‘Carbonarizando’
“Buongiorno amici!” Resolvi escrever esse artigo depois de passar por duas situações engraçadas relacionadas a um dos pratos mais icônicos da cozinha italiana: a pasta alla carbonara. Uma situação aconteceu na primeira consulta pré-natal da minha esposa. No auge do atendimento, após a médica a proibir de comer carne de porco, brinco com ela e digo que os guanciales no maturador seriam só meus. Prontamente a médica me questiona o que seriam guanciales, e eu, com toda calma, explico que era a bochecha do porco curada e maturada e também o ingrediente do carbonara original.
Com um estalar de língua e um dedo gigante na minha cara, escuto que eu estava redondamente enganado, que ela como descendente de italianos iria me ensinar a fazer o verdadeiro carbonara. Calabresa, ovo cozido e creme de leite, essa era a receita do sucesso. Minha vontade era soltar um “Porca madonna”, e virar as costas, mas o momento era da minha esposa e se ela quisesse continuar com a médica a escolha era dela, e eu seria obrigado a aprender receitas mirabolantes pelos próximos nove meses. Ainda bem que ela não quis voltar!
A segunda situação é bem recente. Envolve um figurão juiz-forano, suposto chef de cozinha, colecionador de pérolas (sim, nós do meio comentamos e rimos desse tipo de coisa entre nós) foi ao restaurante e pediu nosso querido (e atualmente mais vendido) prato. Ao chegar o prato na mesa, vejo o suor de desespero e um olhar de “me tirem daqui” vir do atendente em minha direção. Em tom de palestra para os comensais junto a ele, e para quem quisesse ouvir, tirou uma história cabeluda de trás da orelha sobre o carbonara, e disse que aquilo ali era apenas uma massa com creme de queijo e bacon, sim, vocês não leram errado: bacon! Que sentia falta do creme de leite e do ovo cozido no prato. Nesse momento meu italiano interior novamente agiu e gritou na minha cabeça: “sanza panna dio mio!!!”. Não sei o que doeu mais, se foi pedir o carbonara com creme de leite, ovo cozido, ou chamar meu guanciale de bacon. Contou ainda que ao contrário do que pensam, carbonara é um prato americano, e que foi criado pelos trabalhadores das minas de carvão.
Então vamos lá, qual a história do autêntico carbonara, e, contrariando minha proposta, vou passar uma receita rápida.
Muitas histórias sobre a origem do nome “carbonara” existem. Uma delas diz que o nome vem da palavra “carbone” (carvão). Há ainda, quem diga, que é uma iguaria feita pelos trabalhadores no preparo do carvão vegetal, produzido no alto Lácio. Outros, que é um prato criado pelos revolucionários carbonários, uma sociedade secreta que existia na Itália no começo do século 19. Uma hipótese pouco provável, levando em conta a pequena propensão deles à arte da gastronomia, diz que foram soldados norte-americanos que o criaram no fim da segunda guerra em 1945.
Para mim, a conclusão é muito simples. Analisando a fundo os ingredientes, é notório que o prato tenha tido origem no alto Lácio e no Abruzzo, lugares habitados por pastores e montanheses onde, ainda, foi criada a massa “amatriciana” (da cidade de “Amatrice”), que compartilha alguns ingredientes do carbonara, como o “guanciale” e o pecorino (queijo de ovelha). A verdade é que não há nenhuma evidência sobre as hipóteses acerca do nome e procedência, somente que o primeiro registro é de 1839 no livro “Cucina teórico-pratica” de Ippolito Cavalcanti. Mas a origem do nome, pouco me importa, o que quero é conscientizar sobre o preparo correto.
Os ingredientes são poucos e fundamentais: gema, queijo pecorino romano, guanciale e pimenta do reino. Corte em cubos o guanciale e leve a uma frigideira em fogo baixo, deixe a gordura soltar bem devagar, enquanto sua massa de grano duro cozinha. Quando o guanciale estiver bem frito e crocante reserve. Nessa mesma frigideira adicione uma concha da água que você cozinhou a massa. Essa água é rica em amido e ajudará a encorparmos o creme. À parte, misture duas gemas com um pouco de queijo pecorino romano. Entre com a massa na frigideira e ainda em fogo baixo adicione a mistura de gemas, a pimenta do reino moída na hora e mexa vigorosamente até o creme engrossar e envolver bem a massa. “Mamma mia!”, finalize com os guanciales, mais queijo pecorino e sirva!
Espero que esse artigo proporcione a vocês experimentarem o verdadeiro carbonara!