Acabou! Aquilo que tirava nosso sono chegou ao fim. Se penso que será um mar de rosas? Não penso. É um céu limpo que se abre depois de uma longa e tenebrosa tempestade, mas haverá ainda muitas ondas a serem desafiadas neste oceano. Apesar dessa certeza de que não seguiremos em águas calmas, é preciso celebrar. O que aconteceu no último domingo é a prova de que não aceitaremos mais conviver com o ódio que, a todo custo, queria nos impregnar. Aqui, não estou falando de partidos ou de candidatos, mas de gente. De gente que não aguentava mais a brutalidade e a amargura de outras pessoas. Estou me referindo também ao peso que éramos forçados a carregar, a cada manhã, depois de ver as manchetes do dia. De gente que estava com o olhar turvado, mas que nunca perdeu a esperança de voltar a enxergar pela lente do afeto.
É preciso celebrar a vitória da humanidade sobre a barbárie. Na verdade, é preciso celebrar muita coisa: a cultura e os artistas; a educação e os educadores; o meio ambiente e os ambientalistas. Celebrar as árvores e toda a floresta amazônica; o planeta Terra, que é redondo, e todos os seus habitantes, que podem respirar com alívio e acreditar que não seremos a geração que nada fez para barrar um colapso climático.
É preciso celebrar aqueles que acham vergonhoso um país tão rico como o Brasil ter parte de sua gente sem ter o que comer. É preciso celebrar os indígenas, que voltam a ter esperança de que serão protegidos. Aqueles que acreditam nas universidades e naquilo que elas representam para a sociedade, sobretudo, para os mais pobres e negros.
É preciso comemorar a paz, certos de que teremos mais chances de produzir um tipo de política que nos salve dessa gana armamentista, liberando-nos da ameaça de ter em nossas salas estantes com mais armas do que livros.
É preciso celebrar a ciência e a esperança de que não deixaremos mais nenhuma doença erradicada voltar por motivos negacionistas. A possibilidade de que a merenda não irá faltar nas escolas. Temos que comemorar, com esperança, que as fakes news foram derrotadas, assim como as agressões contra jornalistas, o assédio eleitoral, o sigilo de cem anos, os falsos discursos e as falsas morais.
O momento é de celebração sim, mas não pensem que o nosso país voltará aos trilhos em razão apenas de um único homem. É a chance de manter a democracia viva que pode nos manter no caminho. A todos nós cabe a incumbência de trabalhar de forma inesgotável, para que esse percurso não seja extraviado.
Como isso pode ser possível? Do jeito que estivemos firmes até agora, às vezes abatidos, mas resistentes, sem ninguém soltar a mão de ninguém. O nosso maior desafio é manter essa união, porque essa vitória foi só o começo.