Uma viagem pelos sabores do Vale do Café
Opções gastronômicas vão de menus contemporâneos ao fogão a lenha, passando pela valorização de orgânicos e métodos artesanais
* Viagem a convite do grupo Vale do Café Rio
Vassouras (RJ) – Na região que foi uma das forças motrizes do Ciclo do Café, chegando, na década de 1860, a produzir 75% do café consumido em todo o mundo, tornando o Brasil líder na produção, há muito mais na gastronomia do que o produto que caracterizou os arredores por décadas. O Vale do Café (RJ) possui uma ampla variedade de sabores, vertentes gastronômicas, preços e ambientes para se comer muito bem. Em visita à região a convite do grupo Vale do Café Rio, tive a oportunidade de conhecer alguns dos estabelecimentos que representam essa diversidade na mesa.
O primeiro almoço foi no Hotel Santa Amália, em Vassouras, elaborado com a preocupação em trazer as raízes históricas, que trazia a desigualdade abismal entre os barões do café e a população escravizada. No menu, há pratos que remetem a ingredientes muito usados pela população negra, mas também todo o requinte da cozinha da nobreza. O cardápio foi criado pela chef e historiadora Ana Roldão, que procurou ser fiel à cultura gastronômica do período cafeeiro. “A Ana fez um estudo da gastronomia da época, dos ingredientes, e procurou trazer isso para o menu, com um toque contemporâneo, mas sem descaracterizar os traços do período”, explica a proprietária do hotel e generosa anfitriã, Ana Lúcia Furtado.
De entrada, dadinhos de tapioca ao molho de pimenta, pastel de carne-seca com abóbora e croquete de carne com calabresa acompanhado de geleia de cachaça representavam as raízes negras, mas também foi servida uma saladinha de verdes da horta com gorgonzola, morangos, amendoim caramelizado, flores comestíveis e balsâmico de frutas vermelhas, que denotam ingredientes refinados, restritos à elite da época. O prato principal também vai na trilha da realeza, mignon ao molho de mostarda rústica, servido com batatinhas ao alecrim e fios de cenoura aromatizados com laranja. De sobremesa, torta musse de chocolate com café, marcando a presença do ingrediente, com nozes.
Fim de tarde com tilápia, cachaça e café
A 15 minutos de Vassouras, em um cenário de deslumbrar mesmo os olhos mais viajados, o jardim ecológico Uaná Etê é um passeio imperdível, mesclando natureza, arte, música e interatividade (contaremos mais sobre a atração nas próximas edições da Tribuna, confira!). Além disso, a chef Geni Dantas tem um menu descolado, moderno e, ao mesmo tempo, simples, pensado em sintonia com a proposta do parque. “Na primeira vez que entrei no Uaná Etê, senti uma energia muito forte e pensei: vou amar trabalhar aqui, vou criar pratos! Fui contratada! Refiz o menu, e hoje os clientes saem muito felizes. Temos, agora, a moqueca de tilápia, de banana da terra, conchiglione de bacon com limão e um mate da casa que virou referência.
O cardápio é feito dessa energia boa que recebo aqui, comida boa e bonita”, diz ela.
Na visita, fizemos um lanche com ares entre um café da tarde e entradinhas de um jantar: ceviche de tilápia (um dos melhores que já provei), bruschetta marguerita, minitapiocas ao creme de tilápia com azeite e tomatinhos, sanduichinhos de pão sírio com salada e rosbife, escondidinhos com recheios variados, enroladinho de rosbife com legumes, torradinhas com pastinhas frescas e bolo caseiro com café. Tudo isso de frente para um por do sol de arrebatar, que mereceu um brinde com espumante, que caiu bem com a vibe da refeição, informal, sem frescuras, mas elegante e com um quê de festividade.
De sobremesa, um sorvete de café feito também pela chef, que traz o sabor do ingrediente de forma muito harmônica, remetendo à região, e com uma textura levíssima, porém consistente. Conversando com a chef, soube que tivemos um cardápio criado especialmente para nossa chegada. “A grande verdade foi que um dia antes de vocês chegarem, me dei conta de que não tinha nenhum prato com a tilápia, cachaça e o próprio café, que são algumas das nossas iguarias aqui da região. Foi onde pensei no sorvete e na tapioca ao creme de tilápia, tudo criado especialmente para o grupo”, entregou a chef.
