Depois da última página

Por Marcos Araújo

Existe um tipo de leitor que sofre quando o livro é muito bom. Não estou dizendo que o sofrimento tem a ver com o que está sendo lido. Com os dramas que envolvem a narrativa. Não é isso, ou pode até ser que seja. Estou falando de um tipo de tristeza que está mais ligada ao fato de o livro terminar. Eu sou esse tipo de leitor. Às vezes, nos deparamos com personagens tão envolventes, ou uma história que gera tanta identificação, que o sofrimento se dá, justamente, porque, a cada página que passamos, sabemos que o fim está mais próximo. 

No meu caso, eu chego ao cúmulo de boicotar a leitura, a fim de arrastá-la por mais tempo, prorrogando o seu término. Paro e passo alguns dias sem voltar ao livro só para desfrutar mais, nos pensamentos e nas conversas alheias, o meu encanto pela obra em si ou por seus personagens. Se existe quem sofra antecipadamente para saber o que vai acontecer no final, diante de um livro fascinante, minha aflição se dá ao contrário. Me recuso a saber a conclusão e fechar a última página. Sabe aquele momento da vida que a gente deseja que dure para sempre? É a mesma vontade para que a leitura seja infinita. 

Veja bem, porque isso é muito sério e, ocasionalmente, é como mergulhar no vazio, pois não é com todo livro que isso acontece. Uma leitura pode ser mais especial que outra. Fica um sentimento de perda, mesmo com a certeza de que o livro regressará para a estante e estará ali, bem perto, esperando para ser lido pela segunda vez ou, quem sabe, pela terceira. Aqui, devo confessar que Macabéa, que protagoniza “A hora da estrela”, de Clarice Lispector, me deixou órfão de nosso relacionamento, após sua autora colocar um ponto final na narrativa. E, mesmo já tendo voltado à obra três vezes, o que sobra sempre depois da última página é o mesmo sentimento de vazio. A história dessa nordestina miserável e que mal tem consciência de seu existir foi inédita, para mim, a cada uma dessas leituras, e espero que também seja na próxima, se houver. 

Durante dias ou até semanas, nos acostumamos com o personagem, enquanto vemos ele crescer. Trocamos ideias e aprendemos com ele. Para falar a verdade, compartilhamos a vida no período de leitura. É estabelecida uma grande conexão, e o ato de virar a página, para quem sofre do mesmo que eu sofro, se torna uma angústia, porque, a cada folha concluída, esse vínculo criado terá que se desfazer. Exagero da minha parte. É o que vão dizer alguns, porque existirão outros livros a serem lidos. Além disso, se o ato de leitura causa tanto sofrimento, por que insistir nele? Outros irão questionar. Minha resposta, fundada apenas no que eu sinto, é esta: insisto nele porque, assim como a vida, a satisfação da leitura está no mistério que une dor e alegria e aguça a vontade de sempre se querer mais.

 

Marcos Araújo

Marcos Araújo

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