Política não se discute
Ponto de vista. Há coisa mais difícil de respeitar que um ponto de vista alheio? É um desafio contínuo tentar entender a voz e vista do outro lado, uma vez que o que observamos daqui é tão nítido que chega a doer os olhos. Mas veja bem que doer os olhos não é a mesma coisa que cegar as vistas, e divergir intelectualmente é melhor que discordar afetivamente. Com quantas pessoas, por exemplo, você manteve amizade depois das eleições? Meu palpite é que só tenha conseguido deixar intactos os relacionamentos se as diferenças forem intelectuais, ou seja: é possível discordar apaixonadamente e ainda assim ter respeito. Tenho a impressão de que o respeito por uma opinião, ou pior, por uma pessoa, só acaba quando não é possível uma discussão pautada em argumentos. E argumentos não são: “ah, deixa disso”, você não mora no Brasil, não sabe de nada”, “Eu tenho mais experiência que você”. Todas essas falas são como apertar um botão de autodestruição e só subestimam a inteligência de quem propôs a conversa e expressam a falta de ar e substância de quem foi desafiado. Uma das piores desculpas para a falta de aprofundamento é dizer que política, religião e futebol são assuntos que não se discute. (Aliás, dito popular quase tão absurdo quanto “em briga de marido e mulher não se mete a colher.)
Religião, por exemplo, mais que nunca precisa ser debatida. O ponto problemático aí é que quando iniciamos uma discussão, muita gente entende como arrogância, logo se prepara para a defesa quando não houve qualquer ataque. A falta que faz um Ensino Religioso aprofundado que investiga a geografia da religião como cultura resulta em total intolerância e soberba de quase todas as religiões quando postas comparativamente. Num país como o Brasil ainda é possível ver escolas que preferem não disponibilizar para os seus alunos livros que falam de cultura e religião de origem africana. Candomblé é visto com estranhamento e rejeição. Puramente o resultado da completa ignorância de informação. Mas, talvez o que mais falta no país e nas casas das famílias brasileiras é discutir política. Ainda é possível testemunhar situações domésticas em que figuras autoritárias exigem respeito ao opinarem de forma esvaziada. Muitas vezes os filhos e netos desafiam o conhecimento dos mais velhos e se dispõem a debater política que nada mais é que o nosso dia-dia. Mas opiniões que nunca foram questionadas são cristalizadas pelo tempo e no primeiro sinal de exposição ou manuseio, trincam, se quebram, viram cacos.
Quantas vezes ouvimos que política não é conversa de criança? Como consequência, minha missão aqui em casa é tomar café com o noticiário rolando. É ouvir as notícias e depois comentar com meus filhos. É falar exaustivamente sobre Brexit, sobre o vírus e sobre a responsabilidade que o Estado tem de nos manter vivos e dignos. Porque um país que vulgariza e desdenha a vida humana não gera emprego, não gera escola, não gera pensamento. É sempre hora de discutir termos básicos da economia, direitos dos cidadãos e direitos humanos.
Nossas responsabilidades e nossos direitos, especialmente os coletivos que impactam diretamente nos direitos individuais. É uma prova de amor às crianças falar sobre Política, aquele termo grego que nos remete à abrangência e à organização coletiva. É também prova de amor ouvir mutualmente. Geralmente quem quer debater não quer briga. Naturalizando a discussão política dentro da minha casa ambiciono ajudar na formação dos meus filhos que serão pessoas que me trarão novidades, pensamentos diversos, desafios intelectuais. E eu? Eu quero estar pronta para o debate ao perceber, com admiração, que são grandes os que criei.