OpiniĆ£o e responsabilidade

Por Marcos AraĆŗjo

Vivemos em uma era em que a opiniĆ£o tem tido mais forƧa do que o ato em si. OpiniƵes se transformaram em passaporte para se alcanƧar a notoriedade no mundo digital. Seus autores nĆ£o se furtam de lanƧƔ-las Ć  caƧa de likes e atĆ© dislikes. Viver a democracia Ć© ter a possibilidade de se expressar. E que bom que temos condiƧƵes para isso! Todavia, hĆ” um lado perverso neste processo. A interaĆ§Ć£o proporcionada pelas redes sociais tambĆ©m despertou assombraƧƵes, que, a toda hora e acerca de qualquer tema, saem dos recĆ“nditos para nos deixar de cabelos em pĆ©!

A palavra “espantado” serve para definir o estado em que fiquei ao me deparar, nesta semana, com duas opiniƵes publicadas na internet. A primeira Ć© o comentĆ”rio realizado pela dita digital influencer Day McCarthy, que Ć© jĆ” famosa por se envolver em polĆŖmicas nas redes sociais. Em relaĆ§Ć£o Ć  morte do cantor Gabriel Diniz, em um acidente aĆ©reo, na Ćŗltima segunda-feira (27), ela direcionou seus ataques Ć  cantora Anitta. “Que o prĆ³ximo jatinho caia com a cantora #Anitta dentro”, publicou a influencer em vĆ­deo. Claro que houve revolta dos internautas contra o discurso de Ć³dio propalado pela moƧa.

A segunda diz respeito Ć  mobilizaĆ§Ć£o realizada, em Juiz de Fora, no dia 21 deste mĆŖs, por representantes do Coletivo Liberdade e da AssociaĆ§Ć£o Juntos Somos Fortes, ambos ligados Ć  luta por melhores condiƧƵes de cumprimento de pena nas unidades prisionais do municĆ­pio. O ato teve o objetivo de chamar a atenĆ§Ć£o das autoridades e da populaĆ§Ć£o para a morte do detento ClĆ”udio Marcos MagalhĆ£es, de 39 anos, que teria falecido apĆ³s passar mal e sentir falta de ar dentro de uma cela, na penitenciĆ”ria Ariosvaldo Campos Pires, tambĆ©m neste mĆŖs.

O grupo se dirigiu ao MinistĆ©rio PĆŗblico a fim de entregar ao Ć³rgĆ£o uma representaĆ§Ć£o, solicitando a abertura de investigaĆ§Ć£o para apuraĆ§Ć£o das causas da morte de ClĆ”udio. HĆ” a suspeita, por parte de familiares, de ter havido negligĆŖncia no atendimento mĆ©dico prestado ao detento. Imediatamente apĆ³s a publicaĆ§Ć£o desta matĆ©ria, os haters de plantĆ£o comeƧaram a espalhar Ć³dio, afirmando que presos nĆ£o sĆ£o gente e que, sim, deveriam morrer, jĆ” que seriam o lixo da sociedade. Em um dos comentĆ”rios, uma pessoa disse que seria Ć³timo se uma virose acometesse os acautelados, para que houvesse mortes em massa dentro do complexo penitenciĆ”rio, numa forma de higienizaĆ§Ć£o da sociedade. Eu pergunto: onde foi parar a compaixĆ£o dessa gente que acha normal desejar a morte de outras pessoas sem ter o menor pudor? Sem considerar a dor de parentes e de amigos dos alvos de seus ataques! Falta de empatia traduzida em palavras duras contra quem jĆ” estĆ” fragilizado.

No reino das opiniƵes, “seus sĆŗditos” tĆŖm opiniĆ£o formada sobre tudo e sobre todos. Nada passa batido, e Ć© obrigatĆ³rio opinar a respeito de qualquer coisa. Essa explosĆ£o de comentĆ”rios, segundo especialistas, Ć© resultado da hiperconectividade, um fenĆ“meno que pode ser explicado tambĆ©m como o ato de se manter on-line o tempo todo. Para as empresas que controlam as redes sociais, isso rende lucros, jĆ” que, a cada preferĆŖncia exposta nas opiniƵes, o internauta Ć© transformado em produto para o marketing. E, na tentativa de traƧar um perfil completo do usuĆ”rio, ele Ć© incentivado a opinar a toda hora acerca dos mais variados temas.

Assim, tudo se tornou opiniĆ£o e se confunde com ela. O prejuĆ­zo disso Ć© a pulverizaĆ§Ć£o do que atĆ© entĆ£o tĆ­nhamos como anĆ”lises especializadas e pautadas em conhecimento e pesquisas. O que o ZĆ© NinguĆ©m pensa sobre polĆ­tica equipara-se Ć  avaliaĆ§Ć£o feita por um cientista polĆ­tico com tĆ­tulo de doutor. NĆ£o estou me posicionando contra a liberdade de expressĆ£o, mas estou refletindo sobre como a hierarquia foi jogada para escanteio e com uma grande massa passando o pano nessa questĆ£o. Uma pesquisa cientĆ­fica, por exemplo, nĆ£o pode ser questionada com achismo. Para contestĆ”-la, sĆ£o necessĆ”rios dados tambĆ©m cientĆ­ficos. Isso Ć© o que deve ficar claro para as pessoas! A existĆŖncia de autoridades em determinados assuntos serve-nos de referĆŖncia, pois senĆ£o estarĆ­amos mergulhados na ignorĆ¢ncia. No caso dos comentĆ”rios na internet, alĆ©m de promoverem essa equivalĆŖncia perigosa de opiniƵes, hĆ” a propagaĆ§Ć£o da cultura do Ć³dio, do medo e da morte, sem remorso nem peso de consciĆŖncia. Ɖ preciso dar um basta no avanƧo desta onda de rancor e resgatar nossa humanidade e usar nossa liberdade para opinar com responsabilidade!

Marcos AraĆŗjo

Marcos AraĆŗjo

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