Uma voz tamanha não desaparece. Essa voz tão límpida não cabe no silêncio. O que aconteceu, na última quarta-feira, não encerra a grandeza dessa voz. Gal morreu para se eternizar. Ao se encantar, ela renova a promessa de nos encantar. Ela entrou verdadeiramente na minha vida quando eu tinha 17 anos. É claro que, antes disso, já sabia quem ela era. Suas músicas tocavam no rádio e nos programas de televisão. Mas a cantora ainda não tinha me cativado, ou eu – absorvido pelas músicas internacionais – ainda não havia prestado atenção no seu (en)canto. Até que um dia, ao ouvir “Baby” na versão do álbum “Gal Costa”, de 1969, sem pedir licença, ela entrou no meu coração e, categoricamente, disse: – “Você, precisa saber de mim”. E eu então soube e nunca mais esqueci.
Relacionamentos são feitos de altos e baixos, e com a Gal não podia ser diferente. Minha primeira tentativa para ouvi-la de pertinho acabou em frustração. Em 2007, ela anunciou um show no Cine-Theatro Central. Naquele tempo, o valor do ingresso, para mim, era bem “salgadinho”, mas valia a pena diante da possibilidade de ouvir a dona da voz ao vivo. Era um sonho a ser realizado. Pois bem, na noite da apresentação, uma longa fila se formou na Praça João Pessoa na frente do Central. Eu era uma das pessoas que aguardavam para ver a musa da MPB. Todavia, o tempo passava e nada das portas do teatro se abrirem.
As pessoas que esperavam para entrar começaram a comentar que algo estava errado. Aproximava-se a hora do início do show, e as portas continuavam fechadas. Nas janelas dos andares superiores da majestosa fachada do prédio do teatro, era possível ver a movimentação de vultos. Eu, na ansiedade de ver a Gal, acreditei que ela era alguém que, atrás daquelas janelas, observava o público do lado de fora ávido para ouvi-la. O tempo passou. A indignação de quem estava na fila já era grande quando saiu lá de dentro alguém da produção do espetáculo dizendo que o show tinha sido cancelado e que o dinheiro dos ingressos seria devolvido. Sem entender o que se passava e com uma decepção danada, engoli o choro e fui embora. Houve protesto, mas, já àquela altura, de nada adiantava.
No dia seguinte, ao abrir a internet, lá estava a manchete: “Gal Costa cancela show em Juiz de Fora e volta para casa de táxi”. Segundo a notícia, a cantora foi contratada para fazer um show na cidade, mas o contratante não teria cumprido o acordo de pagar 50% do cachê adiantado. Diante da negativa do contratante, Gal cancelou a apresentação e pegou um táxi de Juiz de Fora para o Rio e ainda amargou mais um prejuízo, pois teve que pagar R$ 300 pela corrida de 180 km. O prejuízo também foi meu, porque, para esquecer a frustração, não peguei de volta o valor do meu ingresso.
Em 2016, Gal voltou a Juiz de Fora e, no mesmo Cine-Theatro Central, desta vez pra valer, ela soltou sua voz tamanha, e eu estava lá. Foi puro deslumbramento. Naquele dia, eu também pude cantar para ela, além de “há quanto tempo”, “Baby, i love you”.