“Segundo ensinamento de karl Popper, o que distingue um governo democrático de um não-democrático é que apenas no primeiro os cidadãos podem se livrar de seus governantes sem derramamento de sangue.” Foi no início dos anos 2000, já com os filhos formados, que Marilda Helena Hill Maestrini decidiu concluir seus cursos superiores. Fez teologia e filosofia. Do bacharelado em filosofia, nasceu a pesquisa sobre a “Dominação sutil”, trabalho que sempre quis publicar em forma de livro, mas que continuava guardado na gaveta por considerar que “não era o certo mexer em assunto tão delicado”, conforme conta o filho Alexandre Maestrini que, agora, pouco mais de um ano da morte da mãe, leva as reflexões dela, de forma resumida e adaptada por ele, para as páginas de “Arte Sutil – A-Deus Borboleta”.
Aliás, as palavras que abrem este texto, pertinentes ao momento atual brasileiro, estão entre as inquietações de Marilda. Mas o que a impedia de realizar o sonho da publicação? “Criada numa sociedade patriarcal, ela buscou entender suas próprias amarras e se libertar. Usava, desde criança, o símbolo da borboleta azul que precisa sair do casulo e ganhar a liberdade. Minha mãe entregou seu trabalho na UFJF, mas se sentiu desconfortável de publicar para não gerar conflitos, pois entendia que teria muito que explicar”, comenta Alexandre, chamando atenção para o fato de que não é e nunca foi fácil tratar de temas que são tabus para a sociedade. “Minha mãe estudava, como filósofa clínica, as relações entre homens e mulheres, entre casais, entre filhos, entre patrões e empregados e entendia que o papel da filosofia é perguntar mais do que responder.”
Conhecida na cidade pelo trabalho como artista plástica, Marilda morreu em setembro de 2021, aos 78 anos, por insuficiência respiratória em consequência da Esclerose Lateral Amiotrófica (Ela). Na obra que hoje é lançada em sua homenagem, Alexandre também entrega ao leitor lembranças ao lado mãe e uma coletânea com 160 fotos de quadros pintados por ela e dispostos nas páginas do livro de maneira aleatória. “Era o jeito dela de pensar”, justifica o filho, que, nesta edição, conversa com a coluna Sala de Leitura. “Arte Sutil – A-Deus Borboleta” está disponível gratuitamente em https://institutoautobahn.com.br/index.php/3d-flip-book/arte-sutil/.
—Marisa Loures — Quem era a mãe e quem era a artista Marilda Maestrini?
— Alexandre Maestrini — Marilda Maestrini era uma mãe carinhosa, que pensava fora da curva. Criou quatro filhos com total dedicação e só depois de formados é que ela decidiu concluir seus cursos superiores. Muito dedicada à família e às artes plásticas, era muito conhecida e querida pela sociedade local por seus bons papos e espontaneidade ao pintar. Muito talentosa, desde menina, já desenhava seus vestidinhos, que é claro, precisavam ser bem diferentes dos demais. Teve pais que a apoiaram, e Marilda foi desenvolvendo seus dons artísticos até chegar a ser uma pintora reconhecida.
— Como é a obra que está chegando para os leitores?
— Este é o meu quarto livro, uma coletânea com 160 fotos de quadros pintados por Marilda Maestrini. Uma edição especial em papel couchê brilhante para valorizar as obras coloridas da minha mãe. Além da versão impressa para os familiares e amigos, desta vez, disponibilizo um E-book gratuito para atingir um público hoje bastante digitalizado. Para separar a coletânea do trabalho acadêmico dela, decidi formatar o livro em duas partes. Na primeira parte, eu conto minhas lembranças de cenas com minha mãe, intercalando suas obras de forma aleatória, que era o jeito dela de pensar.
— Como homenagem à sua mãe, você publica os escritos dela. Quais são as reflexões que Marilda Maestrini deixou?
