Edson Munck Jr. debruça-se sobre a produção de dimensão religiosa de Murilo Mendes no livro “O verbo e o verso”

Por Marisa Loures

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Em “O verbo e o verso”, Edson Munck faz uma análise de poemas da obra “Tempo e eternidade”, de Murilo Mendes – Foto Divulgação

Foi em 2011 que começou a história de Edson Munck Jr. como estudioso da obra de Murilo Mendes. Era a época em que o professor de Língua Portuguesa fazia especialização em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Ele ouvia dizer que o escritor juiz-forano era um poeta complexo. E uma aproximação mais consistente não se realizou de imediato. “Contudo, ao me debruçar sobre os textos e ir me envolvendo com o corpus poético muriliano, descobri uma vigorosa expressão literária, múltipla, consistente, interessada por outras artes e em diálogo proveitoso com os saberes humanos”, conta Edson, que acabou desenvolvendo, como trabalho de fim de curso, uma análise do poema “Meu novo olhar”, do livro “Tempo e eternidade”, de Murilo Mendes. Especialização concluída. Continuou o desejo de investigar mais a fundo a produção do autor de “A idade do serrote” que estabelecia um diálogo com a religião.

“Decidi prosseguir nos estudos em Murilo Mendes em virtude de perceber uma lacuna na crítica literária brasileira quanto à análise dos poemas dele que lidam com a dimensão religiosa. Diante da relevância da obra de Murilo nacional e internacionalmente, eu sentia falta de análises coerentes e não redutoras do aspecto religioso em sua produção. Os comentários com que me deparava eram poucos e breves. Lendo os poemas murilianos, gritava diante de mim o universo religioso em obras do começo ao fim de sua trajetória poética. Em tese doutoral, apresentei resposta a tal fato”, afirma o autor do novíssimo “O verbo e o verso”(Appris, 158 páginas).

Na obra, Edson faz uma análise de poemas da obra “Tempo e eternidade”, de Murilo Mendes, passando, antes, por uma apresentação de conceitos que envolvem o tema da religião, como mito e sagrado, e sua relação com os textos da bíblia, mas também com o Modernismo. Faz ainda uma discussão entre literatura e teologia.

Edson Munck Jr. também é jornalista. Na docência, atua como professor do Ensino Fundamental e Médio e do Ensino Superior. É ainda autor de livros didáticos. Escreveu obras para a coleção Apoema – “Leitura e Produção de Texto” – e para a Série Brasil – “Produção de texto” –,  da Editora do Brasil.

 Marisa Loures – Em “O verbo e o verso”, você faz uma análise de poemas da obra “Tempo e eternidade”, de Murilo Mendes. Qual caminho você percorreu na construção dessa produção?

Edson Munck – “Tempo e eternidade” tem uma origem que precisava ser considerada na análise que eu queria fazer. Trata-se de um livro do Murilo que nasce como uma homenagem post mortem a Ismael Nery, grande amigo do poeta juiz-forano e um dos responsáveis por ressignificar a experiência de fé cristã para Mendes e para Jorge de Lima, coautor da obra. Originalmente, o livro tem como epígrafe a seguinte expressão “Restauremos a poesia em Cristo” e “À memória de Ismael Nery”. Diante disso, eu pensava: como fazer uma leitura que respeite essa epígrafe? De que maneira se pode compreender o processo de restauração da poesia e, ainda mais, em Cristo? De que modo os textos presentes no livro são memória do testemunho cristão essencialista de Nery sobre Murilo? Desse modo, fui em direção aos saberes da teologia, da ciência da religião e da história com vistas à fundamentação da leitura poética dos textos. Em suma, percebi que, nos poemas de Murilo Mendes, evidenciavam-se três percepções: o mundo caído, o mundo em Cristo e o mundo vindouro. E, diga-se, tais experiências são progressivas e também simultâneas no tempo poético que se manifesta em “Tempo e eternidade”.

– E como é o Murilo Mendes que você descobriu durante a produção desse trabalho?

O estudo de Murilo Mendes que comecei em 2011 se estendeu até 2019, com o doutorado. “Tempo e eternidade” foi investigado no mestrado, sob orientação de Fernando Fiorese, de onde resulta “O Verbo e o Verso”. Mas eu enxerguei potencial para averiguar a questão religiosa na poética muriliana como um todo e prossegui nos estudos do corpus poético do autor no doutorado, com a orientação de Eduardo Gross. O poeta é um gigante em termos artísticos. O alto rigor verbal de sua poesia, os exercícios inventivos, a recuperação inovadora que faz da tradição para dinamizá-la, a relação respeitosa e dependente que estabelece com as outras artes, a busca profunda e sincera de questões fundantes para o ser humano, dentre outros aspectos, esses elementos me mostraram um Murilo Mendes interessado profundamente na condição humana.

