibra com a vida em vez de ser infeliz com aquele destino que pode até parecer trágico, terrível. Ele resolve viver. Então, acho que a pandemia e o isolamento, e todas essas limitações que a gente está vivendo, são novas situações, às quais a gente vai se adaptar. É um destino que bateu à nossa porta, mas as pessoas, ainda assim, optam pela vida.

– Em um dos seus contos, a vacina separou Maria José e Olavo depois de mais de meio século de casamento. Em outro, uma mulher está interessada num amor da faculdade, mas tem medo de parecer feia, e ainda tem a preguiça que a impede de conversar com ele por meio de um aplicativo. No terceiro, mesmo encantada por Guilherme, Lúcia não se permite viver esse amor de pandemia. São três histórias que representam o que estamos vivendo hoje em termos de relacionamento? A leitura que faço é que há uma dificuldade de os casais ficarem juntos, de viverem felizes.

Luciana – Tem uma dificuldade mesmo. Os meus textos têm muito de pessoal e, apesar de eu achar muito bom se apaixonar, ter um relacionamento amoroso e tal, acreditar em tudo isso, acho que, pelo menos para mim, a pandemia trouxe certo apreço pela solidão, sabe? Acho que a gente está vivendo um pouquinho isso. Eu não chegaria a dizer que seja uma desistência do amor, acho que é uma preguiça de um relacionamento mais trabalhoso. Veja, por exemplo, o conto “Neném, farofa e máscaras”, esse em que ela não se permitiu viver o amor. Como você não está indo ao trabalho, eu me peguei durante a pandemia me relacionando muito com pessoas corriqueiras, não são pessoas que fazem parte do meu grupo social. Eu me relaciono com o moço do supermercado, com a mulher da farmácia. Vou passear com o cachorro. E são relacionamentos sem vínculos. A Lúcia estava gostando de ter um relacionamento platônico, acho que o que ela não queria era um vínculo. A pandemia também traz tanta preocupação, tanto medo que, quando você assume um relacionamento, você também traz mais coisas para resolver. Acho que, nos três contos, a mensagem é que não dá para ter problema sem necessidade, mas, ainda assim, dá para encontrar ali, dentro dessa situação, algum relacionamento possível. A Lúcia estava disposta a continuar a ter aquele relacionamento com o Guilherme. Um relacionamento que, para outra pessoa, pode parecer ruim, mas, para ela, estava satisfazendo, entendeu? Acho que ela estava com medo de assumir uma coisa mais profunda, e aquilo trazer mais coisas para serem resolvidas. E, na verdade, está tudo tão pesado que ela estava optando por um relacionamento sem vínculo para ser mais leve, mas sem desistir da parte leve do amor. Não ter vínculo está sendo uma opção para outras pessoas, está todo mundo um pouco preocupado de não trazer mais confusão para a vida. Independentemente do livro, acho corajoso alguém hoje assumir uma relação, casar, porque a gente não sabe o que pode acontecer. Ao mesmo tempo também, tudo bem, há contos no livro superotimistas. Em um, por exemplo, deu tudo certo, eles foram para Londres, tomaram a vacina lá. Os meus são bem melancólicos, mas o relacionamento está ali. É como se eles estivessem em suspenso. Acho que é meio por aí. Vamos manter o flerte, né?

– O processo de criação do livro aconteceu por meio do WharsApp. Como foi essa experiência?

Luciana – A gente fez um briefing para cada um dos autores, mas todo mundo foi muito livre. Cada um escreveu como quis. É por isso que alguns são mais crônicas; uns estão em primeira pessoa; outros, mais contos. Cada um que escrevia, a gente compartilhava, trocava no grupo de whatsApp que a gente criou. E, algumas vezes, um dava opinião no texto do outro. Às vezes, a gente trocava um pouquinho de ideia, alguns modificaram o que escreveram, um leu o do outro para fazer a revisão. Como estava todo mundo afastado, a gente não se encontrou presencialmente em nenhum momento da produção do livro. Foi interessante ter essa troca porque, como eu falei, tem a coisa da catarse, a necessidade de criar alguma coisa, e foi feita em conjunto. Foi gostoso, é como se todo mundo estivesse num projeto como se fosse um bote salva vidas, sabe? Botar para fora as suas angústias, as coisas gostosas. Foi muito bom, porque todo mundo trabalha, está nervoso, e esse projeto foi só de prazer.

– Esta é sua primeira experiência na literatura. O que achou desse flerte com o universo da ficção?

