Carla Madeira: ‘O que estou fazendo é investigando a existência humana’

Carla Madeira conversa com a coluna Sala de Leitura. Ela é a convidada do próximo encontro do Clube de Leitura do CCBB Rio, onde, no dia 9 de julho, será discutida a obra "Tudo é rio"

Por Marisa Loures

Carla Madeira Foto Cristina Cortez Divulgacao
Carla Madeira conversa com a coluna Sala de Leitura. Ela é a convidada do próximo encontro do Clube de Leitura do CCBB Rio, onde, no dia 9 de julho, será discutida a obra “Tudo é rio” – (Foto: Cristina Cortez/Divulgação)

O narrador não poupa a prostituta despudorada apresentada na primeira cena do livro. Ele é bruto com ela. “Puta. Não tem outro nome para Lucy. De profissão ela era puta mesmo.” Contudo, em outras passagens, a linguagem empregada por ele é repleta de beleza, de suavidade e de poesia. A personagem a qual me refiro é aquela que se meteu no meio do amor de Dalva e Venâncio, de “Tudo é rio” (Record, 210 páginas), o livro de estreia de Carla Madeira.

Não tenho a pretensão de achar que essa obra seja uma novidade para os leitores e leitoras desta coluna. Na verdade, prefiro acreditar que ela não seja. Prefiro acreditar que ela já tenha sido lida e relida por todos que me leem. Afinal de contas, como diz Martha Medeiros na orelha da publicação, “Tudo é rio” é um “daqueles livros que, ao ser terminado, dá vontade de começar de novo, no mesmo instante, desta vez para se demorar em cada linha, saborear cada frase.”

Conversei com Carla Madeira, por telefone, na última quarta-feira. Falamos sobre “Tudo é rio”, “Véspera” (Record, 280 páginas), “A natureza da mordida” (Record, 240 páginas) e um novo livro que está nascendo. Ela é a convidada do próximo encontro do Clube de Leitura do CCBB Rio, que ocorrerá no dia 9 de julho, a partir das 17h30, na Biblioteca do Centro Cultural do Banco do Brasil, com entrada gratuita.

Marisa Loures – Em “Tudo é rio”, que é seu livro de estreia, você mergulha na zona de sombra do ser humano, com uma linguagem que alterna entre beleza e brutalidade. A linguagem parece fluir como o próprio rio do título, ora suave, ora como uma correnteza. Houve algum momento em que você precisou se afastar da dor desses personagens para continuar escrevendo?

Carla Madeira – Marisa, comecei a escrever “Tudo é rio” muito despretensiosamente. Não sabia que seria um livro. Não foi assim, “ah, vou escrever um livro”. Fiquei muito interessada nessa prosódia, justamente nessa textura, nessa linguagem. Comecei a história pela história da Maria, das três Marias que têm na história, que são criadas por Francisca, que depois se tornou um pedacinho pequeno do livro que foi publicado, mas eu comecei escrevendo a história dessas Marias. E muito mais interessada nessa prosódia, nessa sonoridade, achando lúdico aquilo de encontrar essa voz, esse narrador que vai sendo contaminado, contagiado pela voz da personagem que ele narra. Eu estava um pouco nessa experiência. E, quando eu estava gostando de fazer aquilo, não sabia se seria um conto, se seria só alguma coisa que iria para a gaveta mesmo, senti a necessidade de me afastar daquela história, porque eu tinha esgotado o que poderia acontecer ali naquele núcleo das Marias, e comecei a escrever a história de Lucy. Assim, com uma vaga ideia de como eu faria as histórias se cruzarem. Aí comecei a escrever a história de Lucy, eu parto sempre do acontecimento, daquela prostituta que tem todo mundo que ela quer e se incomoda tanto por não ter exatamente aquele homem que ela quer. E é uma coisa já tão usada na literatura, na psicologia, nas novelas, você querer quem não te quer. É quase uma questão psicanalítica mesmo. E aí, que mulher é essa? Por que ela está tão obcecada? E que homem é esse? Que homem é esse que se recusa a uma promessa de gozo, né? Uma promessa tão grandiosa de gozo! E aí, quando estava em meio a essas perguntas, escrevi a cena violenta do Venâncio com o filho. E essa cena me paralisou por 14 anos. Parei de escrever por 14 anos, mas aquilo ali toda hora voltava. Eu falo que parei de escrever, mas a história não parou de ser escrita. E aquilo vira e mexe me perturbava. Por que isso me perturbou tanto? E aí, num dado momento, voltei para esse livro. Aí, eu já tinha tido dois filhos, já estava no meu segundo casamento. E, quando voltei para o livro, eliminei todo esse início e voltei justamente naquela parte que tinha me paralisado. E aí eu voltei a escrever. Então, eu aprofundei nessa coisa do narrador, nessa linguagem do narrador, que, quando ele está narrando sobre Lucy, ele é cru, não amacia, não é implícito, ele é explícito.

