Standing on a beach, Staring at the sea

Por JÚLIO BLACK

Oi, gente.

Gostar do The Cure não é difícil. É fácil, extremamente fácil. Basta ouvir alguns dos clássicos álbuns da trupe liderada pelo cabeludo Robert Smith: “Desintegration”, “Wish”, “The Top”… Mas também tenho aquela paixão especial e nada secreta por “Standing on a beach – The singles”, um daqueles casos de amor musical que podem até ficar eventualmente adormecidos, mas que de vez em quando reacendem com aquele fogo e paixão no estilo Wando de ser.

Pois é. Uma coletânea, não um álbum, mas por motivos que valem ser explicados.

Vamos lá. Coletâneas costumavam ser uma forma bem rápida e fácil (às vezes preguiçosa) das gravadoras ganharem um dinheiro a mais, principalmente na época em que os seres humanos adquiriam discos para ouvir em casa. Para o artista, porém, o retorno monetário não era lá dos mais interessantes, sem contar que reunir uma antologia musical nem sempre representa o “the best” do sujeito. Há o cantor/instrumentista/banda que passou por vários selos, a gravadora que seleciona faixas sem critério algum, coisas esquecíveis que entram apenas para encher linguiça… E sempre fica a sensação de que muita coisa relevante ficou de fora, principalmente para o neófito que não terá o devido conhecimento da obra do fulano se decidir que os “greatest hits” bastam.

Mas nem sempre é assim. A coletânea das músicas dos Beatles que chegaram ao primeiro lugar nas paradas dá uma excelente ideia da evolução musical dos quatro garotos de Liverpool. “Louder than bombs”, dos Smiths, reúne singles e lados B tão bons quanto as músicas dos álbuns oficiais, passando por hits como “Ask” e “Heaven knows I’m miserable now” e aquelas conhecidas apenas pelos fãs (“Unloveable”, que coisa marlinda de se ouvir, “Rubber ring”). E temos, ainda, as coletâneas de contexto histórico, como aquelas que reúnem em ordem cronológica os singles lançados pelo artista. Tipo os “number ones” dos Beatles.

E é nesse mesmo contexto que “Standing on a beach” (título usado nos vinis e cassetes) ou “Staring at the sea” (na versão em CD) entra na jogada. O bolachão preto apresenta 12 dos 13 singles lançados pela Cure até maio de 1986, quando “Standing…” chegou às lojas, enquanto o CD conta com o single que sobrou (“10:15 saturday night”, que fora lançado apenas na França) e mais quatro músicas dos álbuns oficiais da banda. Já o cassete reúne os compactos e seus lados B.

O que faz essa coletânea ser tão especial? Ela mostra a evolução de uma das melhores bandas inglesas de rock entre as décadas de 70 e 80. Surgido em 1976, o Cure da polêmica “Killing an arab” e “Boys don’t cry” era uma cria do pós-punk que já havia sido inoculado no DNA de diversos nomes da cena local, mas com o passar do tempo a banda enveredou por outras searas completamente distintas. “A forest”, “Charlotte sometimes” e “Other voices”, por exemplo, têm muito mais a ver com a melancolia daquilo que foi classificado como gótico, com suas batidas eletrônicas; ao mesmo tempo, o The Cure conseguia explodir os corações dos fãs com deliciosas canções pop como “In between days”, “Let’s go to bed”, “The walk” e “Close to me”.

Não poderia ser menos interessante, afinal, observar como um artista pode ser tão plural em suas ramificações musicais ao mesmo tempo em que consegue manter intacta suas raízes – o que ajudou o Cure a ser uma das bandas gringas mais populares do Brasil nos ano 80, com “Standing on a beach” vendendo centenas de milhares de cópias por aqui. Foi época em que o grupo de Robert Smith era capaz de arrastar multidões até o Maracanãzinho e, anos depois, encabeçar uma noite do finado Hollywood Rock graças a um abaixo-assinado mobilizado pelo fã-clube Catch a Cure. E foi um tremendo show, ah migos e ah migas, numa noite em que ainda rolou uma apresentação devastadora do Smashing Pumpkins.

Coletâneas caça-níqueis existem aos montes, mas “Standing on a beach/Staring at the sea” é aquela iguaria trevosa/alegrinha em que vale a pena o cidadão de bem investir seus trocados. Seja para matar a saudade dos bons tempos ou para ser apresentado ao Estranho Mundo de Robert Smith.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

Júlio Black

Júlio Black

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