Derrota coletiva
Já fazia tempo que Carolino não acompanhava o futebol da cidade. Perdera o gosto há alguns anos. Desde o ano passado, no entanto, retomara a atenção, com a ascensão dois times rivais. Resolvera, então, acompanhar o clássico municipal pela última rodada do torneio regional no domingo passado. De um lado, o Operário, que se dizia time do povo, mas que havia incorporado patrimônio nos últimos anos. Tinha até “country club”. Do outro, o American Great FootBall, equipe que representava a elite démodé. Sem torcer por ninguém, lá seguiu Lino para acompanhar a partida no “Michelzão”.
Quando a bola rolou, tomou um susto. À espera de salvar o fim de semana assistindo a um bom jogo, Lino viu uma série de botinadas, agressões e troca de farpas entre os times de tradicionais camisas vermelha, o Operário; e amarelas, o American Great. Independentemente do circo de horrores que se via dentro das quatro linhas, o que mais chamou a atenção dele foi o comportamento das torcidas. Cegas, defendiam qualidades não vistas dentro das quatro linhas. De um lado, a claque rubra vibrava a cada canelada: “olê, olá… o Operário ‘tá jogando ‘pra daná’…” De outro, a torcida organizada “American Boys” fazia um um cântico em ritmo nordestino, acompanhado de dança coreografada: “êêê… Fora vermelho horroroso… Vamos vencer!”
Atônito, Lino estava quase indo embora quando a loucura chegou ao ápice. Com a braçadeira de capitão de suas equipes, Tigrão e Tchutchuca bateram boca e trocaram empurrões. Tanto que acabaram expulsos, e o juiz se viu obrigado a encerrar o jogo antes do tempo regulamentar, ante a barbárie que tomou conta das arquibancadas. Intempestivamente, os brigões prejudicaram suas equipes, pois o empate eliminava os dois clubes do Regional. Perderam todos. De ambos os lados. Mas quem perdeu mais foi Lino, que esperava encontrar no futebol alguma esperança para sua vida castigada. A caminho de casa, desenganado, só lembrava da fila que enfrentaria na manhã seguinte, à procura de emprego.