
Nós, brasileiros, somos tidos como um povo que, apesar de nossas mazelas, carrega uma enorme tendência à alegria. “Rir para não chorar” é uma máxima que nos cabe muito bem. Transformar o sofrimento em piada talvez seja uma das formas encontradas para seguir em frente, sem nos deixarmos abater. O humor, claro, tem, em muitas ocasiões, o poder de nos salvar.
Todavia, merece atenção o fato de tudo se transformar em gozação. A partir do momento em que tudo se torna motivo de riso, corre-se o risco de que situações e temas graves e sensíveis acabem sendo diluídos em meio a tanta gargalhada.
A internet, com seu poder de persuasão e seu alcance de milhões de pessoas, tem servido de seara para a banalização de pautas que deveriam ser tratadas com responsabilidade, em razão de sua gravidade. Vivemos um momento em que tudo é transformado em meme. E não é que eu seja contrário a esse tipo de brincadeira na internet — dou muita risada daqueles que minha filha compartilha comigo. A questão aqui é: até que ponto um fato repugnante, que deveria ser abominado, torna-se algo de fácil digestão quando observado pela ótica de uma sátira digital?
Se alguém, em julgamento por atos gravíssimos, usa sua fala para fazer troça — como chamar de “malucos” aqueles que até então tinha como apoiadores —, parece-nos tratar-se de uma estratégia cujo objetivo é justamente desviar o foco da seriedade de suas ações. Ao recorrer ao riso, confunde a opinião pública e projeta uma imagem mais aprazível aos olhos dos mais desavisados.
Assim, o que queremos dizer não é que devamos deixar de ser alegres ou de fazer piada, quando a piada for possível. Não se trata disso. O essencial nestas considerações é estarmos atentos para não esquecer o que realmente importa, dando às circunstâncias o peso que de fato merecem. Precisamos temer a confusão crescente entre o que é entretenimento e o que é um fato que exige tratamento cuidadoso e severo, pois já há quem não consiga diferenciar meme de notícia.
Claro que sempre houve isso em nossa cultura — os programas humorísticos de televisão abusavam dessa tática —, mas havia uma separação: era a hora do programa de televisão. Agora, na era digital, as piadas se misturam, sem aviso prévio, aos fatos noticiosos na corrida pelo engajamento. E, quando esses limites se borram, a luz que deveria estar no fim do túnel parece cada vez mais fraca.
Que o riso siga nos acompanhando, pois ele nos fortalece. Mas que não percamos de vista o que deve ser enfrentado com austeridade. Há momentos em que rir é resistência. Em outros, é uma distração perigosa. Discernir entre um e outro talvez seja o grande desafio de nosso tempo.