A pandemia
Em meados do século XIX, bons vinhos já eram apreciados em diversas regiões do mundo, e a indústria vinífera crescia velozmente. Vale destacar: na Austrália, por exemplo, dezenas de empreendedores ingleses, escoceses e alemães se lançaram ao cultivo de várias cepas (uvas) europeias. No Japão, os primeiros passos foram dados de forma acelerada. Nos EUA, diferentemente da atualidade, em que o Napa Valle produz mais de 80% dos grandes vinhos, naquela época, era no estado do Kansas que se concentrava a maior produção. Na África do Sul, terra da uva Pinotage, a indústria já tomava forma. O mesmo acontecia na Nova Zelândia onde as queridinhas Pinot noir e Chardonnay reinavam absolutas. Toda essa expansão parecia não ter mais volta, mas não foi bem assim…
Oriunda da América do Norte, o pulgão amarelo conhecido popularmente como Filoxera quase pôs fim a odisseia vinícola no mundo. Em sua terra natal era praticamente inofensiva para as uvas nativas americanas (vitis labruca), responsáveis pela produção de vinhos de mesa, porém se mostrou completamente devastadora para as uvas europeias (vitis viníferas), matéria-prima indispensável na produção de vinhos finos. Essa praga atacava, principalmente, as raízes, causando “feridas” e fragilizando a planta até sua morte.
Por volta de 1863, a praga chega à Inglaterra e, pouco tempo depois, invadiu a França através do Longuedoc, Vale do Rhône e Bordeaux, reduzindo pela metade a produção dos extraordinários vinhos franceses e de suas principais regiões. Ano após ano, a praga se alastrava por novos países como Turquia, Itália, Espanha, Portugal, Áustria e Suíça. Assim foi por toda Europa e, através dos transportes marítimos, tomou conta de vinhedos em todos os continentes. Arrancar, inundar e queimar vinhedos inteiros foram algumas de várias iniciativas frustradas de deter o mal que durante quase 40 anos levou grandes produtores e grandes indústrias ao redor do mundo à falência.
A solução no entanto vem do mesmo lugar onde tudo começou, a América do Norte. Por lá, perceberam que a Filoxera não causava danos nas uvas selvagens americanas (Vitis Labrusca). Então, a ideia foi fazer um experimento denominado enxertia, ou seja, enxertar mudas das uvas europeias em “cavalos” (troncos com raízes) de uvas americanas. Esse processo se mostrou muito eficaz com resultados de médio a longo prazo, pois teria que arrancar todos os pés de uvas europeias para replantá-las sob o sistema de enxertia. Sabe-se que uma planta nova começa a dar frutos satisfatórios a partir do quinto ano e, por isso, essa retomada foi lenta e gradual, mas com sucesso.
Neste contexto, é importante ressaltar que um dos poucos países do mundo que se manteve completamente intocado pela praga foi nosso vizinho Chile, isolado entre a Cordilheira dos Andes (ao leste), o Pacífico (ao oeste), pelo Deserto do Atacama (ao norte) e a Antártida (ao sul). Desse isolamento surge a inusitada história da uva Carménère que na Europa foi completamente extinta, e que por quase 100 anos foi confundida no Chile com a uva Merlot. Assim, a Carménère ressurge no Chile e é, hoje, a uva símbolo deste país.
Nestas quatro primeiras edições fizemos uma viagem sobre a história do vinho e seus desafios. A partir de agora, vamos falar um pouco sobre os pilares de um bom vinho, das grandes regiões vinícolas do mundo, seus vinhos ícones, estilos de vinhos e muito mais…!
Até breve!