Passíveis de ser esquecidos

Por Marcos Araújo

A grande maioria de nós será esquecida um dia. Essa é uma verdade implacável e muitas pessoas fazem de tudo para ignorá-la. Há os que se julgam tão especiais que acreditam que serão lembrados pelas gerações futuras. Mas é certo que daqui a 150 anos, sem nenhum feito extraordinário para a humanidade, estes não terão mais importância, nem serão lembrados pelos familiares. Faço essa reflexão, porque estou pensando na falsa desembargadora que, na verdade, é uma psicóloga e protagonizou um lamentável episódio ocorrido no restaurante do Museu do Amanhã, no Centro do Rio de Janeiro.  A mulher, em um surto de cólera, passou a ofender uma chef e um auxiliar de cozinha e, agora, está sendo investigada pelos crimes de agressão e homofobia. 

Acreditando, naquele momento, ser mais e melhor do que os funcionários que foram vítimas de seu ódio, a mulher deu mais um exemplo, que veio à tona, de algo que faz parte do cotidiano dos brasileiros, em todas as instâncias. Algo que, à primeira vista, até parece que é abstrato, mas é concreto e que conhecemos como “Cultura da carteirada”. Um conceito que também pode ser entendido por aquela frase que muita gente já ouviu ou então conhece alguém que já tenha sido interpelado com ela: “Sabe com quem está falando?”

Alguns antropólogos dizem que tal maneira de proceder está intimamente ligada ao desrespeito às leis, pois quem usa e abusa desse recurso está afirmando a todos ao seu redor que, por ser “alguém” ou conhecido de “alguém”, é melhor do que os demais. Por isso, pode ficar acima das regras, e não só daquelas mais complicadas e burocráticas, mas do que é simples também, como burlar a fila de supermercado para passar as compras mais rápido. São práticas naturalizadas que revelam o quanto o dia a dia do brasileiro está permeado por diversas desigualdades. Uma ideia que os antropólogos também vão dizer que faz parte do cerne da estrutura do Brasil, não sendo fácil mudá-la. 

As cenas da falsa desembargadora humilhando os trabalhadores do restaurante levam a crer que ainda estamos longe do entendimento a respeito de nosso papel na sociedade. Para viver em coletividade, devemos compreender e honrar nossa função, que exige demandas, afinal de contas, a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro. Em entrevistas para comentar acerca da “Cultura da Carteirada”, o antropólogo Roberto DaMatta argumenta que, para que haja transformação positiva nesse quesito, é preciso muito esforço e tempo, sobretudo educacional. Ele acrescenta que é vital nos conhecermos melhor, para entender a posição que ocupamos e respeitar a posição do outro. 

Dito isso, volto ao ponto inicial deste texto: se todos nós somos passíveis de ser esquecidos, não dá para nos colocarmos no lugar de que somos melhores e podemos mais. Não funciona assim e, apesar do tempo que se leva para essa compreensão, os exemplos de resistência à “Cultura da carteirada” podem representar um início de transformação.

Marcos Araújo

Marcos Araújo

A Tribuna de Minas não se responsabiliza por este conteúdo e pelas informações sobre os produtos/serviços promovidos nesta publicação.

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade pelo seu conteúdo é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir postagens que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.



Leia também