Enem, cinema e desejo de luz no fim do tĂșnel

Por Marcos AraĂșjo

O tema da redação do Exame Nacional do Ensino MĂ©dio (Enem), aplicado no Ășltimo domingo (3), Ă© uma Ăłtima oportunidade para uma importante reflexĂŁo. Os alunos tiveram que dissertar sobre a democratização do acesso ao cinema no Brasil. O assunto Ă© polĂȘmico, uma vez que o atual Governo brasileiro nĂŁo tem demonstrado muitas afinidades com o audiovisual, tendo implementado mudanças na Ancine, que Ă© a nossa AgĂȘncia Nacional do Cinema, e cortes de verbas para filmes com a temĂĄtica LGBT, argumentos que jĂĄ foram tratados por esta coluna.

Também não superamos o baque de que, em setembro, uma canetada governamental visa a reduzir a principal fonte de fomento de produçÔes audiovisuais brasileiras. Um projeto de lei foi apresentado ao Poder Legislativo, prevendo o corte de 43% do orçamento do Fundo Setorial do Audiovisual. Antes que se diga que é dinheiro gasto com perfumaria, é preciso explicar que esse é um fundo que se retroalimenta com os próprios resultados das produçÔes, taxas cobradas e tributo pago pela exploração comercial de obras audiovisuais. Dessa forma, bombardeå-lo parece ser um raciocínio nada inteligente do ponto de vista administrativo.

Em outra circunstĂąncia de recalque contra o cinema nacional, o Governo determinou que a sede da Ancine fosse transferida do Rio de Janeiro para BrasĂ­lia, com o intuito de poder ter mais controle sobre o ĂłrgĂŁo. Infelizmente, todas essas ofensivas contra a nossa sĂ©tima arte Ă© uma guerra, totalmente sem lĂłgica, contra um setor que gera empregos e Ă© considerado simbĂłlico da nova economia, jĂĄ que os paĂ­ses, cada vez mais, investem em indĂșstrias que se relacionam Ă  criação e Ă  criatividade.

Todos esses achaques governamentais colocam o Brasil na contramĂŁo, minando nossa indĂșstria cinematogrĂĄfica que vai de vento em popa, vide os resultados alcançados por filmes como “Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, e “A vida invisĂ­vel”, de Karim Ainouz, ambos premiados no Festival de Cannes este ano.

Por estas razĂ”es, falar de democratização de acesso ao cinema Ă© fundamental nesse paĂ­s. Numa entrevista concedida esta semana, a diretora Anna Muylaert, criadora do longa “Que horas ela volta”, disse que o tema do Enem faz o estudante se questionar sobre si e acerca da importĂąncia do audiovisual no mundo contemporĂąneo, o que Ă© produtivo para o indivĂ­duo no que diz respeito ao modo de pensar a sociedade de hoje. Ainda mais quando sabemos que o audiovisual tem ocupado parte significativa do tempo das pessoas.

O cineasta Zoel Zito de AraĂșjo, criador do belĂ­ssimo filme “As filhas do vento”, ressaltou que vivemos uma grande mudança na forma de acesso aos filmes, que Ă© cada vez mais pela internet, pelo celular, no YouTube, nos canais de streaming, na assinatura de canais a cabo, do que pelas salas de cinema. Para ele, nunca se viu tantos filmes quanto hoje. Por isso, o importante Ă© a população ter consciĂȘncia que a experiĂȘncia humana, no momento atual, jĂĄ nĂŁo comporta viver sem cinema, acessado de diferentes formas.

De forma contraditĂłria e, para muitos, na cara de pau mesmo, o Governo impĂ”e obstĂĄculos ao audiovisual, mas quer ficar bem na fita, fazendo os estudantes pensarem sobre acesso e democratização do cinema. Em tempos tĂŁo obscuros, de perseguição Ă  arte e Ă  cultura, consigo pensar apenas que toda forma de reflexĂŁo, como essa proposta pelo Enem, pode, em algum momento, gerar luz no fim do tĂșnel.

Marcos AraĂșjo

Marcos AraĂșjo

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