A menina de Gaza e o direito à infância 

Na coluna desta semana, o jornalista Marcos Araújo discute a imagem da menina de Gaza, que se tornou um símbolo de coragem e um exemplo de bravura para os adultos, a fim de que se empenhem para que nenhuma criança tenha sua infância roubada.

Por Marcos Araújo

Menina de Gaza
Na última semana, a coragem de uma menina comoveu o mundo. Em um vídeo feito por um fotojornalista, essa garota aparece caminhando descalça por uma estrada sob um sol escaldante, carregando a irmã mais nova nas costas (Alaa Hamouda/Reprodução)

Do outro lado do mundo, a guerra força crianças a se tornarem adultos. Da noite para o dia, após um ataque, meninos e meninas são forçados a um amadurecimento precoce. Sem mãe ou pai, essas crianças precisam aprender a sobreviver sozinhas ou assumir a responsabilidade pelos irmãos mais novos. Na última semana, a coragem de uma menina comoveu o mundo. Em um vídeo feito por um fotojornalista, essa garota aparece caminhando descalça por uma estrada sob um sol escaldante, carregando a irmã mais nova nas costas.

Apesar da pouca idade e do corpo franzino, a menina revelava uma força descomunal ao levar a outra criança ferida para um acampamento de refugiados na Faixa de Gaza, após esta ter sido atropelada. A cena, ao mesmo tempo chocante e enternecedora, expõe aos olhos de todas as nações o sacrifício e a resiliência de crianças cujas vidas são ameaçadas em áreas de conflito.

São meninos e meninas que perderam o direito à infância. Já não podem mais brincar — pelo menos, não como antes da guerra. Se ainda existe espaço para brincadeiras, elas já não têm o mesmo sentido, pois podem ser as últimas de suas vidas, diante de um amanhã que talvez nem exista se houver um novo bombardeio.

Na verdade, a própria existência dessas crianças está sob ameaça. E, caso consigam sobreviver, suas vidas nunca mais serão as mesmas, pois viver em um ambiente de guerra e instabilidade afeta o desenvolvimento infantil. Desde muito cedo, essas crianças precisam aprender a lidar com a falta de acesso a cuidados médicos, alimentação adequada, educação e segurança básica. Sem falar no trauma psicológico, uma vez que vivem cercadas pela violência e pelas incertezas.

É impossível pensar nas crianças de Gaza sem lembrar das daqui, das que vivem em situação de vulnerabilidade. Há um denominador comum: o abandono diante de um sistema que, em ambos os casos, não protege seus direitos nem garante um futuro seguro. Em Gaza, elas enfrentam o terror de um conflito armado, deslocamentos forçados e a perda de familiares. A realidade delas é marcada pela urgência da sobrevivência diária e pela exposição direta à violência.

No Brasil, especialmente em áreas onde a justiça social ainda não chegou, muitas crianças também crescem em um ambiente hostil. Aqui, a violência estrutural se manifesta por meio da pobreza, da falta de acesso a serviços básicos e da violência urbana. Para elas, o cotidiano inclui a exposição a perigos como o tráfico, a violência doméstica e a exploração infantil. Embora distantes de uma zona de guerra, essas crianças vivem uma guerra contra a desigualdade, que limita suas oportunidades. Ainda há muito a se fazer pela infância no Brasil.

Apesar de suas mazelas, tanto as crianças na Faixa de Gaza quanto as de nosso país, que resistem às suas guerras, são prova de uma força extraordinária. Mesmo em meio a cenários de adversidade, elas continuam a caminhar, seja descalças em uma estrada sob o sol escaldante ou em vielas estreitas de comunidades marcadas pela precariedade. A menina de Gaza virou símbolo de coragem, e que sua bravura seja exemplo para os adultos, para que se empenhem a fim de que nenhuma criança, nem lá nem aqui, tenha sua infância roubada.

Marcos Araújo

Marcos Araújo

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