Cacos recolhidos

Por Marcos Araújo

No dia em que escrevi este texto estava completamente sem vontade de escrever qualquer coisa. Isso acontece e não é raro. Com tantos afazeres ao longo da semana, os dias passaram sem que pudesse me dar conta que era necessário parar, a fim de colocar os pensamentos em ordem e tentar esboçar alguma coisa no papel, ou melhor dizendo, na tela. Gosto de escrever no período da manhã. Essa é a primeira tarefa ao acordar, depois de tomar café. Pois bem, estava eu sem inspiração e até com um pouco de dor de cabeça, arrumando meu desjejum, quando deixei um copo de vidro vazio cair. 

O barulho, claro, por um mísero instante, agravou ainda mais a minha dor de cabeça. Aquele tipo de pontada que passa rápido, porém deixa recordações. No chão, como não poderia deixar de ser, dezenas de pontinhos brilhantes. Os cacos também se espalharam para debaixo da mesa, do armário e da geladeira. Não pude evitar um xingamento. Para superar o incômodo, liguei o rádio em uma estação musical. Quando comecei a limpeza, só conseguia pensar: “Que sorte! Ainda bem que o copo estava vazio!”. Não é fácil, mas, às vezes, é preciso tentar enxergar o que há de positivo naquilo que nos acontece. Um copo quebrado é apenas mais um diante dos percalços que o mundo tem a nos oferecer. 

E se comecei o dia sem vontade de escrever, sem querer, acabei encontrando um estímulo. O ato de recolher os cacos com cuidado para não me machucar me fez pensar na vida e no fato de como ela também é feita de cacos recolhidos. Afinal, quem é que consegue se manter inteiro o tempo todo? A verdade é que somos o resultado das tantas vezes que quebramos depois que nascemos. A gente pode se quebrar por conta própria ao se lançar nas incertezas, ao escolher caminhos errados, porque tudo pode ser arriscado. 

Mas também somos quebrados involuntariamente pelas durezas que se impõem no percurso. Nossa integridade é formada pelo somatório das nossas quebradeiras. O fato é que, desde o primeiro copo que quebrei na vida, aprendi que, na hora de limpar, é bom não pisar descalço, pois existe sempre aquele caco sorrateiro e inesperado pronto para nos machucar. E não é assim a vida, cheia de surpresa, que ora nos coloca de pé e inteiros, ora nos reduz a pedaços. O importante é saber se cuidar. 

 

Marcos Araújo

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