Cada um ostenta com o que pode

Por Marcos Araújo

Quem vem acompanhando o noticiário nos últimos dias, certamente, ficou surpreendido com o episódio a respeito da fusão entre carne e ouro, no Qatar. A qualificação dessa história como “cafona” foi a manifestação que mais teve repercussão nas redes tidas como “sociais”. Não era para menos. Eu sei que cada um tem o direito de gastar o dinheiro que ganha com o que tem vontade. Não existe mal nisso. Todavia, o que parece ter incomodado tanto é a questão de figuras tão emblemáticas para o Brasil, num período de Copa do Mundo, que mexe ainda mais com o imaginário nacional, aparecerem em cenas tão constrangedoras e insensíveis.

Afinal, enquanto a seleção disputava o campeonato mundial no oriente médio, muitos aqui, ou melhor, cerca de 30 milhões de brasileiros, encontram-se em situação de insegurança alimentar grave. Para que fique claro, o termo insegurança alimentar serve para qualificar o estado de insuficiência de alimentos no que diz respeito à quantidade e à qualidade. Um cenário que é impactado por condições de cunho econômico, político, social e ambiental. Na prática, é a fome que, para quem mora nas cidades, fica estampada nos rostos de meninos e meninas nas esquinas e nos semáforos.

Pesa sobre os ombros dos protagonistas da narrativa da carne folheada a ouro o fato de serem exemplos, o que requer responsabilidades. Pode-se até dizer que eles não querem para si esse tipo de juízo, mas, como figuras públicas que gozam dessa distinção, é preciso cobrar-lhes a consciência. “Quem sai na chuva é para se molhar”, não é assim que diz?

Esse acontecimento também é útil a fim de chamar nossa atenção para outras considerações. A ostentação que aparece nas cenas da churrascaria serve para nos lembrar da futilidade que, cada vez mais, acomete as pessoas. Ostentar, esse verbo que anda tão na moda, virou um tipo de valor social, que se exacerba ainda mais no mundo digital. Cada um ostenta com o que pode, não é mesmo? Se não é para todos a carne com ouro, pode-se postar a garrafa de vinho, o prato de restaurante, a vista do hotel, o #tbt da viagem, a nova conquista profissional, o novo amor e por aí vai. Todos, de uma forma ou de outra, acabam engolidos por essa “cultura”, que diz muito sobre o sistema consumista do qual não é possível escapar, assim como da porção narcisista de cada um de nós. É como estar em um novo iluminismo, cuja máxima é: Posto, logo existo.

Toda essa ostentação provoca a vontade do outro. Os que ostentam podem até se regozijar, mas eles também devem sentir algum tipo de pressão, algo que acaba sendo desconfortável, já que pode ser um tipo de vício. Para outros, esse tipo de manifestação pode provocar o sentimento de menosprezo, uma vez que se sentem à margem. O fato é que talvez tudo isso diga muito sobre nossa natureza humana e sobre o caminho que estamos seguindo. Na verdade, a proposta deste texto é refletir sobre o processo de degradação das relações humanas, sobre quem somos e sobre quem queremos ser, para que se vislumbre um futuro mais amistoso para nossa sociedade.

Marcos Araújo

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