O sonho, a fã e a ganância

Na coluna desta semana, o jornalista Marcos Araújo reflete sobre a morte da fã de Taylor Swift, a realização sonhos e a ganância humana

Por Marcos Araújo

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A história Ana Clara Benevides perdeu seu final feliz, porque ela encontrou no caminho algo que acomete a humanidade desde que sua existência passou a ser percebida na face da Terra: a ganância (Foto: Kevin Schneider/Pixabay)

Apenas 23 anos. Essa era a idade da jovem que não voltou mais para casa. Seus pais e amigos ficaram órfãos de seu sorriso, de sua companhia e da vida inteira que ela tinha pela frente para compartilhar. Se soubessem que ela jamais voltaria, teriam colocado obstáculos, mas como furtar de alguém a alegria de realizar um sonho, a sensação de viajar de avião pela primeira vez, de conhecer as maravilhas da cidade maravilhosa? Com sonho não se brinca. Precisa de extravasamento. Como dizer não para alguém tão cheia de energia e de vontade. Tão cheia de futuro. Ela não podia ser impedida. Eles jamais conseguiriam. Ela tinha juventude demais para gastar. 

A história dessa jovem fã perdeu seu final feliz, porque ela encontrou no caminho algo que acomete a humanidade desde que sua existência passou a ser percebida na face da Terra: a ganância. Só a ganância, numa sociedade que apenas visa ao lucro, poderia ser capaz de negar ao ser humano o direito imperioso de beber água. Por que mesmo depois de pagar um alto valor para assistir a um show, enfrentar filas quilométricas e horas de espera, o consumidor é proibido de levar sua própria água? Será mesmo que, para assistir a um grande show, é preciso passar por um teste de sobrevivência? 

É possível pensar ainda que a morte da jovem Ana Clara Benevides, que era estudante de psicologia prestes a se formar, nada tem de acaso. A vida dela foi embora por um conjunto de fatores, tendo a ganância como propulsora. Proibir a entrada de garrafas de água com o objetivo de estimular a compra dentro do estádio a preço desmesurado é prova de que só o lucro de bilheteria não basta e é preciso sempre mais e mais. 

Depois dessa tragédia, que também é sinal da falência humana, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, anunciou portaria determinando ser, a partir de agora, obrigatória a permissão de entrada de garrafas de água para uso pessoal em shows que ocorram em todo o território nacional. Também precisarão ser disponibilizadas ilhas de hidratação, com distribuição gratuita de água potável. É um passo importante dentro deste contexto, mas muito mais precisa ser feito para que abusos deixem de serem cometidos em todas as esferas. 

Esses excessos que só servem para engordar receitas, que são como sacos sem fundos, não podem ser naturalizados, ou, cada vez mais, estaremos longe do que entendemos como humanidade, sendo esta sinônimo de sentimento de bondade em relação ao semelhante. É preciso dar um basta, para que outros pais não passem pelo mesmo que o pai de Ana Clara passou e tenha que dizer que saiu do seu estado, para buscar a filha morta, uma jovem que deixou sua casa a fim de realizar um sonho. 

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Marcos Araújo

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