Seriados em série, parte 4: Luke Cage é o nosso herói

Por JÚLIO BLACK

Oi, gente.

Provavelmente o ah migo leitor e a ah miga leitora já devem ter “matado” os 13 episódios de “Luke Cage” no Netflix há mais tempo que este escriba retardatário, mas sempre existem os desavisados e aquela figura que sempre pergunta: “E aí, qual série tu recomendas?”. Pois bem: o seriado com o super-herói da Marvel é das melhoras coisas feitas para a TV este ano.

A nova série da dobradinha Marvel/Netflix, sequência do sucesso obtido com “Demolidor” e “Jessica Jones”, tem óbvias ligações com suas antecessoras – até porque a Marvel amarra todos os seus produtos num pacote – e é mais um passo para a reunião dos heróis em “Os Defensores”, mas ao mesmo tempo trilha seu próprio caminho, sendo mais “solar”, “musical” em sua essência, aproveitando para lidar com temas sociais contemporâneos que nem sempre cabiam nos outros programas.

Para melhor entender o sucesso, comecemos pelo protagonista. Luke Cage surgiu nos anos 70 como uma aposta da Marvel para aproveitar a onda da blaxpoitation, movimento de valorização da cultura negra nos Estados Unidos que teve como ícone máximo o personagem Shaft. Se na sua origem ele tinha um jeito de “mano das ruas”, cheio de gírias da época, o personagem interpretado por Michael Colter é inspirado na versão surgida a partir da série em quadrinhos “Alias” (que serviu de base para “Jessica Jones”) e que passou a integrar os Novos Vingadores do roteirista Brian Michael Bendis. Mas o Luke Cage da telinha é ainda mais sério, taciturno, carregando o peso das tragédias do passado e a noção da responsabilidade de ter que proteger os moradores da sua comunidade, o Harlem, dos criminosos e da polícia – quando esta passa a agir como temos visto nos últimos anos na terra de Obama, atirando e matando suspeitos primeiro para perguntar depois.

Outro trunfo da série fica por conta dos personagens coadjuvantes. Diversos nomes que passam pelos 13 episódios são versões de figuras que já apareceram nas HQs, como Boca de Algodão, Kid Cascavel, Shades, Mariah Dillard e Misty Knight, e os atores escolhidos para os papéis entendem do riscado. O mesmo vale para nomes que já apareceram em “Demolidor” e/ou “Jessica Jones”, casos de Turk e Claire Temple (Rosario Dawson). Na verdade, até o próprio bairro onde se passa a história é um personagem importante, com suas ruas, pontos turísticos (o Teatro Apollo), lojas, habitantes… Assim como Matt Murdock se sente em casa na Cozinha do Inferno, o mesmo se passa com Luke no Harlem, lugar cheio de vida e música – a série, aliás, tem uma trilha sonora arrebatadora, cheia de hip hop, soul, blues e participações de artistas como Charles Bradley, Method Man, Faith Evans e o grupo The Delfonics, entre outros.

Seguindo a mesma fórmula dos outros seriados da Marvel, “Luke Cage” passa longe dos episódios procedurais. A temporada tem uma trama central que vai se desenrolando até o seu desfecho – e alguns podem considerar a série arrastada por conta disso. Há menos pancadaria gráfica que a vista em “Demolidor”, mas, assim como na série do vigilante cego, há uma variedade de subtramas que surgem e se desenvolvem aos poucos – e, nesse ponto, ela é superior a “Jessica Jones”, em que a vingança contra o Homem-Púrpura não conseguia sair do lugar em muitos momentos.

Nessa questão, o crédito vai para os produtores e roteiristas, que souberam mostrar não apenas a luta de Cage contra os criminosos que exploram o bairro como também o seu passado, sem esquecer da questão racial tão importante nos Estados Unidos. Apesar de ser um herói – ainda que relutante quanto a isso -, Luke tinha que dividir seu tempo entre o confronto com seus inimigos e a luta para provar sua inocência perante a polícia. É difícil encontrar, hoje, um produto cultural que consiga lidar com a intolerância racial e social, a brutalidade da polícia, a luta pela garantia dos direitos civis com a mesma maestria conseguida pelo seriado.

Esperamos, agora, pela chegada de “Punho de Ferro”, esboçada em um easter egg dos mais discretos ao final da temporada, além da série do Justiceiro e a formação dos Defensores. São tempos interessantes para os fanáticos por cultura pop.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

Epílogo

Como nem tudo é festa, não podemos deixar de lamentar a morte prematura de Steve Dillon, desenhista que deixou para a posteridade o seu traço simples – e ao mesmo tempo único – em séries como “Preacher”, “Justiceiro Max”, “Juiz Dredd” e “Hellblazer”. Poucos artistas conseguem criar expressões psicóticas, debochadas, de espanto e ira com talento parecido com o do artista inglês, morto aos 54 anos.

Júlio Black

Júlio Black

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