Embutidos à moda antiga
Na aconchegante Pousada Hibisco, de volta a Vassouras, tivemos um jantar leve – que pode ser marcado ou acontece em ocasiões especiais, pois não faz parte do pacote de hospedagem. De entrada, saladinhas, petiscos, quiches e salgadinhos preparados por Amanda Rabelo, da Chácara Florença, que tem sua própria produção de embutidos. O resultado são pratos muito mais saborosos e frescos, como o petisco de presunto cru com queijo prato, peras e damasco e a quiche, também de presunto cru com brie, além de um pãozinho de linguiça também feita na chácara. Em seguida, um saboroso caldo de baroa com gengibre e carne-seca artesanal da casa.”A chácara é uma propriedade que vem desde o bisavô de meu marido, já foi granja, já teve criação de tudo. Daí quisemos começar uma produção de presunto cru. Hoje produzimos vários defumados, sempre remetendo às formas antigas de se fazer, com tripa natural, temperinhos da horta e defumação a lenha”, diz Amanda, que também comercializa os produtos em uma loja no centro comercial de Vassouras, em que é possível encontrar, ainda, itens de outros produtores locais.
Elegância da horta para a mesa
Seguindo o tour gastronômico, fomos recebidos em Rio das Flores, a cerca de 50km de Vassouras, na suntuosa Fazenda União, um encanto de natureza, arquitetura, história e um acervo de artigos do império com peças que nem constam no Museu Imperial de Petrópolis (em breve, faremos um roteiro detalhando as fazendas visitadas na viagem). Numa agradável mesa ao ar livre próxima à casa principal da propriedade, chegamos para o almoço, recebidos por Camila Carrara, que toma a frente dos negócios ao lado do marido Mário Vasconcelos (um ávido colecionador de arte sacra, por sinal).
Nas entradas, bruschettas de maçã e brie e tomate com queijo canastra, pãezinhos variados com burrata de búfala (de produtores de Valença) e tomate seco e uma saladinha caprese com pesto de manjericão, decorado também com as folhas. Na sequência, escolhi, para principal, o Filé de Saint Peter com amêndoas e arroz verde de pancs (um suplício). Na sobremesa, minha opção foi um clássico, uma tortinha de limão com equilíbrio impecável entre os sabores e uma massinha base superleve. Tudo isso em uma mesa decorada com esmero, mas sem ostentação, dos guardanapinhos bordados às louças que variavam entre coloridas e branquíssimas com frisos decorativos.
Depois de um passeio de um dia inteiro pela ampla fazenda, descansamos um pouco e já era hora do jantar. Na entrada, uma deliciosa e surpreendente planta alimentícia não convencional (Panc), “peixinho da horta”, que, como todos os outros verdinhos do cardápio, é da fazenda ou de produtores locais vizinhos. A plantinha foi servida empanada e realmente remete a um pescado, mas mais leve, muito propícia para abrir um menu. Além disso, pães, torradas, queijos e geleias. Ainda abrindo os trabalhos, uma polenta trufada com ragu de linguiça. O principal foi um tornedor (pedi mal-passado, pois amo) ao molho madeira com risoto de funghi, uma dupla imbatível – sobretudo para risoteiros carnívoros como eu. A sobremesa foi clássica: um crepe suzette com sorvete de creme.
O cardápio é assinado pelo chef Luiz Enrique da Silva, que já comandou cozinhas renomadas da badalada Itaipava (RJ). “Nosso cardápio é vivo, muito baseado na sazonalidade. Como estamos um pouco afastados, só conseguimos produtos frescos se plantarmos. Então mudamos nosso menu semanalmente, de acordo com o que temos. O Enrique vai criando possibilidades, tudo de forma artesanal, inclusive as massas, que são um sucesso, especialidade dele”, diz Camila Carrara, que estuda gastronomia e participa ativamente da elaboração dos cardápios.
Na portinha de Minas
Depois de um café da manhã com muitos quitutes como bolos, pães, biscoitos, doces, bolinho de chuva, seguimos para a Fazenda Paraízo, há mais de cem anos na mesma família e que se mantém preservada e produtiva até hoje. Depois do tour histórico, partimos para a Fazenda Santo Inácio, também em Rio das Flores, para o almoço que encerraria a viagem, batendo bem perto de casa. Fomos recebidos por Ana Célia, que comanda a cozinha e, com o apoio da família, os negócios. No buffet, com quase tudo preparado no forno a lenha, a mineiridade transbordava: tutu, torresmo, ovo frito, um purê de abóbora de fazer ateu rezar, frango com quiabo, angu, couve refogadinha, pernil, linguiça e outras delícias, sendo que as carnes são de origem da própria fazenda. As sobremesas também batem à porta de casa: “docindileite” da casa. doce de figo, doce de mamão, arroz-doce, Romeu e Julieta e outras mineiridades. “Temos muita influência da cozinha mineira, estamos só a 35km de Belmiro Braga. E gostamos dessa culinária caseira, que remete à família se reunindo em torno da mesa, temperinho de casa. Tudo que fazemos é produzido aqui ou, no máximo, de produtores vizinhos. A ideia é que as pessoas se sintam acolhidas, se sirvam no fogão, como se fosse em casa”, diz Ana Célia, enquanto estica um olho no Filé, gato da fazenda. Ambiente mais familiar, pelo acolhimento e pelos sabores,impossível.