— Na segunda parte do livro, homenageio minha mãe resumindo, organizando e adaptando um trabalho dela nunca publicado. Minha mãe, ao terminar o curso de Filosofia na UFJF, escreveu um trabalho sobre a Dominação Sutil, que ela definia como as dominações que na sociedade estão enraizadas e, às vezes, nem percebemos, pois são sutis. Com seu falecimento, fui buscar explicações em escritos, bilhetes, mensagens e fotos. Queria tentar entender como ela pensava e como ela podia ser uma artista tão criativa e uma mãe tão carinhosa, mas, ao mesmo tempo, sentir os pesos, as dominações sutis intrínsecas de nossa sociedade ocidental.
— Como nasceu a ideia do livro? E como foi o processo de produção dele?
— Com o falecimento da minha mãe em setembro de 2021, os familiares entraram em luto e cada um resolveu superar o momento de diferentes maneiras. Como gosto de escrever, resolvi elaborar uma coletânea com suas obras espalhadas pelas casas de parentes e amigos e intercalar com minhas lembranças desde criança com o objetivo de dar Adeus e entregar A-Deus a alma de nossa querida mãe. O livro foi inicialmente uma catarse pessoal, pois percebi que, inicialmente, ainda poucos querem falar de seus sentimentos diante da morte. Minha mãe pesquisou sobre as causas das dominações e queria motivar as pessoas a procurarem seus próprios caminhos.
— “Arte sutil – A-Deus Borboleta” traz parte do trabalho que Marilda realizou como conclusão do Bacharelado em Filosofia. Qual é o público do livro? A quem você e Marilda se dirigem?
— Pelo fato de minha mãe ser muito reconhecida como artista plástica na cidade e de o falecimento ter acontecido no meio da pandemia, muitos não puderam se despedir dela pelo isolamento imposto. Assim, com a coletânea em forma de livro digital gratuito, espero que um maior público conheça os trabalhos de minha mãe. Eu me dirijo também ao público acadêmico em busca de mais estudos sobre a dominação sutil. Além disso, com essa obra, queria encorajar e acalentar as famílias que se veem confrontadas com um familiar atingido
por uma doença incurável como a ELA – Esclerose Lateral Amiotrófica.
— Nas páginas do livro, há fotos de quadros da Marilda, e essas imagens foram postas ali de forma aleatória. Mas, segundo você, há uma explicação para tal “des-ordem”…
— A intenção de procurar o caos e a “des-ordem” na sequência das fotos das obras foi ser fiel à estrutura de pensamento de minha mãe e propiciar aos leitores uma experiência próxima ao que foi o convívio com ela. Minha mãe começava um assunto, entrava em outro, divagava, filosofava, pintava e questionava. Para quem a conhecia, já sabia que ela gostava de falar com provocações e separando os prefixos para questionar e fazer pensar. Quando queria falar da necessidade de se libertar, usava a palavra “des-dominar”, no sentido de que era preciso quebrar a dominação. Foi-se uma provocadora.
— Não foi tarefa fácil dar adeus à sua mãe. No entanto, a vida segue seu curso, e você foi encontrando consolo nas lembranças pessoais e nas conversas com pessoas que a conheciam. E aí você se deparou com “relatos inimagináveis”. O que você aprendeu durante esse processo?
— Acho que nunca é fácil perder a mãe, ou qualquer outra pessoa querida. A gente conversa com familiares e amigos e vai percebendo que a pessoa que se foi continua “i-mortal” dentro da gente. Foi essa a linha mestra da construção desta obra, visando despertar a alegria e o privilégio de ter convivido com minha mãe, do jeito “maluquinho” que ela era. Durante a pesquisa para o livro, as trocas de informações foram intensas, e eu não só recebia as fotos das obras que estavam nas casas das pessoas, mas também as lembranças pessoais de cada um. Relatos até então inimagináveis sobre minha mãe chegaram até mim. Conheci outros lados da minha mãe como amiga, esposa, irmã, madrinha, protetora, aluna, etc. Uma bela catarse pessoal que acalmou meu coração.
“Arte Sutil – A-Deus Borboleta”
Autores: Alexandre e Marilda Maestrini
Disponível gratuitamente aqui.