– E ele já começa o livro de um jeito muito cru, né? A primeira palavra é “puta”…

– Exato. Eu acho que ele começa assim porque, na verdade, eu não comecei assim. Comecei o livro de outro jeito. Isso aí foi depois, quando eu retornei ao livro. E, quando eu retornei, retornei naquele capítulo de uma palavra só, a palavra “dor”, que tem muito a ver com quase um ritual de retorno mesmo. E, quando uma dor é muito intensa, não tem a ajuda das palavras. A palavra já ajuda a dor a se dissipar. Quando é uma dor muito forte, não tem o auxílio da linguagem, do simbólico, daquela dor ali. Por isso eu quis fazer um capítulo com uma palavra só. E aí, eu acho que o narrador vai se apropriando do sentimento e da linguagem daquilo que ele está narrando, de quem ele está narrando, sobre quem ele está narrando.

– Quando retorna ao livro, você cria aquele desfecho inesperado, o que, num primeiro momento, parece desafiar a lógica punitiva. Você ficou tão chocada com essa cena e, ao voltar a escrever, traz o perdão para a história. Como surgiu esse final?

Sim. Primeiramente, acho que perdoar não é o contrário de punir. Você pode punir e perdoar. Acho que, naturalmente, ali é uma punição. O Venâncio vive uma espécie de punição, porque tem um ponto em que Dalva assume as rédeas daquela situação, e é ela quem determina como aquilo vai ser encaminhado. É o tempo dela. E ela vive uma profunda paralisia, a paralisia do ódio. O perdão, eu acho que ele entra nesse lugar. O perdão não é uma situação de esquecimento. Talvez seja uma situação de sair das mãos do agressor. Se você é agredido, você odeia uma pessoa e você a odeia todos os dias, a agressão se repete todos os dias. Então, perdoar é uma coisa muito importante para a vítima. Às vezes, numa situação real, o perdão vai numa camada que a justiça não alcança. O perdão alcança um lugar que a justiça não alcança. Você pode punir uma pessoa violenta que, sei lá, fez um ato hediondo, um feminicídio, uma coisa assim. Essa pessoa tem a pena máxima que a justiça determina, no entanto, as vítimas, as famílias, as pessoas envolvidas naquela dor, que foram violentadas, elas têm uma dor para lidar, elas têm um ódio para lidar. Então, o perdão entra muito nesse lugar. Eu costumo dizer que há uma certa contabilidade entre lembrar para que não se repita e esquecer para não atualizar a dor ao se lembrar.

tudo e rio

– Quando converso com alguém sobre “Tudo é rio” e mencionamos o final, sempre há quem se sinta revoltado com o desfecho da história. Você costuma receber esse tipo de feedback?

Claro! Isso é uma questão superpolêmica do livro. É uma questão polêmica e muito importante, porque ela se transforma numa ocasião de você conversar sobre isso. Acho que todas as pessoas que ficam muito incomodadas com o perdão, porque é este o grande incômodo, como é que você perdoa uma coisa tão imperdoável? E, na verdade, a ideia de perdão só faz sentido diante de uma questão imperdoável. O perdão diante de uma questão banal talvez seja uma questão de você conversar, de você entender a situação, avançar, compreender um contexto etc. Mas o perdão de uma coisa hedionda, imperdoável, o perdão só faz sentido nessa perspectiva. Então, isso é um assunto sobre o qual existe uma grande reflexão na filosofia: o que é o significado de perdão? E as pessoas que ficam muito incomodadas, geralmente, acreditam que o perdão é impunidade. Normalmente, elas fazem este raciocínio de o perdão ser impunidade. O perdão não é impunidade. O perdão é Dalva sair da paralisia, conseguir retomar a vida dela. E como é que ela vai retomar a vida dela? É outra coisa que eu sinto que provoca uma discussão. Ela vai voltar a viver com o Venâncio? Não sei. Vai? Isso é uma pergunta que fica em aberto. Vai embora, vai fazer a mala, vai entrar lá para dentro e ele vai ficar puto com ela e vai ter outra cena de violência, porque ela o deixou achar que aquele menino estava morto durante anos, e isso foi um sofrimento terrível para ele também? O que vai acontecer depois? Então, eu já ouvi pessoas falando que o final não é aberto porque Deus está de volta. Mas Deus não é um lugar de certeza. Deus é um lugar de esperança. Então, tem ali um final em aberto para dizer o seguinte: a questão do perdão não é continuar vivendo com ele. A questão do perdão é ser capaz de retomar a própria vida. Sair das garras do ódio que paralisa a gente.