“Conta-se que, para alguns, Murilo Mendes era poeta demais para ser religioso e, para outros, era religioso demais para ser poeta. Essa situação mostra a complexidade de questões relacionadas à religião e às artes, um problema de nossa formação como sociedade que precisa, constantemente, ser repensado e encarado.”

– Como a religião e a figura de Cristo aparecem na poesia de Murilo?

Conta-se que, para alguns, Murilo Mendes era poeta demais para ser religioso e, para outros, era religioso demais para ser poeta. Essa situação mostra a complexidade de questões relacionadas à religião e às artes, um problema de nossa formação como sociedade que precisa, constantemente, ser repensado e encarado. A religião, no olhar do poeta, é um aspecto significativo da existência humana, do qual não se pode prescindir. Em Murilo, não se vê uma postura desrespeitosa para com a tradição religiosa, tão pouco, uma postura propagandística, há, sim, uma aproximação interessada no aspecto simbólico que essa experiência humana contém e mantém. Cristo, nesse sentido, figura em “Tempo e eternidade” como o Poeta, com P maiúsculo, capaz de efetivar-se como Verbum na história humana. Junto de outros artistas e intelectuais, Murilo Mendes vai se dedicar, a partir do Centro Dom Vital, a ser um poeta e um homem moderno sem prescindir do núcleo de sentido que o cristianismo é.

– Você conta no livro que Murilo Mendes nasceu em uma família de católicos praticantes. No entanto, com a morte de Ismael Nery, um católico essencialista, e por quem Murilo nutria uma grande amizade, o poeta experimenta uma espécie de conversão, conforme relata Pedro Nava. Como se deu essa conversão e de que maneira o essencialismo influenciou a obra de Murilo Mendes?

A morte de Ismael Nery aprofundou em Murilo Mendes uma crise religiosa que lhe traria uma nova percepção existencial. Pedro Nava relata isso com clareza e detalhes em “O círio perfeito”. No velório do amigo, o aparente surto por que Murilo passou metamorfoseou-se em uma profunda convicção acerca da fé cristã três dias depois, ao sair do Mosteiro de São Bento, no Rio de Janeiro. Apesar da força das imagens, penso que o processo de volta ao cristianismo, por parte de Murilo Mendes, deu-se de modo gradativo, nas constantes e profundas conversas que tinha com o amigo, um “ente magnético”, propositor do essencialismo. Leila Barbosa e Marisa Timponi detalham, em “Ismael Nery e Murilo Mendes: reflexos”, a profundidade da relação e da amizade que os dois artistas nutriam. Quanto ao essencialismo, a abstração do tempo e do espaço deu a Murilo possibilidades ricas para uma elaboração estética atualizada com as propostas modernas e densamente vinculadas com a força do símbolo e do mito.

– A conjugação entre o sagrado e o profano na obra de Murilo Mendes revela algum tipo de conflito no poeta?

Manuel Bandeira dizia que Murilo Mendes era “conciliador de contrários”. Ainda que, para Roger Caillois e Mircea Eliade, por exemplo, a concepção religiosa de mundo seja derivada da oposição entre o sagrado e o profano, em Murilo Mendes, as fronteiras desses elementos se tornam porosas. Esse traço é uma das forças da poética muriliana, é uma de suas assinaturas, trazendo o eterno ao que é temporal.

– E os traços religiosos permanecem nas obras subsequentes?

A criação poética, na obra de Murilo Mendes, não deixa escapar a potência do universo religioso. Foi com base nessa percepção que avancei nos estudos, com o doutorado, aprofundando a compreensão acerca da religião que a poesia muriliana aciona e lê. Em entrevista a Homero de Senna, Murilo afirmou: “Depois da minha conversão ao catolicismo, passei a me interessar sobretudo pela obra dos filósofos e pensadores, e, destes, principalmente Platão, Pascal, Kierkegaard e Novalis hão de ter influído em meu espírito. Sem falar no Novo Testamento, que é a minha leitura predileta.”. Como desprezar ou deixar de considerar em relevância para a leitura da poesia muriliana o traço religioso que, ao poeta, era tão caro?

