Como é envelhecer na cidade?

Por Jose Anisio Pitico

O assunto envelhecimento nunca foi um tema de fácil aceitação nas sociedades e nas culturas humanas. E continua não sendo. É uma pauta polêmica, controversa e de difícil aceitação. Abrindo um pouco mais o raciocínio: o tratamento dispensado às pessoas idosas ao longo do tempo, desde que o mundo é mundo, nunca foi amigável e cortês. Pelo contrário. Pelos estudos e leituras realizadas, entendo que a humanidade tem uma enorme dívida de reconhecimento social e político com os idosos. As pessoas idosas fizeram muito mais pelos países e continuam fazendo do que receberam e recebem de gratidão e valorização.

Estudos científicos, profundos e sérios, como os da escritora francesa Simone de Beauvoir, referência clássica na Gerontologia internacional, no seu tratado – compêndio – pesado, de várias páginas – “A Velhice” – indicam que o tratamento social dispensado às populações idosas variam de lugar para lugar, de cultura para cultura, entre outras determinações sociais. Diferentemente do senso comum, que iguala e nivela todas as pessoas pela idade, sem levar em consideração vários outros fatores; um olhar mais intenso, revela para nós, estudantes da matéria, que velhices são diferentes. E para essa construção de idade na nossa trajetória de vida, várias situações concorrem na configuração desse momento: identidade de gênero, aspectos de educação, condições econômicas, sociais, culturais e ambientais, entre outras.

Envelhecer é uma condição humana muito presente nas produções de artistas, escritores, poetas e filósofos. Porque é uma dimensão que nos traz preocupações, ansiedades e incômodos na alma. Não é um assunto de fácil digestão. No meio familiar, por exemplo, a dificuldade em lidar com a idade fica presente quando começamos a contar os anos pra valer, e adquirimos a consciência de que os “muitos anos de vida”, cantados em vários “parabéns pra você”, já não são mais muitos assim.

Uma informação é muito boa: estamos vivendo mais. Ou seja, vamos morrer mais tarde, em condições normais de temperatura e pressão, como na química. O mundo está envelhecido. O envelhecimento é hoje “a bola da vez” ao se constituir em uma das grandes preocupações do sistema econômico das principais nações mundiais na sustentação financeira, de um contingente cada vez maior que chega ao sistema previdenciário de aposentadorias e pensões, em função do envelhecimento de suas populações. Quem vai pagar a conta do envelhecimento da população?

Nosso país envelhece a passos rápidos e sem ter resolvido as demandas das populações mais jovens e das crianças. Nossa cidade, conta com mais de 100 mil pessoas com a idade de 60 anos em diante. Como é envelhecer aqui? Sinceramente, eu não tenho respostas fechadas, prontas e acabadas. Pelo que observo e vejo no meu dia a dia, de contato social com boa parte da população idosa da cidade, principalmente, a velhice das classes populares, empobrecidas, eu me permito dizer o seguinte: envelhecer na cidade para muitos desses idosos, principalmente para as idosas, tem sido ficar na espreita da janela do apartamento, no centro da cidade, com um cachorrinho ou um gatinho ao lado, e enxergar o vazio de dentro da alma, pela falta de companhia de alguém querido, refletir no movimento frenético dos carros. Envelhecer na cidade, também pode ser traduzido, por almoçar sozinho – por opção – no Restaurante Popular todos os dias e sentar no mesmo lugar e reclamar com o colega do lado, quando o cardápio não está de acordo com o que gostaria de comer. Ou fazer compras todos os dias, por menor que seja o número de itens no tíquete – o importante é ir ao supermercado e ter conversa com a moça do caixa que o conhece pelo nome e o trata com o carinho que falta em casa. São necessidades humanas.

Um pouco também é assim o que acontece no atendimento público de saúde das unidades básicas. A doença mesmo é a da falta de ter com quem conversar. Com quem abrir o coração e ter alguém que o escute com empatia e respeito. As Unidades Básicas de Saúde representam mais um lugar motivador para encontrar alguém. Não temos remédios para a tristeza e nem para o abandono social, em que habitam várias pessoas idosas. Eu trabalho, desejo e sonho com uma cidade que aposte no futuro de sua gente. E que ofereça continuamente um horizonte de oportunidades e de convívio social às pessoas que, como eu, envelhecem na cidade.

Jose Anisio Pitico

Jose Anisio Pitico

Assistente social e gerontólogo. De Porciúncula (RJ) para o mundo. Gosta de ler, escrever e conversar com as pessoas. Tem no trabalho social com as pessoas idosas o seu lugar. Também é colaborador da Rádio CBN Juiz de Fora com a coluna Melhor Idade. Contato: (32) 98828-6941

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