A doença de Alzheimer é um tipo de demência, entre outras existentes, que pode acometer algumas pessoas idosas, embora, com pouca frequência, também é diagnosticada em pessoas de menos idade. No cinema, o filme “Para sempre Alice”, drama de 2015, direção de Richard Glatzer, mostra a professora protagonista sendo cuidada com a doença de Alzheimer, não tendo ela 60 anos. Essa doença vem ganhando destaque midiático, porque várias personalidades públicas, artistas e outros famosos são entrevistados falando sobre o diagnóstico e o tratamento do Alzheimer. Com toda essa repercussão aumenta o interesse, os estudos e os comentários sobre a doença, que está cada vez mais presente no nosso cotidiano. Em nossa casa.
Na minha, está há 11 anos. Trata-se de uma doença degenerativa, que avança em fases, em estágios, até levar as pessoas idosas nessa condição a uma dependência total para a gestão de suas atividades de vida diária: alimentar-se; fazer higiene pessoal; transferir-se de um lugar para outro na casa; atender telefone; controlar finanças pessoais; ir à feira; e outras atividades que vão deixando de serem feitas por incapacidade funcional, física e psicológica. Torna-se uma doença de toda família. As relações familiares ficam mobilizadas emocionalmente com a presença de uma pessoa idosa com Alzheimer.
A mudança de comportamento da pessoa idosa com o progresso da doença traz muitos transtornos na dinâmica familiar, traz reações e sentimentos até então inimagináveis. Por ser o cuidador, um membro da família, a relação que se estabelece nesse cuidado é muito próxima, íntima e tênue. E é ameaçadora a estabilidade que se deseja para toda família. Cuidar de uma pessoa idosa com demência, não é nada fácil. E, geralmente, o cuidado fica para a mulher. Daí a literatura especializada eleger a expressão “feminilização da velhice”. A mulher vive mais do que o homem, sendo ela cuidadora, quem vai cuidar dela já idosa? Uma outra mulher idosa, como o que hoje já ocorre.
Cadê as políticas sociais de apoio e proteção para as mulheres idosas cuidadoras de outras mulheres idosas? O cuidador familiar é tido como o cuidador informal, que cuida sem passar rigorosamente por preparação científica de estudo para o exercício da função. Diferentemente do cuidador formal, que deve ser um profissional qualificado, é o que se espera. Ele deve reunir condições subjetivas favoráveis e também adquirir e conquistar conhecimentos científicos para o exercício dessa importantíssima função social, que ganha, nos tempos atuais, mercado e significado profissional, em função do crescente número de pessoas idosas no nosso meio social. No mundo. No Brasil. E em nossa cidade.
Juiz de Fora tem mais de 90 mil pessoas com idade de 60 anos e mais. Quem vai cuidar das pessoas idosas de que estamos falando aqui? Das pessoas idosas em acelerado processo de dependência e sem autonomia para a realização de suas atividades básicas e diárias de vida. Onde estão os cuidadores de pessoas idosas? Onde se dá a formação profissional deles? Que instituições de ensino, de educação se preocupam com essa nova realidade na cidade? Diariamente sou abordado no trabalho, ou nas ruas, por alguém que precisa de um/a cuidador/a de idoso em sua família. Não temos um serviço organizado nessa direção. Se temos, ainda é muito pouco conhecido.
Na minha experiência familiar, de que me vejo como um cuidador informal, ressinto de mais apoio social e comunitário para compartilhar essa minha realidade. Essa coluna semanal me permite conversar com vocês, caríssimos leitores, até porque penso que precisamos conversar sobre o nosso envelhecimento. Esse exercício semanal tem dado bons resultados. Como a pergunta de um leitor que trouxe a seguinte questão: estou louco por desejar a morte de meu pai que tem Alzheimer? Respondo que não! Você está precisando de ajuda profissional para a sua vida de cuidador. O cuidador precisa de cuidado.
O Alzheimer deixa a gente do avesso. Sei porque tenho essa vivência desde a manhã até ir para a cama dormir.Tenho sentimentos e pensamentos os mais contraditórios possíveis: angústia e tristeza, principalmente. Sinto também liberdade. Oportunidade para praticar a aprendizagem do amor a outro ser humano, a uma outra pessoa. Cuidar de um ente querido pode ser uma experiência libertadora, que nos coloca no limite humano da existência. Comecei essa crônica de hoje, citando um filme e aproveito a chance para deixar outro aqui. O filme teve exibição nacional e aqui na cidade também. “Amor”. Outro drama, de 2013, com direção de Michael Haneke. Vale a pena conferir.
A relação do cuidador familiar com a sua pessoa idosa com demência é muito desgastante. E nós não estamos preparados para essa situação. Nem financeiramente, muito menos no plano das nossa emoções. Da nossa afetividade familiar. Meu pai está com doença de Alzheimer. E agora? O que devo fazer? Onde obter ajuda profissional? Com quem eu posso contar? É também um estado de muita solidão, mesmo no seio familiar, cuidar de uma pessoa idosa. Não estamos preparados para essa vivência de termos uma pessoa idosa da nossa família com algum tipo de demência. Por isso, caro leitor, prezada leitora, não tenho receita de bolo para oferecer. Cada caso é um caso. E estamos engatinhando no cuidado às pessoas idosas com demência, na qualificação de nossos profissionais de saúde e de serviço social e na preparação de nossas famílias.
Você não está louco por desejar a morte de seu familiar idoso. Não se culpe. Você está no auge de sua resistência para não perder a sua lucidez. Como diria Caetano Veloso, de perto, ninguém é normal.