As águas do rio Guaíba avançaram impiedosamente sobre o Mercado Municipal de Porto Alegre, transformando um cenário tão conhecido em uma ilha isolada pela tragédia. Eu ainda não conheço essa atração turística gaúcha, mas guardo a vontade de visitá-la. Está na minha lista de lugares do Brasil que quero conhecer. Assistir ao Rio Grande do Sul tomado pela água me causa um sentimento de desolação.
Enquanto as enchentes arrastam casas, plantações e vidas, a magnitude da tragédia lentamente se revela. Na TV e nas redes sociais repercutem relatos angustiantes, mostrando crianças perdidas, pessoas isoladas e animais lutando contra as correntezas implacáveis. O episódio envolvendo o cavalo caramelo, ilhado no telhado por dias e envolto a um mar de água barrenta, ganhou as mídias nacional e internacional, e agora se transforma em ícone da crise climática. O animal personifica a luta dos seres vivos contra um sistema que atropela a natureza em busca de lucro.
Nessa paisagem de adversidades, as redes de solidariedade se entrelaçam com os fios do sofrimento. Há aqueles que compartilham suas agonias, enquanto outros, apesar das dificuldades, relatam estar “bem, dentro do possível”. Mas para muitos, a tragédia deixou apenas ruínas e dor. Enquanto alguns buscam conforto na comunhão de suas dores, outros se afundam na desumanidade. Seis pessoas foram presas sob suspeita de cometerem crime de estupro em abrigos para vítimas das enchentes. Além disso, mensagens cruéis e desprovidas de empatia se espalham, sugerindo que o povo gaúcho merece sua própria desgraça. É como se a tragédia revelasse não apenas as dimensões físicas do desastre, mas também as profundezas da alma humana, expondo tanto a solidariedade quanto a crueldade que podem habitar em nós.
Muitos defendem que não é hora de buscar culpados, mas quando essa hora chegará? Quando houver uma nova tragédia e a população arcar com mais um martírio? Diante da imensidão da catástrofe, é importante não silenciar a voz da crítica, da análise política, porque é somente através dela que podemos começar a vislumbrar soluções, a demandar responsabilidades.
Enquanto escrevia este texto, a água recuava e as feridas começavam a cicatrizar. Agora, já que o tempo não se faz esperar, porque já esperamos demais, é essencial não apenas reconstruir o que foi perdido, mas também confrontar as falhas sistêmicas que tornaram esta tragédia ainda mais devastadora. Afinal, é nos momentos mais sombrios que a verdadeira natureza humana se revela, e é por meio da solidariedade e da busca por justiça que podemos encontrar uma luz no fim do túnel.