Luciana – Tenho muita dificuldade de escrever ficção, tanto que os três textos estão relacionados a coisas da minha vida. Não aconteceu aquilo tudo, mas alguns personagens, de alguma forma, esbarraram comigo. Eu mudei o final, os nomes, os locais, mas são situações de vivências pessoais. São inspiradas em experiências pessoais, mas eu modifiquei bastante. O Guilherme,por exemplo, não me chamou para sair. Tenho muita dificuldade com a ficção, porque nós, jornalistas, somos muito ligados ao que realmente aconteceu, à verdade, mas, ao mesmo tempo, acho que, quando a gente tem alguma coisa para contar, alguma percepção, uma interpretação de um sentimento, conseguimos desenvolver aquilo contando uma história. No conto, você conta uma história. Assim, ele se aproxima do jornalismo nesse sentido. E eu gosto muito de ler. Para mim, o que ficou dessa primeira experiência foi uma vontade muito grande de ler mais. Revisitei livros da Clarice Lispector, do Rubem Fonseca, do Luis Fernando Verissimo, que são bons em contos, né? E comecei a fazer anotações, prestar mais atenção no que eu observo de comportamento humano. Gostei bastante da experiência. Acho que qualquer coisa que a gente fale deste momento tão particular tem o seu aspecto jornalístico nisso, porque é o relato de uma época, está fazendo um retrato de algo factual, e fiquei pensando: “ah, será que só consigo escrever sobre o que me aconteceu? De algo que eu vi?” Aí me lembrei do nosso conterrâneo, o Rubem Fonseca. Ele escreve não sobre a vida dele, mas sobre a realidade que ele conhecia nas delegacias, no bairro de Copacabana, onde ele morou. E eu fiquei aliviada. Se Rubem Fonseca pode, eu também posso.

Rita Fernandes 2
A jornalista juiz-forana Rita Fernandes também está entre os 27 autores de “Amores confinados” – Foto Acervo Pessoal

 – É um livro que nasceu com a proposta de trazer contos sobre o amor em tempos de exílio forçado. O seu conto, “Oui”, traz a história de Amanda. Ela sofreu uma desilusão amorosa durante a pandemia, mas, ao fugir da tristeza, encontrou uma oportunidade de recomeço. A ideia é que enxerguemos uma possibilidade de ver algo bom nesse momento tão duro?

Rita Fernandes – É um pouco isso e também essa ideia de que, em todo fim de ciclo, pode-se ter uma possibilidade de um começo, depende de como você encara, de como você se coloca na vida. Você pode ficar eternamente chorando um amor perdido, no meio de uma pandemia, por exemplo, e a Amanda estava cheia de planos, e aí algo não planejado veio e cortou os planos dela. Exatamente como acontece na vida. Às vezes, a gente acha que tudo está caminhando numa direção e, infelizmente, por razões que não dependem da nossa escolha, a gente tem que mudar o rumo das coisas. Quando a Amanda entra no avião, eu brinquei um pouco com essa coisa do acaso, porque eu acho que não existe acaso. Existe sim uma sincronicidade enorme na vida para as coisas que, de fato, precisam ser. Se a gente souber fazer essas leituras, acho que a gente encontra caminhos de felicidade, ao invés de a gente ficar batendo naquilo que não dá mais para ser. É mais ou menos como eu costumo agir na minha vida.

– Você é apaixonada por carnaval, e a Folia de Momo está no seu conto. O texto é inspirado na sua vida?

Rita – Não tem inspiração na minha vida. Na verdade, a minha Amanda virou uma colagem de várias inspirações de pessoas que eu conheço no carnaval. Então, tem pedaços da Amanda que vieram de uma pessoa, e tudo muito naturalmente, não foi planejado. Na hora de escrever, eu ia construindo e me vinham as histórias. É claro que tem um pouco das histórias dos amores de carnaval, em que a gente acaba fazendo mil planos quando a gente é mais jovem. Quando a gente é mais jovem, os amores de carnaval parecem amores eternos. Depois a gente vê que eles não são, ate porque o carnaval tem toda uma ambiência para a gente sonhar e projetar e tal. Então, tem um pouco de histórias que eu conheço. O que deu origem ao conto não é história de amor. Na verdade, foi uma história que uma amiga me contou desse desvio dela de vôo. Ela estava em Frankfurt, e, dali a pouco, ela começa a escutar o nome dela e fala: “gente do céu, mas não é meu vôo”. E ela se vê numa primeira classe que ela nunca tinha voado. E ela contando é divertidíssimo. “Nossa, me puseram numa primeira classe, e eu olhava para aquela mulher, eu não falava francês, mal falava inglês. Tem certeza de que sou eu?” Aí ela vai contando da mulher com a cara da riqueza. Isso tudo foi real. Então, isso me deu a primeira ideia. Aí, depois o conto foi surgindo. E acabei misturando duas cidades que são referências para mim. O Rio de Janeiro, onde moro, e Recife, que é onde eu estou sempre, que tem um carnaval também maravilhoso. Então, foi mais ou menos uma homenagem aos meus amigos recifenses, e essa minha amiga que contou essa história é de lá. Foi muito natural, de repente, estava ali a minha Amanda. Ela estava voando, e a conexão não deu certo. Aí pensei: “se a conexão não deu certo, tem que acontecer alguma coisa boa nessa história, né?” A única coisa que eu coloquei foi que ela olhou para aquele cabelo revolto que dava asas à imaginação, porque foi como eu vi o meu personagem, e cada um vê como quer. Isso é o mais divertido do conto. Eu não queria fazer uma coisa baixo-astral.

