O caso Roberto Alvim: o Estado pode endossar discurso de ódio?
Em que pese o fato já ser “velho” para “era da velocidade”, a coluna de hoje falará sobre o perigoso pronunciamento do ex-secretário da Cultura, Roberto Alvim. O Presidente classificou como infeliz a utilização de trechos idênticos de conhecido discurso de Goebbels, uma das cabeças ideológicas mais influentes do nazismo. Portanto, articularei brevemente as ideias centrais de tão importante direito – a liberdade de expressão -, para a seguir explicar que o pronunciamento não é protegido por ele no caso em questão!
Goebbels era um potente orador a serviço do regime totalitário de Hitler, e várias frases de efeito são atribuídas a ele. No ponto, vale destacar a conhecida sentença: “uma mentira repetida mil vezes se torna verdade”. O antídoto para essa manipulação dos debates públicos (em tempos de Fake News) está em um dos liberais mais importantes da história (liberal de verdade, não de fachada sob os efeitos do trópico). Stuart Mill sustentava que a liberdade de expressão fomenta o debate constante e aberto, evitando que ideias sejam repetidas, transformando-se em dogmas. Alguém então deve estar se perguntando: ora, se o espaço público é para livre circulação de ideias, por que o pronunciamento não é protegido por ela? Passo a explicar!
O pensador norte-americano Ronald Dworkin formula duas justificativas para a liberdade de expressão: uma instrumental e outra constitutiva. A primeira sustenta que a mais ampla liberdade de expressão permite a melhor escolha política, protegendo o povo contra a tirania e inibindo a corrupção. Já a constitutiva, apóia-se na ideia de que o Estado deve tratar seus cidadãos como agentes morais individuais e responsáveis, que devem poder ter acesso a qualquer tipo de informação ou de opinião, para, assim, tomar suas decisões. Nesse sentido diz o autor: “o Estado insulta seus cidadãos e nega a eles a sua responsabilidade moral, quando decreta que não se pode confiar neles para ouvir opiniões que possam persuadi-los a adotar convicções perigosas ou ofensivas”.
É nesse sentido que Robert Post defende a livre circulação de ideias, mesmo que essas venham acompanhadas de palavras ou gestos “fortes”. Segundo ele, proibir essas expressões é retirar do espaço público seus defensores, fato que compromete a integridade da democracia, pois a esfera de discurso público tem de se basear num princípio meramente formal de igualdade, pelo qual todos devem ter a capacidade de expor suas ideias, e não em uma perspectiva substantiva da isonomia, como a que proíbe a manifestações pouco comuns. Nesse ambiente, tanto os que discordam quanto os que concordam com uma proposição possuem igual direito de manifestar suas preferências e ideologias.
E por que o pronunciamento de Alvim, que em alguma medida está dentro de tudo que foi dito acima, não estaria protegido pelo “sagrado” direito de se expressar livremente? Vamos lá! Há uma considerável diferença quando o autor do discurso é o Estado. No caso de Alvim, era o Estado endossando ideias nazistas que fizeram e ainda fazem tanto mal à humanidade, punido em diversos países e que no Brasil ganhou contornos constitucionais desde o HC 82.424 (caso Ellwanger), julgado pelo STF em 2003. Até discordo da denúncia do MP/MG contra homem que usou suástica em bar de Unaí. Desaprovo enormemente tal conduta enquanto cidadão, mas ali era uma pessoa privada em um bar privado. Aqui há uma colisão de direitos fundamentais. Porém, quando o Estado é o autor do discurso de ódio, suas premissas podem ser entendidas como diretrizes políticas (até acredito que o veneno está lá – minha opinião) e até como política pública.
A comunicação com o outro vai para além de ser uma mera alternativa, mas antes constitui preciosa necessidade. Nossa aptidão e vontade de exprimir o que pensamos, o que somos e o que sentimos, revelam-se como importante dimensão da nossa humanidade. De fato, para que cada indivíduo desenvolva sua personalidade, forme opiniões e eleja seus planos de vida, deve-lhe ser garantido o acesso às mais variadas informações e pontos de vistas existentes na sociedade plural sobre cada tema, mas sem jamais usar deste direito para diminuir, humilhar e causar dor no outro.
Ainda sobre liberdade de expressão
Me pediram para comentar se o especial de Natal do Porta dos Fundos seria protegido pela liberdade de expressão e artísticas e relacionar os casos! São bem diferentes! De um lado é o Estado e do outro um grupo artístico particular em plataforma digital particular. Sem negar a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, neste caso, o cidadão separa o joio do trigo, faz campanha contra, não assiste e cancela sua assinatura, até porque a questão religiosa é metafísica e complexa. Do outro lado, temos o Estado saudando ideais que marcaram a humanidade para sempre e deixaram milhões de mortos!