– Em “A natureza da mordida”, o encontro entre Biá e Olívia muda a vida das duas. Em “Tudo é rio”, o encontro com Lucy transforma a vida de um casal. Já em “Véspera”, um único acontecimento colapsa o cotidiano. Que importância você dá ao instante do encontro como força narrativa?

 Acho que o encontro é a base de toda a nossa história como indivíduo, como sociedade, como humanidade. Tudo no homem nasce dos encontros. A própria fecundação é nesse lugar. Precisa existir um encontro de duas coisas que vêm de corpos diferentes. Acho que isso é claro. Eu, sozinha, não produzo uma vida. Então, é preciso existir um encontro. E, nessa perspectiva, acho que sou muito pega por essa dimensão desse primeiro encontro, que é do sujeito no ambiente em que ele nasce, na sua família, no lugar onde ele vai ter as primeiras trocas, onde ele vai ter as primeiras noções do que é um mundo legal ou não, onde ele vai ter as primeiras noções de afeto, ou não, onde ele vai ter uma vivência de abandono ou de cuidado. É o primeiro território. A gente começa absolutamente dependente, a gente nasce completamente dependente, e a gente depende absolutamente desses encontros e da natureza disso. E é isso que nos constitui. Então, para mim, na minha obra, sempre parto do acontecimento. E o acontecimento, normalmente, está ligado a uma dinâmica de encontro.

 

– “Tudo é rio” surge a partir de um acontecimento, e esse acontecimento foi aquela imagem forte do pai jogando a criança na parede. Que acontecimento gerou os outros dois livros?

 No caso do “Tudo é rio”, foi exatamente isso. Foi a partir desse acontecimento. No caso de Biá e Olívia, é o encontro das duas. Um encontro onde existem, de cara, sem eu saber ainda o motivo, mas existem duas pessoas que se encontram, de idades diferentes, mas em profundo sofrimento. Então, o acontecimento é isto: é um encontro casual entre duas pessoas em profundo sofrimento e que, por um absoluto acaso, começa a acontecer uma empatia, uma escuta, um perceber que o outro está em sofrimento e se colocar disponível para o outro. Para ouvir. E, aí, nasce toda a história. Mas, quando eu comecei, eu não tinha muita ideia. Eu nunca tenho muita ideia para onde a coisa vai. No caso de “A natureza da mordida”, foi isso. Já no caso de “Véspera”, eu tinha duas questões fortes, mas ainda não sabia como iria amarrar essas duas coisas. Foram pensamentos que começaram assim: um foi a cena, que é o acontecimento, que é aquela mulher exausta, vindo de uma relação violenta, que abandona o filho. Esse é um acontecimento. Que mulher é essa? Por que ela faz isso? Por que ela está tão exausta? Por que ela tem uma relação tão ruim com esse marido dela e que a leva a um ato extremo? Uma exaustão que a leva a um ato extremo. Que exaustão é essa? Ao mesmo tempo, eu tinha, de uma maneira muito forte, na minha cabeça, e eu quis acolher, quis escutar, a história do mito de Caim e Abel. E eu comecei a pensar: por que essa história de Caim e Abel está aparecendo toda hora? Então, comecei a me debruçar sobre esse mito do Caim e Abel, o mito bíblico. Na hora em que entendi que esse mito trata justamente da ideia de rejeição, talvez seja a primeira ideia, a primeira história sobre rejeição dessa nossa matriz ocidental, dessa coisa que vem da Bíblia, eu falei: “gente, tem uma relação muito profunda essa história do abandono, porque, na história de Caim e Abel, Deus rejeita a oferenda de Caim. E é essa rejeição que provoca a raiva e a violência.” Fiquei pensando: “Gente, isso é uma coisa que quase todo sentimento de raiva, talvez, comece numa situação de rejeição.” Isso começou a fazer sentido para mim, comecei a pensar nisso. E aí fui construindo.

Vespera

 

– Você falou sobre a personagem que sofre violência doméstica em “Véspera”. Em “Tudo é rio” isso também está presente. Na verdade, a violência doméstica e o machismo, as complexidades das relações humanas, estão presentes nos seus três romances. Mas você não trabalha essas questões como se fosse um discurso panfletário. Qual é o caminho que você percorre para não transformar a sua literatura em panfletarismo?

