Kurt Cobain

Por JÚLIO BLACK

Oi, gente.

São 18h48 de terça-feira, 5 de abril. Há 22 anos atrás, em um horário indefinido, Kurt Cobain havia decidido que era hora de abandonar o barco e deu um tiro na própria cabeça, encerrando de forma trágica e solitária a história de um dos maiores ídolos do rock – e também de sua banda, o Nirvana, que havia alcançado o estrelato e mudado os rumos da música menos de três anos antes. O mundo, porém, só foi tomar conhecimento do fato três dias depois, numa sexta-feira, quando o corpo foi encontrado na casa do artista. Ou até mesmo depois disso: eu, por exemplo, lembro que só fui saber da morte de Cobain no sábado, poucas horas antes do show dos Titãs em Volta Redonda. Estávamos em 1994, e a internet era praticamente uma abstração, logo tudo chegava ao nosso quintal com bastante atraso.

É difícil imaginar o que seria do Nirvana e de Kurt Cobain hoje. A banda poderia ter se desfeito em brigas homéricas, virado um pastiche de si mesma, ser ainda mais relevante (maior que os Beatles?), Kurt poderia ter cometido suicídio dias, semanas, meses, anos depois, ou morrido devido a mais uma overdose de heroína. Por outro lado, o passado permanece vivo na memória, e todo mundo que viveu os anos 90 tem sua história do Nirvana para contar. E eu vou contar a minha neste pequeno quadrilátero.

Tudo começou em algum momento de junho de 1990. A extinta revista “Bizz” havia lançado a famosa entrevista em que Renato Russo falava abertamente, pela primeira vez, da sua homossexualidade, e esse era o assunto do momento entre amigos, fãs da Legião Urbana e afins. Por isso mesmo, pouca gente prestou atenção numa pequena matéria sobre um tal selo de Seattle, o SubPop, que tinha em seu cast artistas como Mudhoney, Soundgarden e um tal Nirvana – que rendeu uma frase premonitória do fundador da gravadora, Bruce Pavitt: “Esses caras vão nos enriquecer”.

Ok, eu também não prestei muita atenção na matéria na época, mas a “Bizz” segue guardadinha lá em casa como relíquia arqueológica – e devidamente resgatada quando o Nirvana reapareceu na minha vida. Isso ocorreu por volta de outubro, novembro de 1991. Acho que foi novembro. Estava na casa de um amigo, em Duque de Caxias, quando começou o finado “Top 20” da MTV, e um dos videoclipes apresentados foi o de “Smells like teen spirit”. Acho que não fazia parte dos vídeos mais pedidos, era uma espécie de “sugestão da casa”. O caso é que “Smells…” foi arrebatamento à primeira vista: o peso do punk e do metal, vocais rascantes, tudo em pouco mais de quatro minutos de duração, com a banda tocando em uma espécie de high shcool dos infernos, cheerleaders sombrias e um público jovem/adolescente invadindo a quadra para pular e quebrar tudo com a banda.

Não demorou para o vídeo subir nas paradas da emissora, a música tocar nas rádios, e eu, claro, comprar o meu vinil na Americanas de Volta Redonda – doado, anos depois, para Wally, o Pássaro Madrugador, quando comprei o CD de “Nevermind”. Produzido por Butch Vig, o disco ia além de “Smells like teen spirit”, com o peso e a crueza do rock recebendo um acento pop que não desmerecia o trabalho de Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl. “Lithium”, “Come as you are” (que até meu pai, fã de Roberto Carlos, gostava), “Breed”, “Polly”, “Territorial pissing”, “Lounge act”, ajudaram a tirar do topo das paradas americanas a megalomania de “Dangerous”, de Michael Jackson, e os dois volumes de “Use your illusion”, dos eternamente superestimados Guns N’ Roses.

O mais importante, porém, é que o Nirvana conseguiu fazer – graças a “Nevermind” – com que a música dita alternativa, representada por nomes veteranos como Pixies, Sonic Youth, conseguisse sair do gueto independente e das rádios universitárias e chegasse até o grande público. É claro que a indústria fonográfica de então conseguiu, como é de praxe, transformar boa parte do grunge em perfumaria, mas pelo menos tivemos a oportunidade de conhecer a tal “classe de Seattle”, formada por Pearl Jam, Mudhoney, Screaming Trees, Soundgarden.

A lamentar, até hoje, ter perdido a oportunidade de assistir ao Nirvana no Hollywood Rock em 1993, o famoso show “desconstrutivista” promovido por Cobain e Cia. que, na época, foi motivo de horror para a Rede Globo. Registros audiovisuais da energia do grupo no palco, porém, existem aos montes, seja a catarse do sensacional “Live at the Paramount” ou o surpreendente “MTV Unplugged”, e servem até hoje como legado de uma época em que o rock recuperou o respeito perdido graças a tantas bandas de rock farofa surgidas na década anterior.

Hoje, quando o ah migo leitor e a ah miga leitora pensarem que o rock voltou a morrer, basta ouvir “Smells like teen spirit” para saber que ele continua vivo, sim senhor, mesmo que seja no seu habitat natural: um ginásio de high school nas profundezas infernais.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

Júlio Black

Júlio Black

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