– Em um momento como este, falar de amor é tudo o que estamos precisando?

Rita – A gente precisa falar de amor, colocar leveza também. Acho que, se é para compartilhar alguma experiência, já que é um livro para as pessoas se divertirem, não é nenhum tratado, reflexão sobre a pandemia, eu preferi um caminho mais para cima, mais positivo. Não que a gente vá negar que tem uma pandemia, muito pelo contrário. Mas acho que, às vezes, também estamos precisamos de um pouco de refresco, de distensionamento da dureza que estamos vivendo em todos os sentidos, recolhimento, isolamento, distância da família, gente morrendo perto, medo, insegurança. Pensei: “não vou escrever nada que seja para trazer mais peso, mais tristeza para a vida das pessoas.” E foi assim que aconteceu. Naturalmente, surgiu meu conto, o “oui” é exatamente o que minha amiga dizia. “Rita, já que eu não entendia nada, eu só conseguia dizer ‘oui’, ‘oui’. Eu olhava para a mulher com a cara da riqueza, e tudo o que ela fazia eu fazia.” E ela estava ali, fugindo do Rio de janeiro, sem querer nem ver o cara, porque ele conheceu uma atriz na janela durante pandemia. Esse pedaço também é real. É uma coletânea de histórias.

– E como você foi costurando essa coletânea de histórias?

Rita – A gente começou a trocar mensagens no whatsApp depois que os contos ficaram prontos. Meu processo de criação foi assim. Eu sentei na frente do computador, com pedaço de história na cabeça, sabia de onde estava partindo e aí falei: “bom eu tenho que montar essa personagem. Quem é essa pessoa?” Eu sou jornalista, mas sou roteirista também. Aí comecei a visualizar essa pessoa muito mais jovem, uma menina de uns 24 anos, no final de faculdade, e ela ganhou vida e ia saindo muito naturalmente. Tanto que, depois eu li os contos dos outros que foram mandando, mas nem pensei em mudar, em aumentar. E eu escrevi dentro de uma medida que a Marcela tinha me dado. Poderia ter feito um pouquinho maior, eu até tinha feito um pouco maior. No início, eu conto um pouco mais do affair dela no último carnaval, que foi em 2020. Depois acabei cortando porque achei que tinha que ficar na medida que a Marcela deu para a gente. Depois até vi que algumas pessos escreveram mais, mas eu fiquei feliz, gostei.

Capa 2 de amores confinados 2

“Amores confinados – Histórias românticas em tempos virulentos”

Editora: Bloco Narrativo (152 páginas)

Autores: André Gabeh, Arnaldo Bloch, Aziz Filho, Bárbara Pereira, Daniel Belmonte, Daniela Kresch, Estevão Ribeiro, Fernanda Mello Gentil, Gilberto Scofield Jr, Gustavo Annecchini, João Pimentel, José Guilherme Vereza, Laïs Mendes Pimentel,  Luciana Neiva, Luís Pimentel, Marcela Esteves, Marcelo Varzea, Maria Clara Mattos, Maria Elisa Coelho, Martha Mendonça, Nelito Fernandes, Renata Andrade, Rita Fernandes, Sidney Garambone, Silvio Essinger, Thais Pontes e Toninho Nascimento.

O livro está disponível na Amazon.

 

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

A Tribuna de Minas não se responsabiliza por este conteúdo e pelas informações sobre os produtos/serviços promovidos nesta publicação.

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade pelo seu conteúdo é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir postagens que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.



Leia também