O primeiro passo é este: quero olhar para esse sujeito, para esse mal, e entender por que ele está ali. Qual é a história desse mal? Porque eu acho que a violência não começa no ato violento. Ela começa muito antes. Então, me interessa muito entender esse ciclo, essa corrente de violência que a gente vai perpetuando na nossa sociedade. Por que nós somos um país tão violento? Por que nós temos tanta violência contra a mulher? De onde vem isso? Porque senão fica parecendo que aquele sujeito é um monstro, que ele não veio de lugar nenhum. Ele nasceu monstro. Ele é um monstro que apareceu aqui. E a gente encontra um monstro que aparece, e a gente não pode fazer nada. Mas, se for um sujeito, se for uma pessoa que tem potência de bem e de mal desde que nasce, talvez a gente possa começar a mudar isso. Então o que me interessa é olhar para essas forças de bem e de mal e tentar entender como é que elas vão se arranjando. Eu digo que não estou fazendo um livro de boas práticas. Não é um manual de boas práticas. Não é a história da vida perfeita, das pessoas perfeitas. O que estou fazendo é investigando a existência humana. Do que nós somos capazes de fazer para o bem e para o mal? E quais são as circunstâncias que podem nos enredar e nos levar a um lugar extremamente violento? É um lugar de investigação. Eu acho que esse é o papel da literatura. É uma exploração do “e se.” E se? É romancear para esse lugar. É se colocar possibilidades de olhar para a existência e, com isso, poder olhar para o mal. Poder olhar para o mal, e isso talvez nos dê a chance de elaborar, evoluir, mudar o mundo em que a gente vive, porque nada do que está nos meus livros está nos meus livros. Está na realidade. A agressão está na realidade. Depois que escrevi “Tudo é rio”, soube de casos de pais que tiveram ciúmes de suas mulheres amamentando e foram violentos com os filhos. Mataram recém-nascidos. Então, isso não é uma invenção. Eu costumo dizer que há certas coisas que só a realidade sabe imaginar.

– E é por isso que muitos se reconhecem nas suas histórias. Elas trazem questões que acontecem na realidade…

São questões que a gente vê acontecendo, e a gente precisa olhar para elas. Pelo menos, para mim, como escritora, o meu interesse de olhar para elas não é para formular um manual de boas práticas. Acho que tem gente muito mais preparada para lidar com isso nessa dimensão da melhor maneira de conduzir. O que eu acho bom que esteja acontecendo é que os meus livros estão se tornando uma ocasião de discutir essas questões. E isso é muito bom. Que a gente possa discutir e, quem sabe, que a gente consiga avançar. Se eu puder dar uma contribuição nesse lugar, eu vou ficar muito feliz.

– Carla, você comentou que está na expectativa pelas ressonâncias que o “Tudo é rio” pode provocar nos participantes do Clube de Leitura do CCBB. Gostaria de te ouvir falar sobre o lugar que essas ressonâncias ocupam no seu processo criativo e na sua relação com o leitor.

Acho que, no processo criativo, é preciso tentar ao máximo, por mais difícil que seja, deixar todas essas vozes do lado de fora. Não dá para levar o mundo de fora para dentro na hora em que estou criando. Tenho que encontrar a minha voz, tenho que encontrar coisas que eu tenho aderência, que fazem sentido para mim, e escapar, na medida do possível, do constrangimento que é imaginar o leitor do lado de fora. Porque aí eu vou imaginar: “ah, esse vai gostar disso”, “esse não vai”, “esse vai gostar daquilo”, “eles vão achar isso ruim” etc. Isso não pode, porque, senão, não tenho uma certa liberdade para contar uma história a partir da minha subjetividade. Então, nesse momento, não vão comigo essas ressonâncias. Pelo menos, eu me esforço para que isso não aconteça. Tanto para o bem quanto para o mal. Porque é isto: tem gente que gosta, tem gente que não gosta, e está tudo certo. Agora, depois que o livro está pronto, quando ele não é mais meu, quando ele é do leitor, que vai ter a experiência particular, porque a experiência da leitura é uma experiência solitária, e você vai para essa experiência com os seus recursos, com a sua história, com os seus traumas, com os seus preconceitos. Você lê uma história, e a sua experiência é única com aquela história, né? E se ela é rica para você, é isso que é legal. E se ela mexe com você, se ela faz você produzir sentido, se ela te emociona ou se ela te provoca em algum lugar… “Não, com isso eu não concordo”, “quero pensar sobre isso”, “quero falar sobre isso.” Que maravilha! Acho que é isso. Então, eu gosto de ouvir as ressonâncias. Naturalmente, eu não gosto de ser agredida, mas eu respeito demais a experiência do leitor e o que acontece para ele. Como é para ele. E se para ele: “não, não percebo dessa forma”, está bom, está certo. Você é o leitor. Isso aí é seu território. Assim como escrever é o meu território, ler é o território do outro. Não dá para você dizer a uma pessoa: “pô, essa música que você gosta é péssima”, “você gostou desse filme? Esse filme é péssimo”. Claro, mas a pessoa viu de outra forma. A viagem dela foi outra. Então, isso é da riqueza dessa literatura.

