‘The Queen is dead’, 30 anos

Por JÚLIO BLACK

Oi, gente.

Não sei a idade da ah miga leitora ou do ah migo leitor, mas acredito que alguns – assim como este que vos escreve – eventualmente já pararam ou vão parar para refletir sobre o veloz e silencioso passar do tempo. É se tocar, por exemplo, que o Michael Phelps havia conquistado 14 medalhas de ouro na natação com apenas 23 anos, em 2008, e que você (eu) sequer sabia nadar na época – algo que não mudou até hoje. Ou, concentrando-se em coisas mais próximas ao seu universo em nosso querido 2016, na reta de chegada dos 43 e aguardando a chegada do herdeiro, perceber que aqueles álbuns que você viu nascer e amou profundamente (“Mellon collie and the infinite sadness”, do Smashing Pumpkins; “Nevermind”, do Nirvana etc.) já são clássicos, distintos senhores musicais com mais de 20 anos de vida. E nesta lista entra, é claro, “The queen is dead”, clássico supremo do The Smiths que chegou ao trigésimo aniversário de nascimento no último dia 16.

Produzido por Johnny Marr e Morrissey, “The queen is dead” é considerado por muita gente o ápice criativo dos Smiths, tanto que o álbum costuma vencer eleições de “melhores discos de todos os tempos” ano sim e outro também, principalmente na Inglaterra. E não é por menos: às turras com a gravadora Rough Trade e parte da imprensa, em meio ao governo conservador de Margaret Thatcher e mais afiado que nunca em suas críticas à monarquia britânica, Morrissey escreveu algumas de suas melhores letras, enquanto Johnny Marr mostrava porque era um dos maiores guitarristas de sua geração.

Uma das mais poderosas canções dos Smiths em seu curto período de existência, a faixa-título era um ataque irônico e impiedoso à rainha Elizabeth II, ao príncipe Charles e a toda a corte de Buckingham, com a mesma pungência vista anteriormente apenas com os Sex Pistols, sem esquecer da devastação promovida pela “dama de ferro” Thatcher na sociedade inglesa. A diferença a favor dos Smiths em relação aos Pistols é a guitarra de Marr, simplesmente imbatível, e a base fornecida pela dupla Andy Rourke (baixo) e Mike Joyce (bateria), que fazem de “The queen is dead” vibrante e inesquecível. Os versos de Morrissey sonhavam com uma rainha enforcada (“Sinto muito / Mas isso parece uma coisa maravilhosa”), um príncipe Charles convertido ao travestismo, e conseguiam combinar o humor (“Então entrei no palácio / Com uma esponja e uma ferramenta enferrujada / Ela disse: ‘eu te conheço, e você não sabe cantar’ / E eu disse: ‘Isso não é nada, você devia me ouvir tocando piano'”) com um misto de melancolia e solidão (“A vida é muito longa quando se está sozinho”).

“The queen is dead” ia além da faixa-título em sua provocação generalizada, geralmente embalada por um humor ferino. É o caso da crítica à religião com o sacerdote travestido de “Vicar in a tutu”; a carta de demissão velada a Geoff Travis, dono da gravadora dos Smiths (a Rough Trade), em “Frankly, Mr. Shankly”; “Cemetry gates”, a descontraída e wildiana discussão literária em um cemitério que servia de resposta a quem acusava Morrissey de plágio; a ironia disparada à imprensa e autorreferente em “Bigmouth strikes again”; a defesa à sua obra e à sua banda em “The boy with the thorn in his side”; e a “descoberta” do corpo feminino em “Some girls are bigger than others”. São exemplos da diversidade musical de um quarteto em seu auge criativo.

Mas ainda havia mais. A melancolia que sempre acompanhou Morrissey está presente em três das mais tristes e profundas canções dos Smiths. Em “Never had no one ever”, o cantor lembra de um sonho ruim que “durou 20 anos, sete meses e 27 dias” em que nunca teve alguém. “I know it’s over”, por sua vez, Morrissey vai ainda mais fundo na dilacerante dor da solidão: “Se você é tão atraente / Por que dorme sozinho esta noite? / Eu sei… Porque esta noite é igual a qualquer outra noite”. Por último, há a devastadora “There is a light that never goes out”: inspirada em uma letra dos New York Dolls, ela é a preferida por muitos dos fãs da banda, que a consideram o derradeiro testamento musical dos Smiths, graças a versos como “Morrer ao seu lado / O prazer e o privilégio são meus”.

Com pouco mais de 37 minutos em suas dez canções, um Alain Delon “morto” em sua capa e a icônica foto em frente ao mítico Salford Lads Club na parte interior da capa dupla, “The queen is dead” ironicamente não é o álbum preferido de Marr e Morrissey, que elegem o derradeiro “Strangeways, here we come”, lançado em 1987. Mas é o trabalho mais amado por uma legião de admiradores, que surgem ainda em 2016 e são capazes de carregá-lo como um verdadeiro evangelho musical – caso deste que vos escreve, que desde que adquiriu sua cópia em vinil, no longínquo 9 de agosto de 1992, tem com “The queen is dead” uma história de amor e admiração eternas.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

Júlio Black

Júlio Black

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