“O teólogo alemão Karl-Josef Kuschel, em sua obra “Os escritores e as escrituras”, contextualiza bem esse debate no universo europeu. Para alguns, a fé cristã seria um mau princípio estético, para outros, asseguraria valores incontestes à própria natureza da arte. Murilo Mendes fez poesia de excelente e reconhecida qualidade, mesmo que alguns desprezem seus poemas que dependem da temática e do discurso religioso para serem lidos honestamente.”

– Essa conversão chegou a ser vista como um agente limitador da poesia de Murilo Mendes?

A melhor maneira de compreender os efeitos dessa experiência religiosa que Murilo Mendes experimentou e assumiu é ler “O eterno nas letras brasileiras modernas”, publicado na revista “Lanterna Verde”. No Brasil, percebo que a questão se agrava em virtude da incompreensão que se tem do fenômeno religioso em relação às artes e da herança positivista que nutre boa parte da nossa vida acadêmica. O teólogo alemão Karl-Josef Kuschel, em sua obra “Os escritores e as escrituras”, contextualiza bem esse debate no universo europeu. Para alguns, a fé cristã seria um mau princípio estético, para outros, asseguraria valores incontestes à própria natureza da arte. Murilo Mendes fez poesia de excelente e reconhecida qualidade, mesmo que alguns desprezem seus poemas que dependem da temática e do discurso religioso para serem lidos honestamente.

“Ao elaborar uma coleção didática, eu penso nos alunos, na situação real de aprendizagem que se estabelece no universo da escola, eu penso na sala de aula.”

– Vou mudar de assunto e falar um pouco sobre seu trabalho como autor de livros didáticos. Como professor de Língua Portuguesa, o que te levou a produzir livro didático?

A escrita de livros didáticos, para Ensino Fundamental Anos Finais e Ensino Médio, partiu de um convite de uma amiga professora, Cláudia Miranda, que já tinha anos de experiência nesse segmento. Ao elaborar uma coleção didática, eu penso nos alunos, na situação real de aprendizagem que se estabelece no universo da escola, eu penso na sala de aula. É diferente escrever obras didáticas quando se está em sala de aula e se pensam as atividades a partir dessa realidade. Mesmo havendo aspectos curriculares que devem ser seguidos, é muito bom criar propostas pedagógicas para orientar práticas de leitura, interpretação e escrita apoiadas em textos que temos o privilégio de ler, explorar e compartilhar com alunos e professores do país. Ao escrever o livro didático, cultivo a esperança de contribuir com a formação de cidadãos hábeis em ler, escrever e usar a língua socialmente.

“É urgente assegurarmos a qualidade da leitura e da escrita no Brasil, com a perspectiva de promover a prática social da linguagem para promoção, cada vez mais, de cidadania e de justiça social.”

– E como você avalia a qualidade dos livros didáticos brasileiros?

Há de tudo um pouco em nosso tempo. E isso é bom. Penso que, nos últimos anos, a qualidade do livro didático brasileiro tem crescido. O PNLD tem sido um meio de assegurar essa qualidade e dar bons exemplos. É muito bom pensar que há a possibilidade de materiais de excelência chegarem às escolas do país. A política que se construiu para acesso a materiais didáticos é algo que deve ser preservado, pois muito contribui a partir do acesso a materiais de qualidade. É urgente assegurarmos a qualidade da leitura e da escrita no Brasil, com a perspectiva de promover a prática social da linguagem para promoção, cada vez mais, de cidadania e de justiça social.

Sala de Leitura com Edson Munck Jr. – Sábado, às 10h20, na Rádio CBN Juiz de Fora (91,3 FM).

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“O verbo e o verso”

Autor: Edson Munck Jr.

Editora: Appris (158 páginas)

Para quem tiver interesse em adquirir “O Verbo e o Verso” e estiver em Juiz de Fora, basta entrar em contato, com o próprio autor, nas redes sociais.

Para quem está fora de Juiz de Fora, os links a seguir têm venda on-line:

https://www.editoraappris.com.br/produto/3191-o-verbo-e-o-verso-uma-leitura-de-tempo-e-eternidade-de-murilo-mendes

https://m.livrariacultura.com.br/p/livros/literatura-nacional/teoria-e-critica-literaria/o-verbo-e-o-verso-2112118530

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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