– E você está trabalhando em outro romance. Já pode falar um pouquinho sobre ele?

Posso contar muito pouquinho. Na verdade, a questão central do livro vai ser uma mãe que denuncia o filho. Então, eu vou, de novo, mais uma vez, numa aventura no universo familiar. É uma polifonia. Dessa vez, eu vou, talvez, radicalizar um pouco mais aquilo que comecei a trabalhar em “Tudo é rio”, que é esse narrador que pega a voz da personagem. Agora, na verdade, personagem e narrador vão se juntar para contar essa história. Vão passar um para o outro, de diferentes maneiras, o bastão de seguir contando a história. Então, estou trabalhando nessa linguagem. Outros autores já trabalharam também nisso. Não tenho a pretensão de ser a primeira pessoa a fazer isso, mas estou tentando fazer do meu jeito. E é essa história. Essa história de uma mãe que denuncia um filho, e aí a gente vai ver o que aconteceu antes, o que aconteceu durante,  o que aconteceu depois. Tem um protagonismo feminino grande. São muitas mulheres no livro novo, mas tem esse homem e tem também o pai dele.

a natureza da mordida 2

– Carla, depois do impacto que seus livros anteriores causaram nos leitores, você sente alguma pressão, interna ou externa, para manter esse nível de ressonância?

Acho que, externamente, tem muita expectativa do que vai ser o próximo livro, né?  Está todo mundo que conhece a minha literatura, que já me leu e que acha que eu sou uma autora que vale a pena ler, com muita expectativa. E as pessoas me falam isto:
“Nossa, quando vai ser? Eu quero que seu novo livro saia. Estou louca para ver!” Enfim, é mais trabalhoso deixar tudo isso do lado de fora. Com “Tudo é rio”, não tive trabalho nenhum, porque não sabia que as pessoas leriam o meu livro. Não tive medo de nada. Talvez por isso seja um livro tão corajoso em alguns lugares. Com os outros dois livros, também não tive, porque “A natureza da mordida” também foi escrito logo na sequência, e “Tudo é rio” ainda não tinha estourado tanto. Depois veio “Véspera”, e tinha a pandemia. Tinha tanta coisa ali quando eu estava escrevendo, e eu também consegui me isolar muito. Esse livro agora, de fato, está sendo o primeiro livro que eu estou escrevendo com uma história já mais consolidada. Consolidada não. Não gosto dessa palavra. Mas uma história como escritora já mais robusta. Eu acho que são três livros muito diferentes. Tem o meu estilo de narrar, eu acho. Mas são livros bem diferentes. Tem um traço meu também. Acho que já estou começando a perceber isso. Tem um certo jeito de falar. Em “A natureza da mordida”, tem uma psicanalista, que tem toda uma linguagem da psicanálise. Tem uma jornalista, que tem um texto muito mais reto, muito mais objetivo, muito sem adjetivo. Então, tem isso. Mas alguma coisa eu tenho minha nos três livros. Então, acho que nesse próximo também não vou escapar. Sobre o sentimento de uma pressão, tem sido mais trabalhoso me isolar tanto porque tenho muitas demandas hoje como autora, o que eu não tinha antes. Agora, eu tenho de participar de conversas. Então, estou o tempo todo ouvindo o leitor, conversando mesmo. Então, é mais trabalhoso me escutar: “O que eu quero?” Agora, essa dimensão do sucesso… É lógico que desejo que o livro fique bom. Quero que o livro fique bom no sentido de o leitor gostar, mas só vou publicar se eu gostar. Tenho os meus três livros anteriores e só publiquei porque são os livros que eu queria escrever. Então, no meio desse barulho, o que eu tenho tentado é me ouvir. Sabe? Qual é a minha adesão? Qual é a história que eu quero contar? Está contado do jeito que eu quero? Está. Então aí eu vou publicar.

 

Clube de Leitura do CCBB Rio

Bate-papo com Carla Madeira

Dia 9 de julho, a partir das 17h30, na Biblioteca do Centro Cultural do Banco do Brasil, com entrada gratuita.

Os ingressos devem ser retirados na bilheteria do CCBB RJ ou pelo site.

 

 

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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